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quarta-feira, 3 de março de 2010

Sociedade Melpomenense e o Teatro de Todos os Santos ( Parte II )

Pioneirismo do Crato nas Artes Cênicas Cearenses

A Comissão Científica de Exploração

Pouco mais de dois anos depois do pretenso desmoronamento do Teatro de Todos os Santos, em 08/12/1859 , há exatos 150 anos, chegaram a Crato os membros da Comissão Científica de Exploração, criada pelo Governo Imperial : Francisco Freire Allemão de Cysneiros(1797-1874), chefe da Seção de Botânica e presidente geral da Comissão e seu ajudante e sobrinho o médico Manuel Freire Allemão; Manoel Ferreira Lagos(1816-1871)(Foto 6), chefe da Seção de Zoologia

Manoel Ferreira Lagos

e seus auxiliares João Pedro Vila Real e João Lucas Vila Real de Capanema; Antonio Gonçalves Dias(1823-1864) (Foto7 ), o grande poeta romântico indianista: “Príncipe dos poetas brasileiros” , chefe da Seção de Etnografia e João Martins da Silva Coutinho;

Antonio Gonçalves Dias

Giacomo Raja Gabaglia(1826-1872), chefe da Seção de Astronomia. Além de José dos Reis Carvalho(1800-1872?), professor de Desenho na Escola da Marinha, aluno de Debret, o responsável pela documentação iconográfica da expedição. A Comissão Exploradora havia sido uma proposta do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1856, ao Governo Imperial, no sentido de “formar uma Comissão de notáveis cientistas e naturalistas com fins de explorar as províncias menos conhecidas do Brasil formando também, para o Museu Nacional uma coleção dos produtos dos reinos orgânico e inorgânico e de tudo que possa servir de prova do estado de civilização, indústria, uso e costumes de nossos índigenas”. Os integrantes permaneceram em Crato até a primeira quinzena de Abril de 1860, com exceção de Gonçalves Dias e Capanema que apressaram a volta por questões burocráticas em fevereiro e Francisco Freire Allemão que por problemas de saúde, voltou à Fortaleza em 08/03/1860. A Comissão Científica de Exploração, como foi chamada, foi um dos marcos para a afirmação de uma ciência nacional, compreendida como ciência feita por brasileiros, a fim de conhecer os temas brasileiros


Freire Allemão – O elo inesperado da corrente

Francisco Freire Allemão de Cysneiros(Foto 8) , filho de humildes lavradores, nascera em Campo Grande, Rio, em 24/06/1797.Formou-se em Medicina na mesma cidade e doutorou-se em Paris, defendendo tese sobre o uso do iodo no combate à papeira.Voltando ao Brasil foi catedrático de Botância e Zoologia da Faculdade Médica do Rio de Janeiro e presidente por duas vezes da Academia Imperial de Medicina . É considerado o maior botânico brasileiro do Século XIX. Contribuiu de maneira inequívoca para a grande obra de Von Martius : Minervas Brasiliensis. A Freire Allemão foi entregue a presidência geral da Comissão Científica Exploradora por D. Pedro II, sob orientação do Marquês de Sapucaí, então presidente do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Chegou ao Crato em plena maturidade intelectual, aos 63 anos de idade. Aqui permaneceu de 08/12/1859 até 08/03/1860, por exatos três meses. Francisco Freire Allemão não apenas chefiou uma Expedição polêmica com compretência e firmeza. A ele devemos um delicioso diário da viagem empreendida , tendo nos deixado um preciosíssimo relato do Crato dos meados do Século XIX : seus costumes, seu cotidiano, suas paisagens. Por incrível que possa parecer “O Diário de Viagem de Freire Alemão” ficou inédito até 2007, quando foi publicado numa edição muito bonita, pelo Museu do Ceará. Lá, qual não foi minha surpresa, quando li atônito, entre seus afazeres num domingo, dia 18/12/1859:


“Às Aves Marias, estando-nos aprontando para irmos ao teatro, onde representa um politiqueiro baiano, chegou o Brígido com um moço do Jardim, muito bem-parecido e bem trajado; este fez oferecimento para quando fôssemos ao Jardim. Fomos o ao teatro, mas não ficamos até o fim, porque não valia a pena. Havia muita gente masculina, mas senhoras poucas e, destas, poucas bonitas. O teatro é pequeno, estava muito escuro, mas me pareceu melhor que o da capital, o que prova nele mais efeito é o teto de telha vã; tem duas galerias para senhora, uma baixa, que estava vazia, a de cima só metade tinha famílias, a outra metade, estando vazia foi invadida pelos homens e nós ficamos para lá também.”

Este texto me pareceu revelador. O Crato desta época, no dizer de Irineu Pinheiro(Cidade do Crato-1955), possuía pouco mais de 2000 habitantes. Estendia-se de Norte a Sul da Rua do Pisa ( atual D. Quintino) até a Travessa das Olarias , depois chamada de Fundo da Maca, ali no Canal do rio grangeiro próximo ao atual mercado da carne. De nascente a poente , da Rua Boa vista ( atual Nélson Alencar) até à da Pedra Lavrada ( hoje, Pedro II). O abastecimento de água se fazia através de uma levada trazida do Rio Grangeiro e que chegava à Rua do Pisa, se estendendo por toda Rua grande( hoje João Pessoa), forrada de Pedra e Cal. A cidade já tinha o seu primeiro jornal : “O Araripe”, fundado por João Brígido em 07/07/1855. As casas eram de telha e tijolo de adobe , de taipa ou de palha de babaçu de cima a baixo. Há pouco se havia inaugurado o primeiro sobrado da cidade( 1857) e o cemitério da vila(1853). Era muito baixo o nível intelectual da sociedade, o Bê-a-Bá era ensinado em poucas escolas públicas e particulares. O ensino Secundário só chegaria em 1875, com o Seminário São José.
Pois bem, mas o relato de Freire Allemão, a que não teve acesso Irineu Pinheiro, demonstra que em dezembro de 1859 o Teatro de Todos os Santos ainda estava de pé. A menos que pensemos na improbabilidade de se ter na cidade uma outra casa de espetáculos naquelas épocas tão remotas. E mais, o teatro era pequeno, mas tinha galerias masculinas e femininas (estas em piso superior e inferior) e mais: o teatro já era maior que o da capital do estado. A peça em pauta parecia uma comédia que explorava a politiquice crônica brasileira, não tão diferente dos temas atuais. Estes fatos reforçam o pioneirismo da cidade culturalmente: em 1857 já tínhamos um teatro melhor que o de Fortaleza . Apenas 17 anos depois da invenção do cinema pelos irmãos Lumière, já existia em Crato( em pleno interior do Ceará) , o “ Cinema Paraíso”(1911).

Texto e Pesquisa : J. Flávio Vieira

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