J. Flávio Vieira
A
Expocrato, nos seu sessenta anos de
existência, tem dado seguidos exemplos da sua vitalidade. Não existe um evento,
no interior do Ceará, que rivalize com a
pujança da nossa festa de julho. Com o
passar do tempo, também, se foi solidificando mais seu ramo de entretenimento e
se relegando, por outro lado, a do agronegócio. O certo é que a Expocrato
congrega e atrai um sem número de cratenses legítimos e adotados e, a segunda
semana de julho, termina por se tornar um verdadeiro Congresso para onde acorrem visitantes, turistas e
filhos da cidade espalhados pelo Brasil afora. Batida a poeira da festança, nos
últimos anos, abre-se intenso debate sobre a permanência ou não do Parque no
seu sítio tradicional. Há proposta antiga do Governo Estadual , administrador
do Parque e do evento, pela
transferência para um local mais afastado do miolo da cidade, opinião
corroborado hoje, pela atual administração municipal. Do outro lado, há um
forte movimento de tradicionalistas e alas políticas de oposição pela
manutenção da Expocrato, no lugar onde sempre aconteceu, onde se solidificou e
onde arrancou o seu indiscutível sucesso.
Pois
bem, amigos ! Um cronista rabo-de-galo como eu, não pode se omitir e fugir de
polêmica tão palpitante. Permitam-me pôr minha colher-de-pau nesse angu de
caroço. Entendo que o nosso sexagenário Parque de Exposições, no centro da
cidade, onde sempre se encontrou, parece bem acolhedor e de fácil acesso. O
Crato, no entanto, transformou-se vertiginosamente nestes últimos sessenta
anos. Em 1953, quando o Parque foi construído, a Cidade terminava na altura da
Rádio Educadora, a partir dali, era uma grande fazenda , não existiam os
bairros : Pimenta, Sossego, Grangeiro e o Lameiro mostrava-se como uma sucessão
de sítios, com atividade absolutamente rural. O Crato cresceu e, hoje, o nosso
Parque está encravado no Centro da Cidade. Os distúrbios e atropelos em julho
não inevitáveis. Os engarrafamentos
lembram aqueles das capitais;
estacionamento a preços estratosféricos são quase impossíveis de se encontrar;
o som ensurdecedor dos shows de péssima qualidade perturba o sono dos moradores
de toda a Vila de Frei Carlos , uma verdadeira afronta aos pacientes do
Hospital São Francisco próximo e às almas do Cemitério Nossa Senhora da Piedade defronte, a quem se deseja tanto repouso
eterno, sem falar na agitação que causa nos animais em expostos . Não
esquecendo , ainda, os dissabores típicos do pós-evento : proliferação de
moscas e muriçocas, principalmente por
conta da sempre deficiente coleta de lixo. Acredito, assim, mesmo estando
exposto à sanha dos “amantes mais verdadeiros
do Crato”, que a mudança , para
uma área mais rural , não é só necessária, mas imperiosa. O espaço extenso e valioso,bem que poderia ser transformado
num parque urbano, no coração da nossa vila, para o gáudio dos seus habitantes,
como o Ibirapuera em São Paulo.
A
discussão sobre a transferência ou não
do parque,em meio às paixões de lado a lado,
no entanto, tangencia outras ponderações que me parecem mais importantes
e pertinentes. Vou elencar algumas
perguntas que não querem calar. A Festa de caráter público, patrocinada
pelo Governo Estadual, foi , praticamente, terceirizada. Os espaços são
vendidos a preços extorsivos, alguns acima de R$ 10.000,00, levando a que os preços dos produtos alimentícios
e bebidas ali comercializados sejam um verdadeiro acinte à economia popular:
latinha de cerveja a R$ 6,00, Caldos a R$ 8,00, tapiocas a R$ 6,00.
Estacionamentos cobrados a R$ 20,00, com
pagamento antecipado. No espaço dos shows, além dos ingressos, mesas estavam
sendo comercializadas pelas barracas. A qualidade dos alimentos vendidos a
preços astronômicos não passaria numa
mínima inspeção de Vigilância Sanitária. Qual o interesse do Estado em
cobrar preços tão extorsivos, se todos
já pagamos fielmente nossos impostos ? Isso não arranca da ExploraCrato , como
já vem sendo chamada, toda a sua possibilidade de festa realmente popular
? Uma outra pergunta : A terceirização
de todo o espaço destinado aos shows não
é mais uma agressão ao bolso do contribuinte? Não é por isso que só se
contratam shows de massa , sertanejos e bandas de forró, excluindo, totalmente
grande parcela da população da festividade?
E mais: o Estado, assim, não se está omitindo, totalmente, de fazer
Política Cultural ? Os artistas importantes do Cariri foram totalmente alijados
da festa de alguns anos para cá, hoje
ainda se apresentam no palco da URCA, mesmo assim só até às 23 horas, quando
chega uma ordem para parar tudo, para não prejudicar os péssimos shows que
começarão acontecer no espaço pago . Por
que mesmo as barracas externas que pagaram preços extorsivos não podem
apresentar shows alternativos além das 23 horas? Algumas sofreram pressão da
polícia e tiveram a energia cortada pela desobediência. Muitos cratenses fugiram para o Festival de
Inverno de Garanhuns onde assistiram a shows de Caetano Veloso, Ney Matogrosso,
Zeca Baleiro, absolutamente abertos e grátis. Isso em apenas um dos palcos,
havia inúmeros outros: de Cultura Popular, do Mangue Beat, de música Gospel. O
orçamento do FIG foi de mais de cem milhões de reais, conseguidos em projetos com a Petrobrás, a Caixa Econômica, o Banco do
Brasil , a Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco. Por que não trilhamos os mesmos
caminhos ? Será que interessa aos organizadores ter uma festa realmente popular
e menos excludente ? Pelo andar da carruagem acredito que será questão de tempo
começar-se a cobrar pela entrada no Parque principal, como , inclusive, já vem
sendo feito com o “Berro”. Quem viver, verá ! Um outro ponto importante de discussão é o que fazer do Parque ( velho ou novo), nos
outros 358 dias do ano. Ficará parado, sem outra utilidade, para ser usado
apenas no ano subseqüente? Como utilizar
uma área tão agradável e importante de maneira mais contínua e inteligente ?
Imagino
que todas estas questões são bem mais pertinentes de serem discutidas de que
apenas a mudança ou não do local da nossa Expocrato. De nada adiantam investimentos vultosos , se
antigos erros continuarem a ser cometidos. Estamos , talvez, já tentando
escolher o túmulo mais bonito e vistoso, sem sequer discutir se o moribundo não teria alguma possibilidade de cura.
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