Todo mundo já leu ou escutou a história de Ali Babá e os quarenta ladrões, do livro As Mil e Uma Noites. Eu adoro essa narrativa, mas nunca compreendo porque os ladrões ocultam os tesouros roubados, dentro de uma caverna. Tento imaginar o dia em que eles, finalmente, usarão as jóias, brocados, sedas e tapetes, e gastarão as moedas de ouro e prata guardadas em sacos e bolsas de couro.
No relato de Xerazade, os ladrões não chegam a usufruir o roubo. Trinta e sete são queimados com azeite quente, dois executados, e o chefe do bando atravessado pelo punhal de Morgiana, a escrava fiel de Ali Babá. O tesouro custosamente roubado ao longo de uma vida de crimes e maldades termina nas mãos de um sujeito mais esperto, Ali Babá, que acreditava não ser crime apropriar-se do furto praticado por outros.
A caverna dos ladrões abria-se com uma senha mágica: "Abre-te Sésamo". Sem esta fórmula, tudo ficaria oculto para sempre. Ela excitava a imaginação das crianças, como os hackers de hoje se excitam na perspectiva de vasculhar os segredos dos computadores alheios.
Os acontecimentos do Brasil nos levam a acreditar que Xerazade continua inventando histórias, uma atrás da outra. A mais recente é a de Renan Calheiros, com os clássicos ingredientes de corrupção e roubo. Porém, a mais parecida com As Mil e Uma Noites é a de Paulo Salim Maluf, que até foi adaptada aos tempos cibernéticos.
Descobriu-se que Maluf possui uma caverna num banco suíço, onde depositou a fortuna desviada dos cofres públicos, nos períodos em que foi prefeito da cidade de São Paulo e governador do Estado. Ali Babá presenciou os ladrões entrando na gruta secreta e ouviu-os gritando as palavras mágicas. A polícia federal rastreou depósitos e contas bancárias, até chegar à boca da gruta de Maluf. Mas a sorte não permitiu que eles também descobrissem a senha, o "abre-te sésamo" que daria acesso ao dinheiro roubado.
Acredito que Maluf entrou na história de Aladim, se apoderou da lâmpada maravilhosa, esfregou-a, e ordenou ao gênio que transferisse os seus milhões para outra conta bancária, em outro paraíso fiscal. Não se espantem! É sempre assim com todos os grandes ladrões brasileiros. Não temos notícia de um único final feliz como o de Ali Babá. Que bom se a prata e o ouro retornassem para os nossos cofres e fossem gastos em projetos sociais ou num carnaval das Arábias.
Os quarenta ladrões d' As Mil e Uma Noites e os poderosos ladrões do dia-a-dia brasileiro permanecem indecifráveis. Como usufruem o que roubam, se passam a vida acumulando e escondendo? Ou eles torram a grana e nem tomamos conhecimento? Será o desejo de poder que os motiva ou a pura ganância?
A História é uma lista infindável de guerras, saques e pilhagens. Mas nada se compara às tramas fraudulentas dos políticos, aos jogos de poder, às sonegações, à mão enfiada no erário público. O roubo e a corrupção parecem invisíveis e sem conseqüências. Mas o país empobrece, se amesquinha, deixa de acreditar na democracia. As pessoas comuns justificam os próprios erros e a falta de ética se espelhando no exemplo desonesto desses bandidos.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.
2 comentários:
o foda é que aqui não são somente 40. mais ou menos 40x4000. abçs
Existe uma cultura de corrupção enraigada na política desse nosso glorioso país que está muito longe de acabar. Não sabemos em quem confiar. Congresso, Senado, Justiça, câmara de deputados, vereadores, prefeitos fazem parte do mesmo bando de Ali-babá! Precisamos urgentemente de um movimento nacional contra os desmandos da administração pública!
Que tal começar por sua própria casa, vila, rua, cidade?
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