TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 24 de julho de 2010

Alcova

Basta-me o quarto.
Apertadinho mas sonoro.

Aqui todos os objetos falam.
As paredes se requebram.
O teto estufa o peito.

Os fantasmas antes
que arrastem suas correntes
têm que pedir "licença, moço"

e as fadas (da dor de dente
e da gengiva inflamada)

precisam trazer na bolsinha
um analgésico senão morfina.

Basta-me o quarto.
Apertadinho mas radiante.

Perfeito o espaço entre
a cama box solteiro
e a escrivaninha.

Ao entrar no banheiro
primeiro respiro forte
quebro duas costelas
encolho o abdome

dou um majestoso salto
e já caio sob o chuveiro.

Aqui ninguém é mais ou menos.
O armário com seus livros.
A cama com seus travesseiros.
As botas com suas meias dentro.

Basta-me o quarto.
A minha praça predileta.

O jardim nem tão cuidado.
Mas tem uma fonte borbulhante.

Passam por aqui todo tipo
de nuvens: chapéus, dragões,
duendes, animais pré-históricos,
fisionomias de princesas e reis.

Basta-me o quarto.
Seus contornos ocultos
em cada junção de cantos.

Sandálias esquecidas,
moedas encantadas,
asas de insetos.

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