Segundo KRISHNAMURTI (A CULTURA E O PROBLEMA HUMANO, 1970):
“Já alguma vez estiverdes sentado, muito quieto, de olhos fechados, observando o movimento de vosso pensar? Já observastes vossa mente funcionando, ou melhor, vossa mente já observou a si própria em funcionamento, para ver quais são vossos pensamentos, vossos sentimentos, como olhais para as árvores, para as flores, as aves, as pessoas, como “respondeis” a uma sugestão ou reagis a uma idéia nova? Já fizestes isso, alguma vez? Se não, estais perdendo muita coisa. Se não sabeis como vossa mente reage, se vossa mente não está cônscia de suas próprias atividades, nunca descobrireis o que é a sociedade. Podereis ler livros de sociologia, estudar ciências sociais, mas se não sabeis como funciona vossa mente, não compreendereis o que é a sociedade, pois vossa mente é parte integrante da sociedade; ela é a sociedade. Vossas reações, vossas crenças, vossas idas ao templo, os trajes que usais, as coisas que fazeis ou que não fazeis, o que pensais - a sociedade constitui-se de tudo isso, é a replica de tudo o que se passa em vossa mente. Vossa mente, pois, não está separada da sociedade, não é distinta de vossa cultura, de vossa religião, de vossas divisões de classe, das ambições e conflitos da humanidade em geral. Tudo isso é a sociedade, da qual sois parte integrante. Não existe “vós” separado da sociedade.
Pois bem; a sociedade está sempre procurando controlar, formar, moldar o pensar dos jovens. Desde o momento em que nasceis e começais a receber impressões, vosso pai e vossa mãe ficam a dizer-vos o que deveis e o que não deveis fazer, o que deveis crer e o que não deveis crer; dizem-vos que há Deus ou que não há Deus, porém somente o Estado, cujo profeta é certo ditador. Desde a infância, tais coisas vos são inoculadas continuamente e por conseguinte, vossa mente - ainda muito nova, impressionável, indagadora, curiosa, desejosa de descobrir - vai sendo gradualmente enclausurada, condicionada, moldada, para que vos ajusteis ao padrão de determinada sociedade e nunca sejais um revolucionário. Uma vez firmado o hábito de pensar segundo um padrão, mesmo quando vos “revoltais”, isso acontece dentro de um padrão. É revolta semelhante à revolta de presos que reclamam melhor comida e mais comodidade - mas sempre entre os muros da prisão. Quando buscais Deus investigais o que é governo justo, sempre o fazeis dentro do padrão da sociedade, que preceitua que “isto é verdadeiro e aquilo é falso; que isto é bom e aquilo é mau; que este é o guia verdadeiro e estes os santos”. Vossa revolta, pois, tal como, a chamada revolução promovida por homens ambiciosos ou muito hábeis, está sempre limitada pelo passado. Não é revolta, não é revolução, porém tão só uma atividade mais intensa dentro do padrão. A revolta real, a revolução verdadeira é aquela que quebra as cadeias do padrão, para investigar fora dele.
Deveis saber que todos os reformadores - não importa quem sejam eles - só se interessam em melhorar as condições internas da prisão. Nunca vos dizem que não vos ajusteis, nunca vos dizem “Rompei as muralhas da tradição e da autoridade, sacudi o condicionamento que vos aprisiona a mente”. E a verdadeira educação é, não apenas exigir que passeis em exames, para os quais vos superais apressadamente, ou que escrevais sobre algo que aprendestes de cor, porém, sim, ajudar-vos a perceber os muros da prisão em que vossa mente está cativa. A sociedade influencia todos nós, molda-nos constantemente o pensar, e essa pressão externa da sociedade se traduz gradualmente em “estado interior”; mas, por mais profundamente que penetre, ela será sempre externa e não haverá coisa que se possa chamar “estado interior”, enquanto não for rompido esse condicionamento. Deveis saber o que estais pensando e se estais pensando hinduísta, como muçulmano ou como cristão, isto é, conforme a religião a que por acaso pertenceis. Deveis estar cônscio do que credes ou não credes. Tudo isso constitui o padrão da sociedade e, a não ser que estejais cônscio do padrão e dele vos liberteis, continuareis prisioneiro, embora penseis ser livre.
