TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A “VERDADEIRA” HISTÓRIA DO NASCIMENTO DO DINHEIRO

Há muito tempo vivia numa pequena cidade do interior da Ásia um homem muito humilde e bom. Seu nome era Honestus. Ele era casado com uma moça simples (cujo nome era Virtudis), e com ela teve um casal de filhos. Eles viviam numa casa modesta mas muito bem conservada. O terreno onde fora construída a casa era suficiente para que Honestus plantasse e colhesse o fruto de seu trabalho e suor. Além disso, Honestus e Virtudis criavam uma pequena ovelha que eles chamavam carinhosamente de Justiça. Assim, Honestus vivia da sua força de trabalho dando o sustento e carinho a seus pequeninos filhos, com a Justiça e a Virtudis ao seu lado.
Naquela época os indivíduos tinham o hábito de trocar os seus produtos numa feira. De modo que, trocava-se tudo. Algumas batatas podiam ser trocadas por uma quantidade razoável de tomate, por exemplo. Uma mesa podia ser trocada por uma galinha. Um pato podia ser trocado por uma camisa. Uma sandália de couro podia ser trocada por uma tigela de barro. As mercadorias eram assim trocadas em função da necessidade de cada um, num dado momento específico. Ninguém tinha pressa em produzir para estocar. Se produzia de acordo com a necessidade de consumo e troca. Toda a produção individual e social era movida por essas duas propriedades básicas: consumo (para uso) e troca. Haviam mercados, tipo feira livre, em várias cidades para se realizar o encontro dos indivíduos com as suas necessidades de consumo e troca. Os indivíduos viajavam em caravanas levando seus produtos para exporem em outras cidades.
Honestus, vivia nessa cultura num ritmo de produção de acordo com a sua necessidade biológica e psicológica de realização. Ele acordava bem cedo, ainda com a presença da luminosa lua, e logo ia direto ver e falar com a Justiça. A bela e meiga Justiça atendia o seu chamado. A relação entre os dois era um caso de Amor exemplar verdadeiro. A Justiça sentia a presença de Honestus a distância. E Honestus se comovia com a meiguice da Justiça. Honestus, foi se afeiçoando à Justiça. E a Justiça também respondendo com obediência e amizade à Honestus.
Os dias iam se passando e aquela relação entre Honestus e a Justiça aumentava de sentido e significado. Os dois se amavam. Honestus, deixava a Justiça livre andando pelos pastos verdes e belo do seu terreno. Mas, como um bom pastor, Honestus ficava atento à Justiça para ela não tropeçar ou (se "en”) rolar sobre si mesma. Pois, como se sabe a ovelha é uma criatura muito frágil que exige atenção e muito cuidado. Honestus, sabia que a Justiça não sabia escolher sua própria refeição e o seu próprio caminho. E podia se envenenar com as ervas daninhas e assim adoecer e até mesmo morrer. Além disso, ela podia se perder e cair no abismo ou ser atacadas pelas raposas e lobos. A Justiça era muito dependente de seu pastor humano Honestus. E Honestus não se incomodava em cuidar o tempo todo de manter a Justiça viva e com saúde. Tudo porque havia Amor verdadeiro naquela relação.
Tudo ia bem até que a paz da cidade (denominada DEMOCRACIA) onde Honestus vivia, começou a ser perturbada por uma guerra entre cidades vizinhas. Os conflitos foram se intensificando e multidões de indivíduos fugindo da guerra começaram a se instalar na terra da Democracia onde morava Honestus. Os saques foram inevitáveis. A multidão de famintos se viu obrigada a invadir terras e roubar para comer. E Honestus acordava todos os dias preocupado com os saques a noite e o possível seqüestro ou roubo da Justiça. Sua vida se tornou um inferno. Aquele homem bom e humilde se viu sem perspectiva para manter sua própria família. Quase tudo que ele conseguia plantar era saqueado pelos indivíduos esfomeados. Até que um dia Honestus não tinha mais o que comer. A Justiça começou a enfraquecer e perder força e saúde. O seu olhar perdeu o brilho costumeiro. O seu andar ficou demasiadamente lento. A sua face mostrava tristeza. A Justiça não era mais a mesma – estava muita fraca!
