Pois é , amigos, casa de cozinheiro, panela de barro. “O automóve na ladeira se quebrou/ o zabumba se furou/ mas o Gonzaga não morreu”. Cá estou eu aqui vivinho da silva e ressuscitei no sétimo dia. Para o gáudio de tantos amigos e familiares e para o torcimento de rabo de uns pouquíssimos desafetos. O susto , ao menos, teve lá suas vantagens, tive que procurar seguir os conselhos que eu mesmo dava aos outros nestes mais de trinta anos de profissão. Falava , falava e nem percebia que nada tinha de imortal, sou feito da mesma substância perecível de todos e ficava por aí todo fiota talvez confiando que panela de barro não cai de girau: cai sim, senhor e é caco para tudo quanto é de lado. Pois bem, juntamos os estilhaços, colamos o que sobrou com goma arábica e aparentemente está tudo bem. Um furo aqui, um marejo ali, mas ainda dá para cozinhar um anguzinho esperto. Sim, tem lá outra vantagem nisso tudo, nunca pensei que fosse tão querido pelo povo da minha terra. O telefone não parou na minha casa e nas do meus amigos e familiares, soube de roda de orações, de promessas com quase toda a corte celestial e um incréu do meu quilate jamais poderia imaginar que toda essa corrente positiva teria tanto efeito terapêutico. E foi justamente a preocupação dos mais simples e humildes que mais me comoveu, estou , hoje, plenamente convencido que após terminar a faculdade e a.residência e voltar para minha terra, estava fazendo o gesto mais importante de toda minha vida. Nenhum acúmulo de bens neste mundo compensa a alegria de me sentir amado, querido e quase que insubstituível por minha gente, aquela a quem dediquei anos a fio de cuidados e preocupação ( e pretendo assim continuar fazendo) com os parcos recursos científicos, técnicos e humanos que a natureza e a vida me proporcionaram. Sempre de pé à beira do leito dos hospitais, de repente me vi deitado e necessitando da ajuda e do desvelo de tantos e tantos colegas de profissão. Via no rosto deles além do empenho técnico , uma preocupação que extrapolava o científico e esbarrava no humano Sinto-me engrandecido por ter tido, pela primeira vez, a visão plena da outra dimensão do sofrimento, da dor, da angústia.
Toca-me, de cátedra, a certeza da imensa fragilidade humana. Meras estrelas cadentes somos no firmamento da existência. Um fúlgido brilho no céu, que encanta poucos olhos atentos e, de repente, o universo volta à imutabilidade de sempre. E os vestígios que podemos deixar sobre a terra são simplesmente um pouco daquele resplendor que riscou a noite, tocando a retina de alguns e que pode apenas ter maior ou menor intensidade. Mas perfeitamente similares na sua fugacidade.
Como sempre, correram notícias as mais dispersas. Um mundo midiático como o nosso se alimenta de manchetes. Nossas vidas comezinhas e tão insignificantes necessitam ao menos do furor de algumas histórias mais sensacionalistas. Pois ainda não foi desta vez. Pretendo ainda fazer raiva a muita gente, escrever um mundão de potocas e continuar servindo àqueles que me procuram. Acredito que valerá a pena ficar por aqui enquanto contar com a amizade e o desvelo de tantos e possa me sentir perfeitamente útil a todos a quem dediquei minha vida pessoal e profissional. Ainda não foi desta vez que precisei voltar definitivamente para Matozinho.
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