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sábado, 21 de março de 2009

O Arcebispo, a excomunhão e a CNBB


Publicado em 20.03.2009

Gadiel Perrusi


Para mim, pessoalmente, pouca importância tem o fato de se excomungar ou não um membro de qualquer das religiões atuais. No entanto, as declarações do arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, na TV e na imprensa escrita, assumiram uma dimensão que extrapola o âmbito restrito, eprivado, dos fiéis católicos. O arcebispo declarou, literal, pública e explicitamente, que a equipe médica, que realizara um procedimento médico legítimo e legal, e a mãe da criança de 9 anos, que autorizara tal procedimento, "estavam excomungados automaticamente"(sic). E repetiu,diversas vezes, o termo "automaticamente". Ora, algumas questões, que fogemao domínio religioso, colocam-se inelutavelmente e interessam a toda a sociedade civil.


1º) Em suas declarações, dom José afirmou que a "lei de Deus" (isto é, a lei da Igreja Católica Romana, citando o Código Canônico) está acima de qualquer outra "lei dos homens" (isto é, no caso em tela, a leibrasileira). Acrescentou, ainda, que, quando a "lei de Deus" é contrariada pela "lei dos homens", esta não tem o menor valor (sic) e, em consequência,como se pode inferir, não deve ser obedecida. Quer dizer, na hipótese, alei brasileira não passaria de "lixo jurídico".Para qualquer estudante de direito, tal afirmação poderia ser considerada como tipificação do que estatui o Código Penal Brasileiro, isto é, um"incentivo público à prática de atos ilícitos". E a "omissão de socorro",por exemplo, não estaria tipificada como delito penal? Como, acertadamente,aliás, alegou um dos médicos agredidos? Claro! O arcebispo não teria tido tais intenções. Os promotores de Justiça, autônomos por determinação de nossa Constituição, que reflitam sobre o caso.


2º) Dom Cardoso ocupa um cargo de confiança de um chefe de Estado estrangeiro, isto é, o Estado do Vaticano, reconhecido como tal pela ONU epelo Brasil, que mantém com aquele relações diplomáticas normais. O mencionado prelado foi mantido em seu cargo pelo papa Bento XVI, chefe deEstado do Vaticano, e representa legalmente os interesses da Cúria Romanano local de sua atribuição. Ora, ao declarar que a lei de um Estado estrangeiro, que representa, está acima das leis brasileiras, não seria forçoso, mesmo que seja por analogia, reconhecer que o arcebispo Cardoso fez declarações que implicam em ingerência de um Estado estrangeiro nas questões legítimas da cidadania brasileira? Que reflitam os senhores promotores de Justiça sobre o caso.


3º) Dom José Cardoso, visível e publicamente, constrangeu moralmente a equipe médica e a mãe da criança, ao expô-los à execração da comunidadecatólica e do público em geral. Justamente as pessoas que foram objeto desuas declarações. Que os promotores de Justiça reflitam se houve danosmorais a cidadãos em pleno gozo dos seus direitos, estabelecidos pela nossa Carta Magna.


4º) O arcebispo, com suas declarações, ignorou a situação dolorosa e de risco de vida em que se encontrava a criança, vítima de estupro pelo padrasto, a tal ponto que mãe e filha se recusam a voltar à sua terra natal, na zona rural de Pernambuco, com medo de represálias dos seguidores do pensamento clerical. Contudo, Brutus era um homem honrado! Que os promotores de Justiça reflitam se houve danos materiais e infração ao Estatuto da Criança e do Adolescente.Por outro lado, estarrecido, ouvi no Jornal Nacional um porta-voz da CNBBque afirmava: "Não houve ninguém excomungado no Recife" (sic). Tudo não teria passado de uma hipótese (sic), levantada pelo arcebispo local, face àgravidade do fato. Talvez, quem sabe, se tratasse de uma "alucinação coletiva" dos leitores e telespectadores brasileiros. E a imprensa internacional? The New York Times, The Time, The Guardian, Le monde, LeFigaro, Le Matin, Le Nouvel Observateur, para citar apenas uns poucos?Todos unânimes em reproduzir e repudiar as declarações de dom José Cardoso.A nota da CBBB, divulgada pela TV, coloca um grande problema. Como cantava o saudoso Mestre Salustiano, TODO MUNDO VIU! Na minha infância eadolescência, fui membro de uma Igreja Batista, cujo pastor era umevangélico fundamentalista. Ele nos ensinava que mentir era contrário à"lei de Deus" . Acrescentava que as Sagradas Escrituras identificam com clareza quem é o "pai da mentira" e que todos aqueles que mentem tornam-se escravos daquela suposta entidade paternal.E logo a CNBB, tão combativa contra a ditadura! Certamente, esta não é a CNBB de dom Helder, dom Evaristo Arns, e tantos outros. Não seria interessante refletir sobre declarações de um bispo, porta-voz de outros bispos, que contrariam, consciente e deliberadamente, a verdade dos fatos?Os âncoras do Jornal Nacional, constrangidos, não falaram nada a respeito.Não seria interessante refletir se cumpriram com seu dever de jornalistas?Bastaria, aliás, que reproduzissem as declarações do arcebispo CardosoSobrinho. Nada mais!»


