TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A horizontalidade na ponta da peixeira - José do Vale Pinheiro Feitosa

Quebrar a linha horizontal para dobrar uma vertical é um problema. Especialmente que tais linhas são geométricas e desse modo sujeitas à gravidade. Os pontos horizontais repousam mais em termos de tal força. A gravidade, substância da natureza do planeta, se expressa em todos os seres vivos, inclusive na organização social do homo sapiens.

Pois é, o bicho pega. Lá em Imbariê a linha de nível está no prumo. Não tem desnível, cada esquina tem um torresminho no ponto e uma branquinha que desce igual qual seja a garganta do camarada. O tempo todo a moçada vem da união. Se tem um serviço nós chama os outros. Sempre tem um profissional para fazer o que é necessário.

Um primo da minha mulher. Morava perto de casa. Todo mundo na obra. Ele jeitoso, caiu nas graças do encarregado. Foi promovido para ele vigiar nós. Pronto o pessoal ficou puto, ele não pegou mais num tijolo. Deu para gritar com todo mundo.

A folga subiu na cabeça dele. Vivia dando lição de moral no pessoal. Era mais valente que o encarregado e o engenheiro juntos. O pessoal ficava fervendo. Não trabalhava e ainda passava correção em todo mundo. Foi o ponto. O calor comendo nosso juízo, o pesado do trabalho e os gritos do mandão.

Rapaz, tinha um ajudante, tava pegando a massa bem no meio daquela caldeira do sol do meio dia e ele veio com marra para cima dele. Olha aí. Não devia ter uma bicha dessa, mas tinha. Puxou uma bicuda do gomo afiado e partiu para cima dele. Que estava alguns metros mais adiante quando viu a morte feito um jato vindo de lá para cá.

Correu e a faca atrás querendo carne para furar. Ninguém parou a bicha. Ele passou perto de um bocado de gente e não teve um que parasse a furadeira. É assim. Ele provocou todo mundo. Ficou importante. Só dava mijada. E quem gosta?

Salvou-se no escritório dos engenheiros. Lá tem segurança. A faca ficou guardada do lado de fora, enquanto ele, nervoso, se escondia no ar condicionado da vida boa dos engenheiros. Aí a vida continuou. Mas bem pouquinho.

Alguns dias depois ele anda pela obra, quando cai do terceiro andar, uma pequena marreta. Ninguém sabe ou viu de onde partiu. Caiu bem na cabeça dele. Com tanta força que furou o capacete. Levou pontos na cabeça. Se tivesse sem a proteção estava morto.

O encarregado chamou todo mundo e disse: vocês não têm jeito mesmo. Mora todo mundo por perto e só brigam. Sabe o que vou fazer? Vai todo mundo embora, quem tem e quem não tem culpa também vai. Rapaz aí é que a mágoa pegou contra o camarada.

E se completa: um dia foi alçado à vertical e a gravidade deu-lhe o retorno ao horizontal. Afinal a vertical em alegoria das relações sociais está sempre sujeita ao conserto para as linhas de menor instabilidade.

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