TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Saudades de Joaquim e Darcy - José do Vale Pinheiro Feitosa

Eu gostava muito de Joaquim Barbosa. Homem simples, camponês agregado, morando em casa de taipa coberta com telhas: sem luz elétrica, água encanada ou vaso sanitário. Joaquim quase não se sentara nos bancos de escola, mas era leitor feroz das revistas de então e dos jornais que chegavam até suas mãos. E chegavam, ele sabia quem os lia e os aproveitava, já amassados, após os donos terem vasculhando as páginas. Lia matérias defasadas em relação ao proprietário, mas no final sabia mais do que ele. Joaquim sabia decifrar aqueles fragmentos dos dias e torná-los uma narrativa do tempo e do espaço.

Joaquim foi-se com a curvatura do tempo que dizia Einstein existir, me deixou saudades, este sentimento de solidão. Hoje me vejo na companhia de gente que lê e não interpreta, que vê e não traduz, que ouve e tudo flui como a água num cano que irriga outras paragens.

Outro dia li a alegria de alguém por que o presidente Pinera do Chile subiu de popularidade com o resgate dos mineiros. Joaquim não veria qualquer ânimo numa coisa de morte como a exploração dos mineiros no Chile. Logo o presidente da cúpula dos endinheirados do Chile? Cujo irmão é sócio no principal produto do país: a mineração? E os mais de 30 mineiros que morrem a cada ano por descaso? E a inexistência de equipamentos de escape, nem uma escada havia? E os trezentos mineiros que não foram soterrados e estão na miséria por que os donos faliram a mina, mas não suas vidas particulares.

Ah! Joaquim, como os bancos escolares que não fizeram falta alguma a ti, influência alguma fez no caráter desta gente? Que não aprendeu nada a não ser que eras a escória da história e eles os letradas herdeiros do mundo. A gente que acha que São Paulo é quem deve mandar até no porquinho que tu, a custa da “lavagem” da casa de alguns, criavas para um dia de fartura com a família. Esta gente que nasceu para obedecer, rosnar como cão de guarda e comer os ossos descarnados pelo prazer de quem os dar.

Quando vejo tua dignidade não quero dizer que a pobreza de tua vida foi a causa da riqueza que a expressou. Não é isso, é apenas me assustar com o fato de que o progresso material de quem muitas vezes veio de baixo e ao invés de se dignificar com o progresso de todos, se amofina no reconhecimento puro e simples do progresso concedido por outros. É assistir, sem nada poder, ao suicídio da honra destes sujeitos concedidos na varanda apenas para se admirar do brilho dos salões.

Pois bem, hoje eu tive raiva de você. De me mostrar a altivez do indivíduo, a grandeza da unidade entre eles, o caminho que é de todos o é de cada um. Não é isso o que vejo nalguns que a escola deveria ter salvo. É este desencanto com o único caminho para salvação que via como sendo a educação. E, eles, tão educados, tão plenos de referência, apenas se sentem como arautos do desfile majestoso dos ricos e poderosos. Eles que consciência alguma têm da história.

Estou triste com eles. Não pela humanidade e me perdoe pelas palavras de raiva de balbuciei acima. Apoiar as palavras de Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

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