Mas, vede, o que interessa a quase todos nós é a revolta dentro da prisão; queremos comida melhor, um pouco mais de luz, uma janela mais larga, para podermos ver um pedaço maior do céu. Muito nos importa saber se o “outcaste”(1) pode ou não pode entrar no templo; desejamos eliminar determinada casta e, no próprio ato de eliminá-la, criamos outra, uma casta “superior”; e, assim, continuamos prisioneiros, nunca há libertação da prisão. A liberdade está fora dos muros, fora do padrão da sociedade; mas, para ficardes livre desse padrão, tendes de compreender todo o seu conteúdo, ou seja compreender vossa própria mente. Foi a mente que criou a atual civilização, essa cultura ou sociedade vinculada à tradição; e, se não compreendeis vossa própria mente e apenas vos revoltais como comunistas, socialistas, etc., isso pouco significa. Por essa razão, muito importa terdes autoconhecimento, estardes cônscio de todas as vossas atividades, de vossos pensamentos e sentimentos; isso é educação, não? Porque, quando estais plenamente cônscio de vós mesmo, vossa mente se torna muito sensível, muito vigilante.
Experimentai isso - não num certo dia longínquo do futuro, porém amanhã ou nesta tarde mesmo. Se há muita gente em vossa casa, tratai de sair a sós, para vos sentardes debaixo de uma árvore ou à beira do rio e observardes sossegadamente como funciona a vossa mente. Não a corrijais, dizendo: “Isto é certo, aquilo é errado”; observai-a, apenas, como quem assiste a um filme; os atores e atrizes estào desempenhando os seus papéis, e vós apenas vendo. Pela mesma maneira observai como funciona a vossa mente. Isso é verdadeiramente interessante, muito mais interessante do que qualquer filme, pois vossa mente é o resíduo de todo o mundo e contém tudo o que os entes humanos tem experimentado. Compreendeis? Vossa mente é a humanidade, e quando perceberdes isso tereis uma imensa compaixão. Dessa compreensão nasce um grande amor; e, então, ao verdes coisas belas, sabereis o que é a beleza. (p.83-85)
KRISHNAMURTI (A CULTURA E O PROBLEMA HUMANO), 3a ed.,1977, CULTRIX, 220p.
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(1) outcaste: Na Índia, aquele que foi expulso de sua casta, por violação de suas regras ou costumes. Os outcastes são destituídos de todos os direitos civis comuns. (Dicionário “Webster Collegiate”) N.T.
E segundo COLASANTI (A Nova Mulher, 1980):
“Deus, qualquer Deus, não chega e grita bem alto suas verdades para o povo, reunido numa praça. Prefere chamar baixinho um eleito, atraí-lo ao alto do monte, para que receba de Suas mãos a verdade, e desça com elas já bem codificadas. Pelo menos, é o que diz o eleito. Hoje, com a televisão, há deuses (do rock, da política, da economia) que falam suas verdades em cadeia. Mas, tudo leva a crer que o melhor bocado, a verdade mais importante continua sendo reservada, para ser divulgada, aos poucos e oportunamente, via eleito, cognominado assessor de imprensa.
A verdade portanto não é produto entregue diretamente do produtor ao consumidor. Sofre como as hortaliças, a ação do atravessador, ou intérprete. As verdades sobre o andamento do país são administradas pelos governos, as verdades divinas são transcritas pelas religiões, a publicidade dita as verdades dos bens de consumo. Elegendo a grande sinfonia interpretativa, os órgãos de comunicação de massa interpretam as interpretações, quer dizer, estabelecem a verdade das verdades” (p.197).
COLASANTI, MARINA - A Nova Mulher, s.ed., São Paulo, Círculo do Livro, 1980, 255p.