Gadiel Perrusi é doutor em história pela Universidade de Paris

2 comentários:

Armando Rafael disse...

Igreja Católica, sempre Coerente. Mídia brasileira, sempre lamentável!
por Leonardo Silva Campos

Começo este artigo com um grande elogio a Dom José Cardoso Sobrinho, Arcebispo de Recife.
Oxalá todos os Bispos do Brasil tivessem atitudes como as dele. Dom José Cardoso, você ganhou um fã.
Em um ponto os críticos e defensores de dom José parecem concordar: o arcebispo de Olinda e Recife é um homem coerente. Nunca voltou atrás numa decisão, por mais polêmica e desgaste que ela tenha causado.
Estão atacando de todos os lados um homem que não está fazendo nada mais do que o que todo homem de caráter faz, que é ser fiel a seus princípios. Isso é covardia.

Querem saber? Eu também apóio o Arcebispo. Acho que ele é um dos homens mais íntegros, sinceros e coerentes com sua fé que conheci.

Ser contra aborto é um dos dogmas mais sérios do catolicismo. É básico, como a infalibilidade papal e a transubstanciação.

O problema é que os mal intencionados adoram bagunçar tudo, e o catolicismo virou religião de conveniência. Você vai na igreja uma vez por semana -se for carola- ou como a maioria só uma vez por ano, na Missa do Galo.

O Bispo Dom José, durante os últimos dias, esteve em uma verdadeira odisséia para impedir o assassinato de dois inocentes. Dois bebês dentro de um, também inocente e prematuramente maculado, útero materno.

Infelizmente toda a sua luta não surtiu o efeito desejado. Como podemos saber pelos jornais, as crianças foram mortas. Condenadas a morte sem terem cometido nenhum crime. Lamentável.

Mas agora, os olhos dos assassinos e seus apoiadores se viram para o Arcebispo.
Ó quanta incoerência, quanta pobreza de espítito dos detratores de um grande bispo.
Dom José fez valer seu posto de pastor e condutor das Ovelhas católicas. Lembrou-nos que ainda temos quem nos guie, quem nos conduza. Acredito que o próprio Papa deva estar batendo palmas para a sua atitude agora. Mas infelizmente sua atitude não tomou o rumo esperado por nós que defendemos a vida.

Como abutres a espreita, as abortistas em, questões de segundos se propuseram a "ajudar". Ajudar a tirar uma vida, ou melhor, Duas vidas inocentes.


Texto: Leonardo da Silva Campos
JC - Recife

Armando Rafael disse...

(Fonte:coluna CONCIDADANIA, Valdemar Menezes, “O Povo”, 22-03-09)

ATÉ TU?
A nota da Arquidiocese de Olinda e Recife respondendo ao artigo do arcebispo italiano Rino Fisichella, que emitiu opinião no Osservatore Romano, sem conhecimento detalhado dos fatos, deixa claro quanto foram falsas as informações de que dom José Cardoso Sobrinho havia sido “precipitado”. Na realidade, a Igreja, junto com o Conselho Tutelar de Alagoinha, deu toda a assistência à menina, não faltando com a solidariedade humana. O caso havia sido revelado à imprensa, muitos dias antes do aborto, e houve uma luta de vários dias, inclusive no campo legal, para se evitar o desfecho. Só depois do aborto perpetrado e da insistência dos repórteres em saber sua posição diante do aborto praticado foi que dom José Cardoso referiu-se à violação da cláusula do Direito Canônico. Foi sua resposta corajosa à trama ardilosa dos abortistas contra qual lutara destemidamente.

VOZ INCÔMODA
O papa Bento XVI foi ouvido com grande interesse pelas populações africanas, sobretudo, por conta de seu apelo em favor da paz e da justiça, em um continente marcado por genocídios étnicos. A defesa da sacralidade da vida humana e da dignidade da família, não transigindo diante daqueles que querem relativizar o valor da vida, torna sua voz incômoda em um mundo surdo ao apelo da consciência moral. Sua voz parece clamar no deserto, diante do poder avassalador das forças da maré. Destruir o papado como fonte de referência moral da humanidade é hoje uma decisão cada vez mais impositiva para o establishment. É a única voz que ainda tem audiência mundial e estraga os planos da indústria farmacêutica, da indústria pornográfica e dos idólatras do mercado.