NORMANDO - O DALÍ DO SERTÃO
Por: Joilson Kariri Rodrigues
Inicio dos anos 80, o caldeirão da cultura fervia um caldo
de arte e anarquia nas trempes do Cariri, cada um adicionando uma pitada de
tempero a seu gosto. O homem do sertão, Normando, apimentou o guisado.
Ressuscitou Antonio Conselheiro, tomou-lhe o cajado e a língua ferina, fez-se
do mesmo barro que modelou Gonzagão e Patativa, dessa argila desidratada que
assoalha o sertão. Deu-se para a caatinga, recolhendo ossos e o sal do torrão,
fez arte, destemperou o caldo. Usava a grife Salvador Dalí: fartos bigodes,
costelas salientadas, e a genialidade de igual a igual, pau a pau como se diz
hoje.
Conheci Normando na aridez desses tempos, anos 80. O Crato
era de açúcar e fel, ora se afogando nos descontroles das nuvens, ora se
esturricando sob a impiedade de Helios, o deus sol. Era refugio dos donos das
artes, dos loucos que aprendi a amar, dos anarquistas, era casa da mãe Joana.
Normando me apresentou o Crato levando-me a dá o meu primeiro passeio de
elevador. Fingiu não rir da minha cara abobalhada, do meu extasio de menino que
descobre o mundo para além das ribeiras do Cariús; e deu-me de presente essa
cidade, os loucos, os artistas e os anarquistas.
Lembro-me do desenho de giz na calçada da Sé, um sertanejo
crucificado num cabo de enxada, riscado numa madrugada de insônia. Nesse dia
dividimos o último cigarro, a abstinência de um gole de cachaça, as risadas que
acordaram padre Bosco. Ele me convencia a engajar nos movimentos liderados por
Leonel Araripe e Carlos Rafael, como se eu tivesse importância pro movimento.
As sobras do giz viraram uma escultura de sereia nua em suas mãos gigantescas,
talhada e esculpida por uma tampa de caneta Bic, para depois ser atirada nas
águas do canal, e foi, boiando, para as águas do oceano que eu ainda não
conhecia, encantar marinheiros distraídos.
Esperamos os derradeiros suspiros da lua nos batentes da
catedral. E quando o sol veio cumprir sua sina de alumiar o sertão já estávamos
na porta de Carlos Rafael, como dois remanescentes da boemia que se negam
aceitar o fim da noite, vampiros à luz do dia.
Senti ali que o sertão me regurgitava de suas entranhas, o
mundo não era só ali e Normando me dizia isso no dia que me descobriu num
esquete de escola em Farias Brito. Era difícil acreditar que eu tivesse algum
talento diante das mil faces artísticas dele, mas ele achou que eu tinha.
Normando Rodrigues era Pintor, Desenhista, Escritor, Poeta,
Escultor, Artesão, Ceramista, Gravurista, Xilógrafo, entre outras atividades
que exerceu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário