TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Cicuta


Sócrates foi executado como prisioneiro político , em 399 a.C.,   por ter influenciado seus discípulos  se postando contra a Democracia Ateniense. A seu ver o Estado devia ser governado pelo mais capaz e não por aquele escolhido pela maioria dos cidadãos. Olhando superficialmente,  o filósofo parece ter razão, mas aí vem a encruzilhada filosófica inevitável: -- E quem escolhe e determina quem é o mais capaz? O Rei ? A Nobreza ?  O Poder econômico ? A história da humanidade, nos séculos seguintes, terminou por dar a resposta inequívoca à questão : Sócrates, neste quesito, estava errado,  mas a forma como enfrentou todas as vicissitudes até o sacrifício final perpetuou seu nome e o tornou um dos pensadores mais incensados da História.
                                   Passados os anos,   multiplicaram-se exemplos das claras deformidades da Democracia mundo afora. No Brasil mesmo, escândalo após escândalo, crise após crise, o povo põe continuamente em cheque a validade desta forma de governar. Alguns se mostram saudosos das Ditaduras de Vargas e de 64, outros  remontam até ao cretáceo, vislumbrando a Monarquia com seus Reis, Rainhas e Valetes. Churchill talvez tenha definido melhor esta questão quando disse: "A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos."
                                   Em ano eleitoral, então, estes questionamentos ficam mais à flor da pele. Denúncias engavetadas por anos saltam na imprensa, com vistas a interferir na eleição que se avizinha. As vísceras da Política brasileira são postas à mostra e o povo humilde e trabalhador, no meio de tanta bandalheira, põe-se a engulhar. Corrupção; desvios de verba pública; deputadozinho ,com cara de sacristão, pego com a boca na botija; promiscuidade de governadores, deputados, senadores, ministros do supremo com a contravenção;  como suportar essa calamidade? A conclusão do brasileiro comum  é rápida , imediata : Política não presta, há provas irrefutáveis de que a  Democracia está falida como forma de Governo.  Diante da sacanagem perpetrada contra todos os pagadores de impostos,  algumas atitudes imediatistas são frequentemente tomadas pelo povaréu como aparente defesa contra o descalabro.
                                   A primeira delas é lutar pelo Voto Nulo ou Branco, alguns chegando até ao extremo de incinerar publicamente o Título Eleitoral. Medidas desta natureza eivam as Redes Sociais. No fundo, os revoltosos dizem : nenhum salafrário será mais eleito com minha participação. Pensam que assim se eximirão da culpa pelo estado de coisas que rola país afora. O protesto é totalmente inócuo. Corresponde àquela  providência tomada  pelo marido que encontra a esposa namorando com outro no divã e, revoltadíssimo com a traição, vinga-se vendendo o divã.  Nunca se vota nulo:  quando anulamos o voto estamos tomando partido e elegendo os piores. Peca-se na mesma intensidade por ação ou por omissão, não é ?
                                   A segunda  é mostrar-se saudoso dos períodos ditatoriais. Na época da Ditadura Militar isso não acontecia ! Ladrão ia para o paredão! Bastava apertar um pouco o cabra confessava tudo! A corrupção na ditadura era presentíssima e bem pior do que se tem hoje, apenas menos visível: velada sobre o manto da Censura e da Tortura.Sem Liberdade não existe civilização. Vivemos, hoje, em pleno Estado de Direito, o melhor período da história brasileira.
                                   A terceira postura  clássica é uma revolta desmedida e justificável contra a Corrupção. Perfeita no seu âmago, mas que guarda consigo um enigma. Por que elegemos políticos corruptos e pior que tudo: por que os reelegemos mesmo depois dos escândalos ? A verdade é dura, mas precisa ser engolida: eles não são tão diferentes dos seus eleitores. A corrupção faz parte do nosso cotidiano : vendemos o voto por empregos, por licitações, por telhas e tijolos; buscamos colocação para os filhos por pistolão; tentamos nos dar bem em qualquer função que assumimos; compramos o Guarda de Trânsito para evitar a multa. O político brasileiro é apenas a imagem do seu eleitor refletida no espelho. Um corrupto por atacado , eleito por vários corruptozinhos do varejo. Só mudarão quando a sociedade mudar e, educada politica e socialmente, possa triar melhor seus representantes.
                                   A mais freqüente conduta, no entanto, é de uma total aversão à Política. As pessoas ,diante dos escândalos, se afastam dela como Vampiro do alho. Os mais dignos temem chegar perto com medo de se contaminarem com a podridão reinante. Os maus baldeiam a água para que só eles tenham a coragem de beber. E muitos gritam : “Deus me livre de política, quero é distância!”  O grande problema é que somos seres políticos por excelência. Todas as atitudes humanas são banhadas em maior ou menor proporção nas águas da política. Até a decisão de fugir da política é por se só um ato político. Seria como o mecânico de automóveis resolver que não quer nunca mais se melar de óleo. Não tem jeito, estamos no meio da tempestade: a molhadeira é inevitável. Ou tentamos abrir a capa para minorar o encharque ou negamos a existência do temporal.
                                   As eleições estão próximas. Com a nossa participação ou nossa apatia seremos vítimas ou beneficiários do seu resultado. Se não nos fizermos agentes de mudança teremos que engolir depois a Cicuta, como Sócrates o fez, a contragosto,  no berço da Democracia.

J. Flávio Vieira

2 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Zé Flavio faz um texto crítico das vozes que discutem e propõem a ruptura da democracia e o silêncio das vozes pela ditadura. Um texto para refletir e pensar. Faria uma consideração a mais: uma vez que somos uma sociedade de classe é comum que os políticos sejam tão ruins porque apenas representam as classes altas e endinheiradas. O espelho não reflete o povo, apenas o jogo insano dos privilegiados e o modo como usam o Estado. Outra coisa que chama a atenção é o soterramento da vida municipal a mais importante em nossas vidas. Seja porque é mais fácil discutir o poder distante de nós, a verdade é que o Prefeito e nossos Vereadores não fazem parte da ácida avaliação de alguns. Estamos no ano eleitoral e é preciso eleger o prefeito que trouxer o bem estar geral e que tenha capacidade de romper o privilégio como política municipal. Já temos alguém com esta capacidade?

jflavio disse...

As considerações de Zé do Vale são perfeitas. E a possibilidade, claro, de mudarmos este estado de coisas começa no município: na Associação de Bairro, na UEC. O que está em Brasília é apenas a deformidade em lente de aumento.