TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Lobisomem da Batateira - José do Vale Pinheiro Feitosa

Não é um bom título? O homem que se transforma em lobo num lugar com nome de plantação? Mas acontece. De dia é homem e de noite lobo, a estraçalhar a integridade dos crentes que ousem transitar à noite. Uma fera tenebrosa que leva as pessoas a se esconderem na escuridão da noite em seus quartos sem lamparinas acesas. Atrás de portas fornidas e janelas com tramelas redobradas.

Na luz do sol luta pela sobrevivência como qualquer ser neste mundo de obrigações. Na luz da lua cheia uiva amedrontando aqueles que paz deveriam ter em seus lares após a longa jornada dos afazeres. Igual ao homem que de dia é homem desgastado de trabalho e à noite não descansa em sua volúpia por carnes e medos.

O lobisomem da batateira, se diga em perfeito juízo, não é bem um lobo. Isso é coisa lá do hemisfério norte. Na verdade é um guaxinim de brejo, do canavial, a cruzar veloz as touceiras de cana, passando como um raio por baixo das copas das mangueiras. Enfim, o lobisomem da batateira, é um guaxinomem.

E para azar do guaxinomem ele vive num país tropical, abençoado por deus, o resto já sabem e ali onde tem calazar e o coitado sofre muito com o problema. Ficou com o pelo arrepiado, as pernas bambas, triste como uma cachimbeira em final de vida. O coitado deu para cair dos quartos, marcar um rumo e sair no outro que não queria.

Isso também se expressa no corpo físico do homem que apresenta até hoje, apesar das doses cavalares de glucantime, grandes seqüelas. Mas o problema do guaxinomem não era só o calazar, o seu principal era o ódio de um coronel vingativo, ruim como fel, lá da Caixa Prego.

O coronel achava que o guaxinomem tinha desonrado sua filha. Ele errava de avaliação, o próprio numa confusão de carinho preciso e impreciso provocara a ruptura que anteciparia o himeneu da menina. São histórias tristes, mas acontecem, como dizem é da cultura.

Coronel não tem culpa. Ela é dos outros, dos agregados, destes sujeitos fedorentos, escória da humanidade. Coronel sem culpa, culpa os outros. E partiu para uma feroz caçada ao guaxinomem. Era mais fácil, já era desgraçado por força do mito. Assim como atacar alguém por bruxa na idade média.

Ninguém sabe se ele consegue. Por enquanto anda pelas estradas com uma cruz, de olhos esbugalhados, rosto desfeito, cabelos desalinhados, gestos ameaçadores a arrebanhar forças para o combate santo ao demônio que explica os próprios demônios do coronel.

Coitado do guaxinomem: ainda do mais necessitando mais doses de glucantime.

E quando terminava esta narrativa alguém me disse: guaxinomem é coisa do mundo, mas coronel é da história, um fica e o outro se desmancha no ar.

Nenhum comentário: