TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Fausto Nilo: luar, estrelas e muito azul - José do Vale Pinheiro Feitosa

No último mês de agosto fiz uma viagem ao meu passado. Encontrei Fausto Nilo num encontro familiar na casa do meu irmão Vicente Ricardo em Fortaleza. Aquele mesmo Fausto que não revolucionava nas evidências da canção de protesto, mas fazia uma letra que pinçava fragmentos do subconsciente e assim transformava na cultura. Mas não naquele território impreciso que a psicanálise e muitos traduziram como ID.

Fausto Nilo não se esconde no esnobismo da poesia incompreensível, mas também não se esvazia em soluções banais. Quando fiz uma entrevista gravada com ele e com ela editei um programa para a Rádio Mar Azul de Paracuru, ambos concordamos que as letras dele não eram de fácil compreensão. Mas mesmo assim mobilizavam as multidões.

Na rádio Mar Azul fazemos, junto com Hélder Gurgel, Lúcio Damasceno, Flávio Sampaio e outros, um programa chamado Paracuru Minha Terra Minha Gente que conta a vida de personagens da cidade e incluímos o Fausto Nilo. Ficou um programa legal, trouxemos o Raimundo Cabirote para cantar e tocar quatro jóias do Fausto Nilo, junto com o texto que fiz e mais a entrevista. É um programa agradável. Algumas pessoas acharam o programa um tanto intelectual, mas é difícil falar em arte sem considerar a fronteira entre o universo abstrato e a realidade histórica em que se encontra. Aliás, estes programas podem ser ouvidos na internet aos sábados ao meio dia: www.radiomarazul.com.br.

O Fausto Nilo pegou aquela nossa praia desconhecida, com nome esquisito para os padrões do palavreado nacional e pôs na música Zanzibar que ele compôs junto com o Armandinho. Com isso Paracuru se tornou uma referência nacional, a música fez sucesso e tudo se espalhou.

Fausto Nilo só virou um programa Paracuru Minha Terra, Minha Gente, por conta desta inclusão. Aí fomos falar sobre isso: deve-se apenas à prosódia? E prosódia como é compreendida na rubrica música: adaptação da métrica de um texto à da música. Nisso o Fausto Nilo é perfeito, procurem pela música dele, escutem e sintam como isso é quase que obrigatório.

Mas aí é que está a grandeza deste letrista das altas esferas: a prosódia é uma necessidade na música com letra (que saudade quando ouço estes discursos quilométricos para meia dúzia de notas musicais dos dias atuais), mas as letras em Fausto têm um discurso do tamanho do Nilo, frutuoso como uma das suas famílias e perfeitamente fáustico no sentido da revelação do mundo.

O Dorothy Lamour com Petrúcio Maia é isso. Os fragmentos daquele ID dotado de historicidade. Nos cinemas de sua Quixeramobim, nos experimentos da bebida com sabor de império, a primeira coca-cola e, claro, um sentimento mítico da vida quem sabe nascido nas vozes familiares que revelaram as paredes da casa em que nasceu: a casa onde fora aparado Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro.

Fausto Nilo não faz associação de idéias, não brinca com os sons, ele parece que faz tudo isso, mas trabalha com um universo que é típico da sua geração. De leituras dos modernos filósofos, especialmente os franceses, da base intelectual da sua profissão que é a Arquitetura e claro da estética como algo antes de tudo. Lá pelas tantas na entrevista ele é radical: as pessoas buscam mais soluções éticas do que estética. Mas é na arte que milito. É nela que busca fazer para que ela o faça.

Na temática de Fausto circulam vários canais do cotidiano, daquilo que acontece numa conversa de esquina, se misturando com leituras de coisas mais amplas que explicam a cena do botequim. Ele conta na entrevista que o pessoal da Cor do Som já estava no estúdio para gravar o Zanzibar e ele andando aqui embaixo, na Rua Jardim Botânico, em busca de duas palavras para completar a letra. Ele andava com um gravador ouvindo a fita do Armandinho.