“Já alguma vez estiverdes sentado, muito quieto, de olhos fechados, observando o movimento de vosso pensar? Já observastes vossa mente funcionando, ou melhor, vossa mente já observou a si própria em funcionamento, para ver quais são vossos pensamentos, vossos sentimentos, como olhais para as árvores, para as flores, as aves, as pessoas, como “respondeis” a uma sugestão ou reagis a uma idéia nova? Já fizestes isso, alguma vez? Se não, estais perdendo muita coisa. Se não sabeis como vossa mente reage, se vossa mente não está cônscia de suas próprias atividades, nunca descobrireis o que é a sociedade. Podereis ler livros de sociologia, estudar ciências sociais, mas se não sabeis como funciona vossa mente, não compreendereis o que é a sociedade, pois vossa mente é parte integrante da sociedade; ela é a sociedade. Vossas reações, vossas crenças, vossas idas ao templo, os trajes que usais, as coisas que fazeis ou que não fazeis, o que pensais - a sociedade constitui-se de tudo isso, é a replica de tudo o que se passa em vossa mente. Vossa mente, pois, não está separada da sociedade, não é distinta de vossa cultura, de vossa religião, de vossas divisões de classe, das ambições e conflitos da humanidade em geral. Tudo isso é a sociedade, da qual sois parte integrante. Não existe “vós” separado da sociedade.
Pois bem; a sociedade está sempre procurando controlar, formar, moldar o pensar dos jovens. Desde o momento em que nasceis e começais a receber impressões, vosso pai e vossa mãe ficam a dizer-vos o que deveis e o que não deveis fazer, o que deveis crer e o que não deveis crer; dizem-vos que há Deus ou que não há Deus, porém somente o Estado, cujo profeta é certo ditador. Desde a infância, tais coisas vos são inoculadas continuamente e por conseguinte, vossa mente - ainda muito nova, impressionável, indagadora, curiosa, desejosa de descobrir - vai sendo gradualmente enclausurada, condicionada, moldada, para que vos ajusteis ao padrão de determinada sociedade e nunca sejais um revolucionário. Uma vez firmado o hábito de pensar segundo um padrão, mesmo quando vos “revoltais”, isso acontece dentro de um padrão. É revolta semelhante à revolta de presos que reclamam melhor comida e mais comodidade - mas sempre entre os muros da prisão. Quando buscais Deus investigais o que é governo justo, sempre o fazeis dentro do padrão da sociedade, que preceitua que “isto é verdadeiro e aquilo é falso; que isto é bom e aquilo é mau; que este é o guia verdadeiro e estes os santos”. Vossa revolta, pois, tal como, a chamada revolução promovida por homens ambiciosos ou muito hábeis, está sempre limitada pelo passado. Não é revolta, não é revolução, porém tão só uma atividade mais intensa dentro do padrão. A revolta real, a revolução verdadeira é aquela que quebra as cadeias do padrão, para investigar fora dele.
Deveis saber que todos os reformadores - não importa quem sejam eles - só se interessam em melhorar as condições internas da prisão. Nunca vos dizem que não vos ajusteis, nunca vos dizem “Rompei as muralhas da tradição e da autoridade, sacudi o condicionamento que vos aprisiona a mente”. E a verdadeira educação é, não apenas exigir que passeis em exames, para os quais vos superais apressadamente, ou que escrevais sobre algo que aprendestes de cor, porém, sim, ajudar-vos a perceber os muros da prisão em que vossa mente está cativa. A sociedade influencia todos nós, molda-nos constantemente o pensar, e essa pressão externa da sociedade se traduz gradualmente em “estado interior”; mas, por mais profundamente que penetre, ela será sempre externa e não haverá coisa que se possa chamar “estado interior”, enquanto não for rompido esse condicionamento. Deveis saber o que estais pensando e se estais pensando hinduísta, como muçulmano ou como cristão, isto é, conforme a religião a que por acaso pertenceis. Deveis estar cônscio do que credes ou não credes. Tudo isso constitui o padrão da sociedade e, a não ser que estejais cônscio do padrão e dele vos liberteis, continuareis prisioneiro, embora penseis ser livre.
