Dissipa-se a poesia
se a infame vaidade
insinuante e esguia
abocanha a pele
tritura os ossos
da alma picadinhos.
Voa e não retorna
aquele luar assombrado
se a tola inquietude
apodera-se do instante
e o ferimento não cura.
Precisa-se daquele poema
incauto, flagelado
nunca orado a santos
nem prometido ao diabo
trancafiado no baú antigo
dentro da gaveta da penteadeira
enterrado a sete palmos debaixo
do último sol, da última chuva
atrás do arco-íris.
Precisa-se daquele poema
oculto, exilado, passado
a goma e a lama
lacrando o envelope
que nem amiga mais fiel
que nem amigo mais correto
possam ter acesso
e liberdade.
Aquele poema exausto
sem sombra de figueira
sem sandálias antigas
apenas uma brisa
uma réstia
do que nunca foi dito
sussurrado em sonhos
escapado no gemido.
Que ninguém
(nem mãe nem filho)
invada e descubra
aquele poema iluminado
por ser inacabado
jovial, monge
e eterno.
Que a irmandade
do silêncio
rejubile-se
em nossa morte
duradoura e franca.
Não haverá vaidade
que torça o pescoço
e estrangule
o que cintila
dentro da alma.
Que ninguém
(nem pai nem filha)
apodere-se do que
não tem nome
tampouco feições.
Permita-me
o sonho da morte
dormir e acordar
um cadáver brilhante
cílios de fogo.
Que a vaidade se desnuda
pelo reflexo da própria máscara
e não mais se funda
do horror ao despropósito.
Precisa-se do poema
do infeliz inocente
do tempo
e do emudecimento
por uma noite
o sossego.
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