Honestus, entrou em conflito porque não tinha mais o que colher para trocar. Assim, com muito pesar decidiu trocar a Justiça por comida na feira livre. Antes de conduzir a Justiça à feira, Honestus ficou algum tempo conversando com a Justiça sobre a sua difícil decisão. Disse a ela que seu Amor era muito forte e belo, e que somente ía fazer esse gesto por puro desespero. E por isso ele pedia a sua compreensão. A Justiça ouviu tudo (como uma boa ovelha ouve o seu pastor) de seu bom pastor. Por seus olhos escorreram algumas lágrimas de compreensão e saudade. Mas, logo em seguida a bela e nobre Justiça balançou a cabeça e soltou um gemido fraco de resignação. Honestus, chorou copiosamente.
Assim, com passos difíceis, e soluçando, Honestus conduziu a Justiça até a feira livre de sua cidade. Lá chegando procurou escolher os produtos de que necessitava e começou a oferecer a Justiça em troca. O primeiro comerciante disse que trocava um punhado de batatas por aquela magra ovelha. Honestus, sentiu que a troca não era proporcional. Pois, ele criara a Justiça com Amor durante anos. E aquelas batatas haviam nascidas de um processo orgânico apenas. Honestus, falou para o comerciante que aquela troca só poderia ser proporcional se fosse feita apenas com uma das orelhas da ovelha. O comerciante respondeu dizendo que o corte da orelha poderia impedir que a Justiça ouvisse Direito, deixando, além de fraca que já estava, surda também. Honestus, teve que concordar. E saiu daquela barraca e se dirigiu a outra ao lado. Na segunda barraca, o comerciante ofereceu tomates em troca. Honestus, afirmou que também não era proporcional uma vez que os tomates iriam se estragar, se não fosse comidos logo, alguns dias depois. O comerciante, então, disse que a troca poderia ser feita com uma das pernas da ovelha. Honestus, respondeu que a troca iria afetar mais ainda o andar e a velocidade da Justiça. A Justiça ficaria, além de fraca, capenga e mais ociosa ainda. Então, Honestus saiu em direção a uma terceira barraca. E da mesma forma que nas outras duas, Honestus, tentou negociar a Justiça de forma proporcional. Nessa barraca, o comerciante também fez uma proposta indecente que deixou Honestus mais irritado ainda. O comerciante disse que a Justiça estava muito debilitada, e que somente trocava um punhado de pepinos por um olho da Justiça porque gostava de colecionar coisas exóticas. Honestus, disse que essa troca era desrespeitosa uma vez que a Justiça ficaria extremamente debilitada em sua visão de novos horizontes e assim limitada em sua percepção cairia em qualquer precipício da Democracia. A Justiça cega ou parcialmente cega não serve para viver em nenhum lugar, muito menos na Democracia! - afirmou Honestus - com enorme irritação - antes de deixar a última barraca.
Honestus, triste, voltou para casa. Olhou para a Justiça abatida, fraca e triste e saiu para meditar, debaixo de uma árvore, para encontrar uma solução urgente. De repente, depois de longas horas de meditação, surgiu uma idéia maravilhosa - uma intuição divina! Saiu correndo em direção ao seu quarto e apanhou alguns metais que havia guardado sem saber porque tinha feito isso. E assim, com alguns deles na mão saiu em direção à feira livre. E lá chegando começou a pregar o poder milagroso daqueles metais (ouro, prata etc.). O povo cercou Honestus para ouvir as suas histórias milagrosas. Disse à multidão atenta:
“Meus senhores e minhas senhoras, nossa Democracia está em perigo. Eu mesmo tentei empenhar a Justiça para ter o que comer. Mas, voltando para minha casa meditei sobre os fatos e cheguei a conclusão que o poder de que precisamos está nesses metais. E o poder deles está que eles atraem os espíritos de sucesso basta que tenhamos uma quantidade boa deles e fazê-los nosso deus. O poder desses metais atraíram a presença de outros deuses em minha casa. O brilho dos metais tem o poder de realizar essa façanha” - disse ele para um público perplexo.