Foi quando passando num bar, que fica na esquina da Lopes Quintas, um cara sai do bar onde se encontra e vem até o meio da rua para cuspir e grita para os amigos com quem conversa: aliás. Pronto viera a solução. Ele liga para o estúdio, chama o Armandinho e diz: a palavra é “aliás”. O Armandinho repete em dúvida: aliás? Vira-se para o pessoal que estava no estúdio e comenta: ele disse que a palavra é “aliás”. O Fausto do outro lado da linha diz: é “aliás” mesmo, pode confiar.

Paracuru na letra de Zanzibar é o tipo da Prosódia com história. Não entra na letra apenas como uma mera solução para a métrica da canção. Em Paracuru Fausto ia com frequência. Fizera o projeto para uma piscina de um amigo que é uma beleza: de certo ângulo a água da piscina se mistura com a água do mar. E em Zanzibar tem estrelas e muito azul como em Dorothy Lamour.

Fausto Nilo tem muitas evidências em suas letras sobre o luar, as estrelas e o azul. Existem todas as cores em Fausto, mas o azul é predominante. Em 52 letras que examinei aleatoriamente, o azul aparece em 12 canções. E por falar em luar e estrelas, o azul da noite é o sentimento noturno deste homem de visões oníricas. Mas o azul pode ser um lago azul como em “Amor nas estrelas”, pode ser um azul que nunca se imagina como em “Periga Ser”, ou ficar tudo azul quando a noite cai em “Baião de Rua”.



O azul pode ser algo para diferenciar, assim como um olhar para distinguir as coisas do mundo como na música “Cartaz”: o azul do céu e o verde do mar. Em “Dorothy Lamour” ele dialoga com seu mundo e a história deste usando o azul: O teu sabor azul Estranho como a primeira / A primeira coca-cola. Fantasia de um mundo blues (aí fala da música americana que adora, mas é azul da noite, langoroso) E eu fui naufragar / Em teus olhos de mar azul / A tua cor / O teu nome mentira azul / Tudo passou Teu veneno teu sorriso blues


“Em Esquina do Brasil”: A noite é mais azul / Na esquina do Brasil. Na letra de “Horas Azuis”, ou em “Letras Negra”: No paraíso amor / um dia Imaginamos cidades azuis. Puro sentimento interpretativo do amor com em “Retrato Marrom”: O nosso amor é um escuro lar / Suspiro azul das bocas presas. Em “Sobre a Terra” ele diz: No azul mais azul do espaço / Até sonhar. Como um cultor da música e do cinema ele foi relembrar Marlene Dietrich na letra da música “Você se Lembra”: Entre as estrelas do meu drama / Você já foi meu anjo azul.
Em Zanzibar aconteceu assim. O Fausto Nilo morou muitos anos aqui no Rio, mas costumava passar o carnaval na Bahia. Ele estava na praia quando o Armandinho chegou, tocou a melodia para ele ouvir e lhe deu uma fita. Na volta para o Rio, o Fausto ligou o gravador e veio ouvindo a canção e da janela do avião olhou para fora e viu aquele imenso azul de céu e mar sobre a baia de Todos os Santos. “Zanzibar” é pleno de azul: O azul de Jezebel no céu de Calcutá, / Az de Maracatu no azul de Zanzibar / Ai, mina, aperta a minha mão Alah, meu only you no azul da estrela! / Aliás, bazar da coisa azul, meu only you É muito mais que o azul de Zanzibar / Paracuru, o azul da estrela, / o azul da estrela.

Só uma coisa importante. Sabe aquela separação entre melodia e letra em que o músico fica num lado e letrista no outro? Duvido que em Fausto Nilo tudo se resuma a isso. A letra ao se adequar na métrica da canção, termina por modificá-la de modo que os limites músico e poeta terminam se confundindo.

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