TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE
sábado, 27 de outubro de 2007
Os Grãos de Areia
Se eu disser que a cultura está atualmente em perigo, que está ameaçada pela influência do dinheiro, e do comércio, e do espírito mercantil, de múltiplas faces, ibope, pesquisas de marketing, expectativa de anunciantes, números de venda, lista de best-sellers, dirão que estou exagerando.
Se eu disser que os políticos, que assinam acordos internacionais reduzindo as obras culturais à espécie comum de produtos sem qualidades, dependentes de leis que se aplicam ao milho, às bananas ou às laranjas, contribuem,sem nem sempre sabê-lo, para o apequenamento da cultura e dos espíritos, dirão que estou exagerando.
Se eu disser que os editores, os produtores de filmes, os críticos, os distribuidores, os responsáveis pelas cadeias de rádio e de televisão, que se dobram precipitadamente à lei da circulação comercial, a da caça aos best-sellers ou às vedetes midiáticas e a da produção e glorificação dos sucessos a curto prazo e a qualquer preço, mas também a das trocas circulares de concessões e de complacências mundanas, se disser que todos estes colaboram com as forças imbecis do mercado e participam de seu triunfo, dirão que estou exagerando.
E no entanto...
Se eu lembrar agora as chances de parar essa máquina infernal repousam em todos aqueles e aquelas que, detendo algum poder sobre as coisas da cultura, da arte e da literatura, podem, cada um seu lugar e à sua maneira e , de sua parte, por mínima que seja , jogar seu grão de areia na engrenagem bem lubrificada das cumplicidades resignadas, e se acrescentar enfim que aqueles e aquelas que têm oportunidade de trabalhar em Revistas de Arte ( não necessariamente nas posições mais eminentes ou mais visíveis) estariam, por convicção, e por tradição, entre os melhores colocados para fazê-lo, dirão talvez, de uma vez por todas que sou desesperadamente otimista.
E no entanto...
Pierre Bourdieu
Paris, setembro de 2000
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