TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O "papa-anjo" de Pau dos Ferros - José Nilton Mariano Saraiva

Em postagem anterior (Coisas da vida...), nos referimos à receptividade, ao calor humano dos seus habitantes e, mui especialmente, à “beleza-brejeira” e à requintada elegância das mulheres da cidade de Pau dos Ferros - RN.
Mas Pau dos Ferros, como toda cidade pequena que se preza, também tinha suas excentricidades, suas esquisitices, suas idiossincrasias, suas legendárias e folclóricas figuras (e bote folclore nisso). E, dentre elas, sem favor nenhum se destacava um tal “papa-anjo” de Pau dos Ferros.
Paraibano, presumíveis 30 e poucos anos de idade, altura mediana, esbelto, educado, conversa agradável, gentil, afável e chegado a uma cervejinha gelada, o colega de trabalho Godofredo (nome fictício, evidentemente) contava também com um “handicap” pra lá de poderoso, em relação aos demais colegas, perante aquelas mulheres monumentais: a maviosidade da sua voz e a competência e destreza com que dedilhava as cordas de seu sonoro violão, de par com um repertório eclético e de agrado de todos.
Nas noites de sexta-feira, por exemplo, em uma churrascaria localizada no então “campo de aviação” da cidade (uma espécie de planalto, onde pousavam os “teco-tecos” da vida), quando toda a sociedade pauferrense se reunia para comemorar a chegada de mais um final de semana, a voz de Godofredo ecoava tonitruante e maravilhosa, desvirginando o sepulcral silêncio da madrugada (vezes sem conta, a nosso pedido ele interpretou “Súplica Cearense”, em tributo ao Ceará que ele tanto admirava); outrossim, se em noite de lua cheia você quisesse surpreender sua amada com um toque de enlevo e romantismo, bastava convidar que nosso amigo sempre se achava disponível para uma seresta maravilhosa, tão comum em cidades interioranas, (evidentemente que “deglutindo” alguma “marvada”, com tira-gosto de siriguela”, em plena três horas da matina); quando de um casamento religioso, se alguém quisesse mais brilho (e sempre queriam), lá estava ele na Igreja, devidamente paramentado, com o seu dileto amigo violão, a entoar a Ave Maria; enfim, não tinha um evento sequer, alguma comemoração, uma reunião oficial, civil, eclesiástica ou particular em que o nosso grande Godofredo não fosse o primeiro a ser convidado para abrilhanta-la. E não se mostrava de rogado; comparecia e mostrava, sempre e sempre, a competência usual. Era, sem favor nenhum, a garantia de inolvidáveis momentos.
Mas...
Godofredo tinha uma esquisitice, uma coisa um tanto quanto difícil de entender, uma preferência que era pura excentricidade: apesar de literalmente disputado “no tapa” pelas exuberantes mulheres da cidade (com as quais se dava muito bem), só namorava (com seriedade e repleto de boas intenções, tanto que durante a semana fazia questão de freqüentar suas casas e conhecer os pais), jovens recém-saídas das fraldas, desabrochando para a vida, cheirando a leite (como ele mesmo gostava de dizer) e que tivessem - NO MÁXIMO - 14 anos de idade (mas não havia, com sinceridade d’alma, nenhuma intenção pedófila; aliás, nem se falava nisso àquela época).
Quando, aos fins de semana, na bifurcação do crepuscular por do sol e o alvorecer da noite, aparecia no principal “point” da cidade (a Sorveteria do Sales), de mãos dadas com uma daquelas meninotas estonteantes que exalavam frescor e inocência por todos os poros, seu sorriso era mais sorriso, sei olhar brilhava intensamente (mesmo que em plena escuridão) e ele parecia flutuar nas nuvens, certamente que ao som de algum canto celestial inaudível para nós outros, mortais-comuns; a impressão que se tinha é que Godofredo se comprazia e parecia querer fazer aflorar em todos nós, pobres-diabos, um dos pecados capitais, a inveja; e assim, só nos restava, ante a visão daquelas formosas e inocentes beldades, humildemente improvisar “babadores” gaigantes, usando as toalhas das mesas para tal fim.
Mas foi aí, depois dele desfilar com tantas formosuras e despertar aquele sentimento em todos nós, que um colega mais expedito “vingou-se” em alto estilo, ao lhe por a alcunha apropriada, perfeita, mortífera: Godofredo, o “papa-anjo” de Pau dos Ferros. O tempo quase que fecha. Foi uma dureza acalmar os ânimos. Mas a coisa “pegou” e Godofredo teve que conviver com aquele “calo”, a partir de então.
Com o passar dos meses situações novas apareceram e Godofredo, transferido para uma cidade maior, finalmente deu de cara com a temida “mulher fatal”, a conhecida “aqui é final de linha”, aquela que lhe colocou nos trilhos, chamou-o à responsabilidade, deu-lhe um solavanco, impôs-lhe uma nova postura, um diferente padrão de comportamento. E a flechada foi tão certeira, seu efeito tão imediato e devastador, que, rendido pelo cupido, nosso amigo deixou até o querido violão de lado, apagou a chama do seu canto, deu um sumiço na maviosidade da voz. Godofredo, literalmente, eclipsou-se. Foi a nocaute (sua esfarrapada desculpa é que cansara daquela vida de “eterna procura”). Acredite se quiser...
Hoje, aposentado, muitíssimo bem casado, pai de filhos e já caducando com os netos, Godofredo tem uma dúvida atroz a persegui-lo diuturnamente, deixando-o meio cabreiro e com uma pulga atrás da orelha: será que os seus descendentes, filhos e netos (todos incrivelmente do sexo masculino), hão de “herdar” os métodos e a incômoda alcunha de “papa-anjo”, que o perseguiu durante anos, desde os inolvidáveis momentos vivenciados em Pau do Ferros ??? Será que essa coisa complicada e difícil de entender, chamada DNA, contempla até isso ???
Será ???

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