Assim, com essa pregação Honestus começou a negociar a troca de metais por metais e metais por comida. O ouro superou logo os demais metais. Tanto que logo apareceram cientistas (alquimistas - os químicos daquela época) que afirmavam que era possível a transformação de “chumbo em ouro” (uma transformação transcendental!). A repetição de seu gesto transcendente, por outros indivíduos, fez com que muitos acreditassem que a qualidade de suas vidas dependia da presença, acúmulo ou transformação de metais poucos nobres em “metais nobres-sagrados”. Os deuses adoravam o brilho do ouro em grande quantidade! - afirmavam eles.
Assim, plantada a semente, o resto era apenas manter o cultivo. De modo que, nascia a cultura do metal-moeda e da especulação. Essa idéia se espalhou por diversos cantos do planeta, sendo levada por comerciantes em caravanas para regiões longínquas. Os seguidores de Honestus foram chamados de Sofistas, ou seja, sábios - homens repletos de sabedoria e Amor à causa da Justiça (Philosofia) - que realizavam a façanha de atrair a atenção dos deuses através do acúmulo de metais mágicos e “preciosos”.
A idéia de colocar um terceiro pólo na relação entre dois objetos ou mercadorias, foi a mola-mestra para o nascimento da idéia do valor monetário, ou seja, a idéia do “dinheiro”. Outras formas também foram criadas (como o papel impresso). Uma delas é o sal, de onde se originou a palavra “salário” (estudiosos atribuem aos romanos a idéia de pagar o serviço dos soldados com um punhado de “sal”).
No século XVI dois homens reforçaram mais ainda essa idéia. Lutero e Calvino aproveitaram a idéia lançada por Honestus e pregaram a salvação humana através da construção do paraíso burguês (‘burgo” era o local próximo à cidade onde os comerciantes se encontravam) na Terra.
Assim, por uma questão provocada pela necessidade de preservar a Justiça foi que nasceu, hipoteticamente, através da boa-fé e intenção de um bom homem - Honestus - a idéia de valor-dinheiro. E também porque essa idéia nasceu associada a uma hipotética ligação com o poder sobrenatural. A palavra “honesto” pode ser associada a esse ser que cuidou e preservou à Justiça com carinho e Amor, num lugar conhecido como Democracia. Dessa forma, honesto é aquele que espelha os valores praticados por Honestus na sua relação com Virtudis, seus filhos, amigos, inimigos e a Justiça. Em síntese, é aquele que sacrifica a sua própria verdade para salvar e proteger a Justiça. Todo ser verdadeiramente honesto é, portanto, eticamente falando um bom pastor de ovelhas.
Hoje, os valores pregados por Honestus estão distorcidos devido à influência dos pensamentos “religiosos” e ideológicos distorcidos (muito bem discutido por Max Weber) de Lutero e Calvino. Assim, vivemos um mundo secular que caminha insensivelmente para o seu próprio suicídio coletivo. Uma vez que o significado de valor está no plano ontológico associado diretamente à pura sensibilidade humana. A racionalização funcional ou instrumental está cegando os indivíduos. E a idolatria ao dinheiro está crescendo mais ainda. O homo economicus está transformando o dinheiro (e a mercadoria) no novo “bezerro de ouro”. Quem não consegue ver isto está longe de ser, como Honestus, ontologicamente visionário. Assim, quem tiver olhos que veja. E quem tiver sensibilidade que sinta os verdadeiros valores sagrados em si mesmo.
Quem acreditar nessa história (e/ou na de J.C.: “Não podeis seguir a Deus e a Mamon”) estará muito perto da verdade de valor. Moral da história: A história passa, mas os valores permanecem; a história se conta, mas os valores se conquistam num caminho ético verdadeiramente honesto – aqui e agora!

Bernardo Melgaço da Silva

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