Numa cidade do interior de Pernambuco, um homem matou três pessoas. Os homicídios são comuns no Brasil, estamos em primeiro lugar no mundo nesse item. O que não é comum é o motivo dos assassinatos. Ao ser preso, ele declarou ter matado a mulher e seus dois filhos porque não suportava o barulho que faziam em casa. Os vizinhos evangélicos passavam o dia com o som ligado no mais alto volume, escutando hinos em louvor a Jesus.
O criminoso será julgado por triplo homicídio. Desconheço se a agressão sonora que ele sofria servirá de atenuante. Provavelmente não. No Brasil, quase não existem leis sobre o controle de emissão sonora. Qualquer pessoa pode abrir um boteco junto de sua casa, ligar um som nas alturas, varando dias, noites e madrugadas. A vítima não encontra a quem se queixar, e quando o faz, as chances de resolver o problema são remotas.
Dizem que a cidade mais barulhenta do mundo é a do Cairo. Eu não posso dizer que sim, porque nunca fui lá. Mas conheço cidades brasileiras, pequenas e grandes, e poucas se destacam pelo silêncio, sobretudo no Nordeste. Todos se acham no direito de falar alto, ligar o som do carro no meio da rua, fazer publicidade em carros de som, manter televisões ligadas nos restaurantes, batucar em qualquer esquina. É um desrespeito. A facilidade de compra de aparelhos sonoros transformou as pessoas em agressores potenciais. O barulho na casa do seu vizinho é uma arma apontada contra os seus nervos.
No romance O Estrangeiro, do escritor argelino Albert Camus, o personagem Meursault comete um assassinato. Quando lhe perguntam por que matou, ele responde que por causa do sol forte. O assassino de Pernambuco atribuiu seu impulso ao descontrole nervoso, causado pelo som alto que escutava dias seguidos, sem desejar. Camus era um existencialista e escrevia sobre coisas absurdas. O assassino é um brasileiro que vive num país absurdo, onde as leis ou não existem ou não são respeitadas.
Falam que a emissão de ruídos por um trio elétrico, aquela fábrica de loucos inventada na Bahia, não pode ultrapassar a altura de tantos decibéis. Nunca ouvi falar de fiscais medindo em aparelhos o volume sonoro produzido. E se o trio de Ivete Sangalo estiver muito acima do que a lei determina? Será que vão mandar a baiana descer do carro e parar a geringonça? Duvido. No máximo aplicarão uma multa irrisória, que não será paga.
O presidente Lula reclama porque ninguém fala bem do Brasil. Falar bem de quê? Dos atrasos nos aeroportos? Das falcatruas de Renan Calheiros? Essa campanhazinha para que se enalteça o Brasil até me lembra a velha campanha da ditadura, quando cunharam o slogan "Brasil: ame-o ou deixe-o". Um gaiato sugeriu que o último a sair apagasse as luzes do aeroporto.
Não existe muito a quê fazer elogios, nem dá para relaxar e gozar como sugere a ministra sexóloga. Os múltiplos chiados não permitem. Desesperado, sem amparo da lei, sem saber a quem reclamar, o homem incomodado pelo volume alto de um som, atirou e matou três pessoas.
Seu ato será classificado como individualista. As ações individuais são freqüentes nos países onde não existe respeito ao coletivo. Desde a nossa colonização, construímos uma sociedade em que prevalecem os valores individuais, a competição e a rivalidade. A associação e o respeito ao direito do outro não fazem parte do caráter nacional. Basta olhar para os nossos políticos e comprovar o que escrevo. Corrupção e impunidade também são formas de assassinato. É igual ao som alto que rasga nossos tímpanos e nos enlouquece até o impulso de matar.
Ronaldo Correia de Brito ,Cratense/Recifense , é médico e escritor.
Escreveu Faca e Livro dos Homens.
Assina coluna na revista Continente
e no Site Terra Magazine
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