Aberto
o testamento do tetraneto de Kandic, o velho Venceslau, não deu outra. Ficara
apenas a casa do patriarca e um prédio de cinco andares – o Edifício Rio-- , sito num bairro não muito
privilegiado, para ser rateado entre os dez filhos, três viúvas e seis netos de
Venceslau. Iniciou-se, imediatamente, a
terceira guerra mundial. Familiares endividados, mantendo, porém, a importância dos tempos áureos, cada um
desejava levar o maior pedaço do último quinhão. Arrastando-se a pendenga, para
o gáudio dos advogados, terminaram por ter que vender a casa para cobrir as
custas judiciais e, sob risco de ficar a herança para os causídicos e não para
os descendentes, entraram por fim num acordo. Resolveram, salomonicamente, dar
um apartamento do edifício para cada herdeiro e, depois de mais de dois anos, por
fim, fecharam o inventário do velho Venceslau.
Como
estavam todos na maior pindaíba, morando de aluguel, mudaram-se todos para seus
apartamentos recém herdados. No primeiro
momento, as coisas andaram bem. Todos se sentiram de alguma maneira felizes com
o alívio financeiro. Mas era bem previsível : a bomba estava armada e com
estopim faiscante e curto. As desavenças não demoraram. Conflitos relativos às
pretensas melhores condições de um ou outro apartamento se tornaram frequentes.
Começaram os atrasos reiterados da taxa
de condomínio, por incrível que possa parecer executados pelos mais remediados
e não pelos mais pobres. Exatamente atrasavam aqueles que mais consumiam a água
e a luz. A conservação do velho prédio estava péssima e já apareciam algumas
rachaduras progressivas em algumas paredes. Eram marcadas reuniões com os moradores, geralmente inúteis, pois os inadimplentes
faltavam. Um belo dia, o esperado
ocorreu: desligaram a luz e cortaram a água do imóvel. Aí a gritaria foi geral.
Os pobres reclamavam com razão, pois estavam pagando pela irresponsabilidade
dos outros. Os menos lascados empavonavam-se, mantendo aquele ar de importância
que herdaram dos seus ascendentes e dizendo enfaticamente : -- é nisso que dá, querer ser simples e vir morar
num muquifo desses!
Marcaram
uma reunião de emergência, mas ninguém compareceu: simplesmente porque nenhum queria
arcar com a vaquinha necessária para sanar o problema. Uns dois meses depois,
no escuro e seco como outubro em Picos, no meio da noite, ouviram-se um grande
estralo e um pequeno tremor. Todos acordaram apavorados e desceram as escadas
num átimo. Em pouco, toda a descendência do velho Venceslau estava de camisola
e pijama no meio da rua. Chamada a Defesa Civil, após vistoria, o Edifício Rio foi condenado: Está prestes a cair, não
tem qualquer condição de habitabilidade, disse o Coronel responsável. Providenciadas
, de urgência, algumas tendas, à noite, o Síndico chamou, por fim, mais uma Reunião de condôminos. Pressionados, por
fim, os moradores , já sem teto, resolveram comparecer. As discussões foram
longas e demoradas. Depois de umas cinco horas, finalmente, houve consenso. A
Ata foi devidamente lavrada : O problema será resolvido pelas futuras gerações
dos Kandic, marcaram , então, uma próxima reunião para daqui a vinte anos
quando os futuros herdeiros do Edifício Rio, já taludos e em condições de
deliberar, deverão tomar as devidas providências.
O convite já foi até redigido e o conclave já tem um nome : Rio + 20.
J. Flávio Vieira
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