Arthur de Faria
Primeiro eu fui lendo o texto do Zeca do encarte do Cabelos de Sansão e tendo um flashback f...
Eu tinha lá meus 14 anos (sou de 68), e, igualmente interiorano (de uma cidade próxima a Porto Alegre), igualmente vinha pra capital fuçar discos que eu escolhia pela capa ou pela estranheza do nome do sujeito. E, saindo da aula de teoria na escola de música da sinfônica daqui, achei o LP, gostei da capa, do nome do cara, peguei o encarte e vi ali Itamar, Tetê, Vânia, Mané, a turma toda. E isso era mais, muito mais do que o suficiente pra escolher que seria esse o único disco que minha mesada ia poder pagar naquela quinzena. Afinal, o Clara Crocodilo tinha acabado de mudar a minha vida pra sempre e qualquer coisa remotamente relacionada à ele me interessava.
Aí, em Gravataí, como sempre acontecia com discos novos e especiais, o LP se espalhou imediatamente pela turma. Na nossa rede pré-internet e baixamentos, todos copiavam em K7 para todos cada item novo da nossa súmula mínima: o Amoroso do João Gilberto, Pulsacion do Piazzolla, Clara Crocodilo, Grupo Um, Tetê na cachoeira, os gaúchos Musical Saracura e Almôndegas e Quintal de Clorofila, o primeiro da Eliete Negreiros, o primeiro do Premê, os primeiros Itamares...
As mesmas quatro imediatas pérolas que saltaram aos ouvidos do Zeca, anos depois, saltaram aos nossos também naquele instante. Pra mim, então, a curiosidade era ainda maior: nunca tinha ouvido nem Jimi Hendrix nem Strawberry Fields Forever. Pra mim aquilo era tudo só novidade (anos depois ouvi Little Wing e fiquei espantado como era MENOS interessante no original). Era uma revelação sobre como se podia ser tão absolutamente original sem usar as dissonâncias e atonalismos e serialismos do Arrigo nem as polirritmias do Itamar. E ainda trazer uma sonoridade curiosamente regional, tão distante pra quem nunca tinha ouvido uma ciranda, um maracatu. Então dava pra ser daquela turma e ser relativamente simples? Aquilo foi uma luz que explodiu na minha angustiada cabeça de já compositor, pensando o que fazer depois do Arrigo.
Hoje, escutando o CD, parado num estacionamento, dentro do carro, no meio de um fog caprichadamente portoalegrense, meus olhos se encheram d´água muitas e muitas vezes. Lágrimas de reencontro, de alumbramento, de surpresa com um disco que não envelheceu um minuto (OK, o timbre da caixa da bateria, mas é só). Até me deu de novo aquela inveja boooooooooa de Redemoinho, de como eu nao fiz essa música (e não fiz aos 14 e não fiz até hoje, com 39). Alumbramento de remeter aos caras que me fundaram esteticamente, os Irmãos Augustos (como a gente dizia, incluindo o Pignatari), o Lira Paulistana, as tais "vanguardas paulistas" (talvez por isso até hoje me sinta em casa em São Paulo, com ou sem meus amigos músicos, e completamente ET no Rio de Janeiro).
Fazia muito tempo que eu não tinha essa sensação de voltar pra casa (olha aí os olhos cheios d´água de novo! - toca, agora no computador da firma, Fios da Light). E de a casa seguir ali, intacta, sem nenhum sinal de envelhecimento, sem nostalgia.
Te devo essa, seu Araripe.
Fonte: http://www.cabelosdesansao.blogspot.com
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