"Há pessoas que nunca falam
sobre si mesmo, sobre coisas que fizeram ou deixaram de fazer. Entendem que o
recato é virtude. Outras não se importam em relatar suas aventuras ou
desventuras. Fazem-no com naturalidade.
Diante da decisão de depor ou calar creio que haja uma
circunstância fundamental: essa pessoa que vai falar, ou ficar quieta no seu
canto, é uma pessoa jovem ou idosa?
Se é um jovem talvez o melhor seja mesmo
guardar sigilo, como os mineiros, daquela forma genialmente descrita pelo
mineiro Carlos Drummond de Andrade: “As montanhas escondem o que é
Minas. Ninguém sabe Minas. Só os mineiros sabem. E não dizem nem a si mesmos o
irrevelável segredo chamado Minas.”
Se é idoso tudo muda: até
quando estará vivo para depor?
Daí que, a meu ver, um dos mais importantes deveres das pessoas
mais velhas é o de prestar depoimento, não importando a profissão que exerceram
ou ainda estejam exercendo.
Fundamental, para que o depoimento seja válido, é que seja
sincero, ainda que possamos incorrer em falhas ou omissões por lapso de
memória. Aliás, ter alguns esquecimentos é um dos direitos das pessoas de
Terceira Idade.
O depoimento que presto a refere-se a um aspecto da vida, a uma
atividade desempenhada.
Fui membro da Comissão de Justiça e Paz da
Arquidiocese de Vitória, convidado para esse encargo pelos bispos Dom João
Baptista da Mota e Albuquerque e Dom Luís Gonzaga Fernandes (foto). Naqueles
tempos, em inúmeras situações concretas, a palavra oficial da Igreja foi
expressada pela Comissão Justiça e Paz, por
entenderem os Bispos que, diante de algumas matérias, a palavra mais apropriada
devia ser dita por um organismo eclesial leigo.
Depois de convocado para a CJP pelos Bispos, fui eleito presidente
pelos companheiros que integravam referida Comissão.
Pelo fato de estar exercendo a presidência da Comissão de Justiça
e Paz respondi a processo perante o Conselho Superior da Magistratura.
Interpretando literalmente a lei, concluíam os desembargadores que
magistrado da ativa não podia presidir associações. Não entenderam, ou não
quiseram entender, que a Comissão de Justiça e Paz não era uma associação, mas
um organismo de Igreja.
Quando recebi a intimação para a audiência,
telefonei para Dom Luís Fernandes pedindo que me aconselhasse sobre como eu
deveria me defender. Ele foi direto, como era do seu feitio. Abra o Evangelho e
leia aquela passagem: Quando fordes chamado a
tribunal por causa do meu nome, não vos preocupeis com o que haveis de dizer. O
Espírito vos soprará. Obedeci.
Veio a inspiração na hora. Invoquei a inviolabilidade de consciência para me
isentar de punição. Graças à opinião do Desembargador Homero Mafra, o processo
foi arquivado.
O Brasil estava então sob ditadura. A CJP posicionou-se contra
todos os abusos que então eram praticados. Os membros da Comissão enfrentamos
perigos. O maior sofrimento pessoal que tive foi a ameaça de sequestro de meu
filho único.
Um dos heróicos membros da Comissão foi o Dr. Ewerton Montenegro
Guimarães, que lutou bravamente contra o Esquadrão da Morte. Certo dia o Dr.
Ewerton me disse que tinha dúvida de Fé, não tinha certeza da existência de
Deus. Respondi: meu caro Ewerton, a Fé não é uma proclamação verbal. Você é um
homem de Fé porque sua vida é uma vida de luta pela Justiça e a Justiça é manifestação
de Deus. Tem Fé quem ama o próximo, mesmo sem proclamar o nome de Deus. Não tem
Fé quem bate com a mão no peito e ignora o sofrimento dos irmãos."
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