TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Silêncio

Tempo breve, matéria escassa, espaço limitado
mesmo assim recolho das sobras que posso
algo mágico:

uma infância tenra com ares enrugados
sob as sombras dos dedos.

Escrever versos
em folha branca
sem pauta

traz-me à tona
meu primeiro chocolate
minha primeira farofa de ovo.

Mesmo que amanhã eu morra
para meu conforto
as estrelas há mais tempo
morreram

e só agora
cegam-me os olhos.

Tempo breve, matéria escassa, espaço limitado
e tu entras dentro da minha mente

açoitas meu coração ingênuo
que te responde todos os dias -
mesmo quando não ouço.

Não hei de morrer
após este último vislumbre

como não foge
da minha alma o gosto

do primeiro chocolate
da primeira farofa de ovo.

As estrelas cadáveres
são fábulas.

As estrelas brilham
porque são cacos de vidro.

Decido então não morrer
após este último soluço.

2 comentários:

chagas disse...

Se você tivesse escrito apenas esses versos

Mesmo que amanhã eu morra
para meu conforto
as estrelas há mais tempo
morreram

as estrelas há mais tempo
Morreram

Não hei de morrer
após este último vislumbre

As estrelas cadáveres
são fábulas.

Decido então não morrer
após este último soluço.


já teria escrito um poema lindo. Dizem que há algo das estrelas em nós, somos restos de estrelas, pó de estrelas. E morrer é apenas um retorno às origens, ao pó das estrelas.

Sabendo ser o Tempo breve, matéria escassa, espaço limitado, os poetas se põem a trabalhar no que se mostra indecifrável. Nesse exercício, às vezes conseguem acrescentar um pouco mais de beleza à vida, ao mundo.

Qualquer que seja a trilha escolhida pelo poeta --isso é de menos-- ele o faz por causa dessa necessidade.

Escrever versos
Em folha branca
Sem pauta


é um exercício de contínua construção do mundo. Afinal, o poeta é aquele que faz alguma coisa, um construtor. E o mundo é um poema inacabado.

Você, Domingos, faz muito bem a sua parte.

Um abraço.

Domingos Barroso disse...

Chagas, teu olhar sobre
a construção poética é de quem
além de escrever consciente
também é um leitor atento.

Talvez para o poeta
seja sempre a parte mais nebulosa:
dissecar uma muriçoca e encontrar depois seus pontos vitais.

Um forte abraço,
e que em 2010 a Poesia permaneça
em suas vísceras e em sua alma.