COISA DE
MAFIOSOS (editorial do Estadão de 10.07.25)
"O presidente americano, Donald Trump, enviou carta ao
presidente Lula da Silva para informar que pretende impor tarifa de 50% para
todos os produtos brasileiros exportados para os EUA. Da confusão de
exclamações, frases desconexas e argumentos esquizofrênicos na mensagem, depreende-se
que Trump decidiu castigar o Brasil em razão dos processos movidos contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado e também por
causa de ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas que
administram redes sociais tidas pelo STF como abrigos de golpistas. Trump,
ademais, alega que o Brasil tem superávit comercial com os EUA e, portanto,
prejudica os interesses americanos.
Não há outra conclusão a se tirar dessa mixórdia: trata-se
de coisa de mafiosos. Trump usa a ameaça de impor tarifas comerciais ao Brasil
para obrigar o País a se render a suas absurdas exigências.
Antes de mais nada, os EUA têm um robusto superávit
comercial com o Brasil. Ou seja, Trump mentiu descaradamente na carta para justificar
a medida drástica. Ademais, Trump pretende interferir diretamente nas decisões
do Judiciário brasileiro, sobre o qual o governo federal, destinatário das
ameaças, não tem nenhum poder. Talvez o presidente dos EUA, que está sendo
bem-sucedido no desmonte dos freios e contrapesos da república americana,
imagine que no Brasil o presidente também possa fazer o que bem entende em
relação a processos judiciais.
Ao exigir que o governo brasileiro atue para interromper as
ações contra Jair Bolsonaro, usando para isso a ameaça de retaliações
comerciais gravíssimas, Trump imiscui-se de forma ultrajante em assuntos
internos do Brasil. É verdade que Trump não tem o menor respeito pelas
liturgias e rituais das relações entre Estados, mas mesmo para seus padrões a
carta endereçada ao governo brasileiro passou de todos os limites.
A reação inicial de Lula foi correta. Em postagem nas redes
sociais, o presidente lembrou que o Brasil é um país soberano, que os Poderes
são independentes e que os processos contra os golpistas são de inteira
responsabilidade do Judiciário. E, também corretamente, informou que qualquer
elevação de tarifa por parte dos EUA será seguida de elevação de tarifa
brasileira, conforme o princípio da reciprocidade.
Esse espantoso episódio serve para demonstrar, como se ainda
houvesse alguma dúvida, o caráter absolutamente daninho do trumpismo e, por
tabela, do bolsonarismo. Para esses movimentos, os interesses dos EUA e do
Brasil são confundidos com os interesses particulares de Trump e de Bolsonaro.
Não se trata de “América em primeiro lugar” nem de “Brasil acima de tudo”, e
sim dos caprichos e das ambições pessoais desses irresponsáveis.
Diante disso, é absolutamente deplorável que ainda haja no
Brasil quem defenda Trump, como recentemente fez o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, que vestiu o boné do movimento de Trump, o Maga (Make
America Great Again), e cumprimentou o presidente americano depois que este fez
suas primeiras ameaças ao Brasil por causa do julgamento de Bolsonaro.
Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um
troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira. Caso Trump leve
adiante sua ameaça, Tarcísio e outros políticos embevecidos com o presidente
americano terão dificuldade para se explicar com os setores produtivos
afetados.
Eis aí o mal que faz ao Brasil um irresponsável como
Bolsonaro, com a ajuda de todos os que lhe dão sustentação política com vista a
herdar seu patrimônio eleitoral. Pode até ser que Trump não leve adiante suas
ameaças, como tem feito com outros países, e que tudo não passe de encenação,
como lhe é característico, mas o caso serve para confirmar a natureza
destrutiva desses dejetos da democracia.
Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump,
de Bolsonaro e de seus associados liberticidas. E que aqueles que são
verdadeiramente brasileiros, seja qual for o partido em que militam, não se
permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha os ideais da
democracia."
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