Mas, vede, o que interessa a quase todos nós é a revolta dentro da prisão; queremos comida melhor, um pouco mais de luz, uma janela mais larga, para podermos ver um pedaço maior do céu. Muito nos importa saber se o “outcaste”(1) pode ou não pode entrar no templo; desejamos eliminar determinada casta e, no próprio ato de eliminá-la, criamos outra, uma casta “superior”; e, assim, continuamos prisioneiros, nunca há libertação da prisão. A liberdade está fora dos muros, fora do padrão da sociedade; mas, para ficardes livre desse padrão, tendes de compreender todo o seu conteúdo, ou seja compreender vossa própria mente. Foi a mente que criou a atual civilização, essa cultura ou sociedade vinculada à tradição; e, se não compreendeis vossa própria mente e apenas vos revoltais como comunistas, socialistas, etc., isso pouco significa. Por essa razão, muito importa terdes autoconhecimento, estardes cônscio de todas as vossas atividades, de vossos pensamentos e sentimentos; isso é educação, não? Porque, quando estais plenamente cônscio de vós mesmo, vossa mente se torna muito sensível, muito vigilante.
Experimentai isso - não num certo dia longínquo do futuro, porém amanhã ou nesta tarde mesmo. Se há muita gente em vossa casa, tratai de sair a sós, para vos sentardes debaixo de uma árvore ou à beira do rio e observardes sossegadamente como funciona a vossa mente. Não a corrijais, dizendo: “Isto é certo, aquilo é errado”; observai-a, apenas, como quem assiste a um filme; os atores e atrizes estào desempenhando os seus papéis, e vós apenas vendo. Pela mesma maneira observai como funciona a vossa mente. Isso é verdadeiramente interessante, muito mais interessante do que qualquer filme, pois vossa mente é o resíduo de todo o mundo e contém tudo o que os entes humanos tem experimentado. Compreendeis? Vossa mente é a humanidade, e quando perceberdes isso tereis uma imensa compaixão. Dessa compreensão nasce um grande amor; e, então, ao verdes coisas belas, sabereis o que é a beleza. (p.83-85)
KRISHNAMURTI (A CULTURA E O PROBLEMA HUMANO), 3a ed.,1977, CULTRIX, 220p.
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(1) outcaste: Na Índia, aquele que foi expulso de sua casta, por violação de suas regras ou costumes. Os outcastes são destituídos de todos os direitos civis comuns. (Dicionário “Webster Collegiate”) N.T.
E segundo COLASANTI (A Nova Mulher, 1980):
“Deus, qualquer Deus, não chega e grita bem alto suas verdades para o povo, reunido numa praça. Prefere chamar baixinho um eleito, atraí-lo ao alto do monte, para que receba de Suas mãos a verdade, e desça com elas já bem codificadas. Pelo menos, é o que diz o eleito. Hoje, com a televisão, há deuses (do rock, da política, da economia) que falam suas verdades em cadeia. Mas, tudo leva a crer que o melhor bocado, a verdade mais importante continua sendo reservada, para ser divulgada, aos poucos e oportunamente, via eleito, cognominado assessor de imprensa.
A verdade portanto não é produto entregue diretamente do produtor ao consumidor. Sofre como as hortaliças, a ação do atravessador, ou intérprete. As verdades sobre o andamento do país são administradas pelos governos, as verdades divinas são transcritas pelas religiões, a publicidade dita as verdades dos bens de consumo. Elegendo a grande sinfonia interpretativa, os órgãos de comunicação de massa interpretam as interpretações, quer dizer, estabelecem a verdade das verdades” (p.197).
COLASANTI, MARINA - A Nova Mulher, s.ed., São Paulo, Círculo do Livro, 1980, 255p.
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