TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 8 de maio de 2010

No coração da gente - Emerson Monteiro

Passadas se foram situações emocionais e, por vezes, permanecem no âmago do peito, bem no crivo do coração, retardatárias, incoerentes, as mesmas impressões de intenso fervor indefinido nas palavras silenciosas que gritam. Há pouco, impactos vividos no mais profundo da alma pediam gritantes explicações sem resposta, pois dependiam do outros, que duraram dias, meses, existências.
Quais zumbis de qualidade e cores estridentes, tons maiores de ansiedade e desprezo, tais formações nodulosas, invadem a serenidade apenas aparente do cotidiano, filhos diletos das paixões universais, no palco interior desse peito, se arriscam percorrer, por tempo descomunal, os intermináveis corredores dos recônditos lugares do corpo, entra na trilha dos pensamentos através de excursões permanentes de retorno intermitente.
Nisto, bestas solitários portadoras de saudades sombrias, arrastam consigo bolsas pesadas de dúvidas impermeáveis, mágoas fragorosas, culpas sepulcrais, exigências endurecidas, vastas penumbras recorrentes, e, contra a vontade, nos transportam a dimensões reservadas de cavernas escuras, quais guerreiros de dramas ancestrais, postigos de chapéus empoeirados nas jornadas sórdidas da experiência, largados ao abandono diante do monturo supérfluo de horas mortas.
Restos das refeições felizes ali se mexem encarquilhadas, larvas da série da gente nos instantes saboreados quase sempre ao lado de criaturas humanas bonitas, charmosas, fragmentos fantasmas de espelhos desbotados que amareleceram, pétalas secas de livros atirados nas gavetas esquecidas; eles a nos esfregar a cara de palpites pegajosos, reclamos de outras margens impossíveis, erros aflitivos de lances duvidosos, digamos em resumo.
Nalguns momentos, funcionam, sem quaisquer cerimônias, de inimigos da paz interna das tréguas, a chutar contra o patrimônio pessoal. Noutros, agem parecido com micro e dolorosos incidentes suspensos no horizonte do tórax; convergem nuvens de chumbo que teimam em não chover jamais; máscaras de azia, bolos estomacais, cólicas, coceiras...
Só raramente advérbio de modo providencial, menos denso, chega-nos desconfiado em socorro, trazendo notícias de jardins ensolarados, alentos ainda tardios, nervosos, a nutrir de reparo às frustrações lancinantes, marcas vermelhas na vastidão das ilhas abandonadas, testemunhos inconvenientes de perdidos sonhos, amores equivocados, inúteis paisagens das insônias, constelações do universo distante, nos mundos inconscientes; esperanças, talvez, de acasos fortuitos, portais reencarnatórios das soluções futuras, tropel harmonioso dos degraus da verdade eterna.
São os vultos sorrateiros de si próprio, matéria vigorosa da individualidade prepotente, sentimentos, digamos assim, elaborados na ausência da ternura, na busca de termos melhor categorizados.
Bom, nisso de identificar os tais estilhaços flutuantes da corrente sanguínea do ser abstrato e sua dor de existir, império talentoso dos casos clínicos particulares das criaturas atuais, invade-se o tempo da eternidade, nos seis pontos cardeais do intrépido infinito; se chora sozinho, se chora pelos cantos; elaboram-se cantilenas melodiosas, versos quadrados, modernos, perpassados de litanias fragorosas, vendavais insubmissos de súplica que varrem impiedosos as superfícies emolduradas nos eufemismos culturais de letras maiúsculas, decentes, dos valores imortais. Elaborações filosóficas exemplares trabalham as lufadas de tempestade, transformando-as em brisas suaves de manhãs inesquecíveis, conceito civilizado da persistência, feras descomunais extintas se nos mudam mais mansos animais de estimação; quadros fortes de museus; livros encadernados e suas lombadas brilhantes, dose certa depositada nas prateleiras das academias públicas, pedaços conservados nos sarcófagos das gerações futuras; fogueiras apagadas viram rescaldos mornos, a encher de lágrimas doces olhos ardentes...
E cada um rompe o hímen da cena seguinte, com as faces das corujas atormentadas, porém calmas no esquecimento de quem vive com pressão cardíaca nas raias da normalidade, medidas ideais do expediente, destemor na ponta da língua afiada, épicos do espetáculo revivido, máquinas da permanência, seres eficientes do inesgotável destino, altivos palatinos da utopia, páginas de velhos almanaques, último lançamento de grife, etc. Sentimento, generosidade, coração. Expressão, animação, vida. A alma perpétua deste mundo. Veemência de sentimento; entusiasmo, arrebatamento. Pessoa, indivíduo... Arre, quanta letra em espaço tão pequeno só para dizer que dói viver, e angustia sentir paixão não correspondida...

Nenhum comentário: