TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 18 de março de 2011

Japão


A imagem que saltava da TV parecia familiar. Dir-se-iam vários meninos brincando com seus carrinhos e casinhas na beira da praia e, de repente, uma onda mais forte , engolia todos os brinquedos e os levava maré abaixo. As imagens mostraram-se depois perfeitamente reais, não fossem alguns detalhes: os objetos não se tratavam de miniaturas e , antes de tudo, aquilo não se enquadrava numa simples brincadeira infantil. Retratavam , na verdade, uma tragédia de proporções gigantescas, do outro lado do mundo; dessas que se têm tornado, estranhamente, tão corriqueiras nos últimos tempos. Um terremoto de intensidade recorde no Japão, acompanhado de um tsunami devastador que varreu o norte do país. Prejuízos incalculáveis, reatores nucleares emitindo radiação a céu aberto, mais de cinco mil mortes e milhares de desaparecidos.
Os grandes desastres trazem consigo a possibilidade de refletirmos sobre nossa pequenez diante da imensidão do universo. E as perguntas se sucedem e são inevitáveis. Por que nos últimos anos as grandes hecatombes têm se repetido com tamanha freqüência? Terremoto e tsunami destroçaram a Indonésia; um outro terremoto quase que aniquila o Haiti, depois o Chile e a Itália. Sem falar na tempestade de Nova Orleans , há poucos anos. E as chuvas devastadoras de Pernambuco na ano passado e este ano na região serrana do Rio e no Crato agora em Janeiro? Até que ponto estas catástrofes são mera coincidência; até quando são respostas à ação do próprio homem sobre o equilíbrio instável da natureza? Uma outra questão: as Usinas Nucleares, depois do acidente asiático, devem continuar sendo exploradas como uma forma segura de energia, em substituição ao petróleo e a outras formas mais limpas , como a hidroelétrica?
Quem acompanhou o noticiário da tragédia japonesa deve ter percebido algumas peculiaridades. A primeira delas é o quanto a organização e o trabalho preventivo são capazes de minimizar as baixas. Quando se computarem todas as mortes japonesas talvez alcancemos 30.000 perdas. No Haiti foram mais de 200.000 e na Indonésia mais de 300.000. Como o Japão conseguiu impactar de forma tão forte as suas mortes? Através da tecnologia e do treinamento do seu povo para as situações de calamidade. Esta parece ser uma das maiores lições que depreendemos do desastre japonês: é possível sim, com medidas preventivas, não evitar os fenômenos naturais,mas prevê-los com alguma antecedência e diminuir de forma significativa as perdas humanas.
O maior exemplo, no entanto, que arrancamos da gigantesca tragédia que já se abateu sobre o Japão é a maneira destemida, contida e resignada com que os japoneses enfrentaram a devastação. Sem choros convulsivos, sem atropelos, sem apelos dramáticos. Mesmo diante da fome , da perda e da morte o povo manteve-se controlado: nada de saques, de correrias, de salve-se-quem-puder. Entre nós latinos, afeitos às grandes manifestações sentimentais, á solidariedade de superfície, às lágrimas fáceis e aos apelos dramáticos, a reação japonesa parece-nos estranha e fria. Mas a sua resignação passa-nos a certeza absoluta que, tendo suportado tantas guerras, tantos desastres naturais e duas bombas atômicas; os japoneses forjaram sua alma no fogo e estão prontos a resistir a todas as intempéries. Calmamente se debruçam sobre os escombros e remontam , peça por peça, o quebra-cabeças da sua vida e da sua história. Como se nada houvesse acontecido, como se o tsunami tivesse vindo apenas fechar um ciclo e trouxesse consigo a anunciação de tempos menos turbulentos e mais felizes.


J. Flávio Vieira

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