Padim Pedro foi um vulcão com comportamento de cachoeira.
Tinha uma força permanente de expressão telúrica e por ser permanente não era
apenas um vulcão. Ainda na mocidade, nas quebradas de Cariutaba, fez seu
próprio carrossel para ganhar dinheiro nas feiras e quermesses. Como todos
tinha a ambição do plantio e da criação, mas na realidade tinha mesmo era
espírito de gato de botas. Seu momento estático era romper léguas de distância
a vender coisas. Pegar nas vizinhanças equatoriais e vender até aos trópicos.
Quando enviuvou, deixou meia dúzia de filhos no Ceará e
mudou-se para o Rio de Janeiro no início dos anos 30 onde se casou pela segunda
vez aumentando a densidade demográfica em mais oito vidas. Comprando ouro no
Juazeiro e vendendo desde a calha do Amazonas até o Rio de Janeiro, Padim
Pedro, se não fosse a injustiça nacional, já teria a patente de Almirante por
tantas vezes que atravessou a costa brasileira.
Para compreender a personalidade de Padim Pedro além daquela
corrida magmática, lembro dos sustos que nos deu. De repente lá chegava ele na
porta de casa falando alto, contando coisas, pedindo água para matar a sede e
abrindo mala para tirar os chinelos do repouso na cadeira espreguiçadeira. O
mundo se desdobrava: Padim Pedro era avô de todos nós e já tinha mais de dúzia
de bisnetos.
Sim é sobre os sustos que nos dava. De repente ele soltava
um gemido de abalar a foice da morte e todo mundo vinha socorrê-lo com a
fatalidade na ponta da pergunta sobre que mal lhe passava. E Padim Pedro
respondia: nada! É que eu acho bom demais gemer. A paz reinava e se preparava a
refeição antes do descanso do viajante.
Lembro como se estivesse acontecendo aqui na minha frente.
Padim Pedro estava no céu do sabor, nas vizinhanças de sua alma cearense
comendo a mais legítima culinária da terra. Satisfação maior só pode existir no
outro mundo. Padim Pedro, sem cerimônia, enchia o gafo, levava à boca e logo
estava com ele pegando mais outra porção. Eu só me lembrava dos trabalhadores
enchendo um caminhão de areia no eito de sucessivas pás de material.
Tudo as mil maravilhas e para satisfazer mais ainda o meu
querido avô Padim Pedro resolvi lhe ofertar a mais alvissareira das novidades.
Padim Pedro na abordagem inicial queria mesmo era misturar sabor com boa
conversa, de modo que o gafo não parou de viajar enquanto a mastigação
triturava rápido e a faca cortava a carne na velocidade de uma máquina. Apenas
o olhar de banda me dava certeza de ouvir as novidades.
O senhor vai ficar mais alegre ainda. Nasceu seu tetraneto!
Menino que susto mais veloz nunca tive. Padim Pedro largou o
gafo e a faca sobre a mesa e desceu com os dois braços estrondando a mesa com
tanta força que o prato dançou com comida e tudo e os talhares suspenderam-se
no ar para retornar ao repouso da mesa fazendo uma cruz.
Homem não me diga uma coisa dessas! – a voz de Padim Pedro
era como um trovão de estalo.
E o que foi Padim Pedro?
Ô meu Deus do céu porque eu fui fazer um acordo desses?
Agora danou-se tudo! Tô acabado! Mas que negócio mais mal feito eu fui fazer. –
E repetia as lamúrias do acordo desvantajoso que fizera. Eu nem podia ligar uma
coisa com a outra e perguntei que negócio fora esse.
O acordo que eu fiz com os santos que eu só morria quando
nascesse o tetraneto. E ele nasceu. Eu agora vou morrer. Que acordo mais besta
foi esse e eu não posso desmanchar.
E menos de 48 horas após lá saiu Padim Pedro passando pela
casa de cada filho. Rodou vários cantos desse Ceará, foi encontrar mais outro
que morava em Belém do Pará. Catou cada descendente que há nesse mundo para se
despedir. Inclusive os outros filhos que moravam no Rio.
Quinze dias depois do retorno ao Rio, Padim Pedro tomava
pouso na casa de Tio Gustavo, filho dele, e assim como os acordes finais de uma
melodia fechou os olhos numa poltrona na qual descansava após o almoço. E desse
modo aquela continuidade telúrica não mais manteve a erupção.
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