CENA 1
A família chegou ao Juazeiro, num carro de boi, depois de longos dias de caminhada pelo sertão poeirento do Nordeste. Pai, mãe, dois filhos e duas filhas conduziam um terceiro jovem, também filho do casal, possuído por maus espíritos, a fim de que o Padre Cícero lhe tirasse “o cão do couro”, expressão utilizada naquele tempo e correspondente hoje à palavra exorcismo. Colocado na sala de visita da casa do sacerdote, o rapaz, todo amarrado, espumava e urrava feito bicho bruto, querendo se ver livre das fortes cordas que o imobilizavam. Nisso, entra o Padre Cícero com um vidro de água benta na mão direita. Espargiu o líquido sobre toda a sala e em seguida ordenou: “tirem as cordas do rapaz”. Apesar das ponderações da mãe do moço, alertando que se ficasse livre das amarras o filho agrediria a todos, o Padre Cícero insistiu: “soltem o rapaz”. E começou a rezar em latim, jogando água benta no moço, que foi se acalmando até ficar totalmente sereno. A calmaria voltou ao ambiente. Padre Cícero recomenda dar uma xícara de líquido ao jovem, na parte da tarde, e leva-lo para descansar. Dias depois, os membros da família voltam à casa do Padre Cícero. Vieram agradecer ao sacerdote por ter livrado o filho dos maus espíritos. E retornaram, em seguida, para as paragens de origem.
CENA 2
A mesa de refeição da casa do Padre Cícero era sempre farta, embora ele próprio se alimentasse frugalmente. Diversas pessoas procuravam diariamente sua casa, nas horas das refeições, numa verdadeira exploração a conhecida hospitalidade do sacerdote. Por outro lado, todos os dias uma pequena multidão se formava, defronte a sua residência, buscando ter acesso ao velho padre. Ele recebia a todos indistintamente. Ricos e pobres. Moradores do Juazeiro ou visitantes vindos de diversos rincões do Nordeste. Nos últimos tempos, é bem verdade, a beata Mocinha fazia uma triagem dos visitantes a serem introduzidos ao sacerdote, pois era impossível o Padre atender a todos. Ele ouvia pacientemente todos os visitantes. Certo dia, uma mulher conduzindo nos braços uma criança furou a fila das pessoas a serem recebidas pelo Padre Cícero e, em alta voz, de forma impertinente, disse que uma parte da casa dela tinha ruído. Disse mais: cachorros e porcos invadiam o que restava da sua morada e ela não tinha condições de continuar mais lá. Pediu ao Padre Cícero uma ajuda. O velho sacerdote havia recebido, pouco antes, um donativo em dinheiro, e tinha colocado no bolso da batina a importância sem conferir. Pelo volume era uma boa quantia. Naquela mesma hora, Padre Cícero pegou aquele dinheiro e repassou toda importância para a mulher. Esta saiu demonstrando muito contentamento, pois, provavelmente, em toda sua vida, nunca tinha colocado tantos réis nas mãos...
Nota: as cenas acima foram relatadas por Maria Assunção Gonçalves, que conviveu com o Padre Cícero, ao autor destas linhas, e gravadas em julho de 2004.
Nota: as cenas acima foram relatadas por Maria Assunção Gonçalves, que conviveu com o Padre Cícero, ao autor destas linhas, e gravadas em julho de 2004.
Armando Lopes Rafael
Nenhum comentário:
Postar um comentário