J. Flávio Vieira
Jojó Fubuia se tornara, a custa de muito desvelo e
dedicação, o pau d´água mais famoso de Matozinho. E olhe que isso não era
qualquer conquistazinha, não ! A concorrência não lhe dava trégua. O “Bar do
Giba “ vivia atulhado de pretensos candidatos ao cargo , sem falar nos sítios da
redondeza da cidade, onde o primeiro comércio a ser instalado era sempre uma bodega, com sua cenografia
típica : o balcão , os copos com fundo de lente de aumento, a bandeja de tira-gosto
com siriguela ou caju e o garajau, logo atrás, apinhado com os litros de
aguardente a granel. No frontispício, um pequeno quadro retangular avisando a sempre
adiada venda a prazo :
--“Fiado
só amanhã!”
Nem é preciso adiantar
que este pequeno comércio se transformava
numa verdadeira academia formadora de concorrentes futuros do nosso
Fubuia. Até porque, Jojó nunca fora pinguço com tempo integral e dedicação
exclusiva. Era diarista sim, nas horas vagas, quando escapava, por fim, da
barraquinha de venda de quebra-queixo e mariola que mantinha num dos lados da
Praça da Matriz.
A
fama do nosso Fubuia não vinha apenas da
ingesta quase industrial das canas fabricadas
nos engenhos da região. Passara a fazer parte da paisagem normal de Matozinho.
Virou figura ícone da cidade, principalmente por suas tiradas desconcertantes,
suas irreverência e picardia. Mexer com nosso
cachaceiro, quando do
alumbramento etílico, comparava-se a cutucar marimbondo de chapéu ou inxu
magro: meio caminho para a ferroada inevitável.
As histórias envolvendo o mesmo personagem contavam-se às centenas nas cercanias da Serra da Jurumenha e certamente foram elas que trouxeram
fama ao nosso Fubuia.
Numa
Missa de domingo o Padre Norzinger , vulgo Nó Cego, com a germânica rigidez que
lhe era peculiar, lançava as suas ameaças terríveis para quem não
seguisse ipsis literis o texto evangélico debulhado na homilia. Com seu português engrolado , como se tivesse
sofrido uma congestão, prometia as sempre temidas labaredas do inferno para os
pecadores mais recalcitrantes. E quem, ali, não queria ir para o céu? Quem? --Inquiria ele .
--Levante-se
quem aqui quiser ir para o céu! -- Solicitou , teatralmente, Nó Cego, do alto
do seu discurso tenebroso.
Todos os fiéis, imediatamente,
se levantaram das cadeiras. A única exceção foi Jojó. Com o barulho das chinelas, no levanta-levanta
da platéia, acordou do cochilo, no
último banco da igreja. Ainda andava anestesiado
pela ressaca do porre do sábado. Nó Cego
divisou-o imediatamente, como única exceção à salvação proposta, há poucos minutos e inquiriu-o , veementemente:
---
Tinha que serrr assim, nér seu Jojórr, !
Sórr o Senhorr, alma perdida não querr a salvaçon ! Quando morrerr o senhorr
não querr ir para o céu, non ?
Jojó,
apesar da língua pastosa , não se enrolou:
---
Ah ! Quando morrer , eu quero ! É que o senhor perguntou, assim de repente, quem
queria ir para o céu e eu pensei que vossimicê tava organizando a excursão era pra agorinha
mesmo!
Tantas
e tantas histórias engalonavam o book do nosso deodato que é sempre difícil,
para um simples cronista de Matozinho, escolher as melhores e mais palpitantes. Permitam-me, pois, exercer
essa temível função, sujeitando-me às línguas mais ferinas da vila. Pois aí vai o acontecido com D. Isaurina , uma
das almas mais carolas e recatadas de Matozinho.
Isaurina sempre fora católica praticante,
dessas de não perder missa sob qualquer pretexto. Não bastasse isso,
envolvia-se ainda com a administração da paróquia, estando sempre à frente da
Festa de Santa Genoveva, onde organizava os cordões vermelho e azul , os
leilões, as quermesses. Além de tudo, enfrentava de punho serrado a Pastoral do
Dízimo. Casara-se, há mais de vinte anos, com Juvenal dos Rosários ,
comerciante de produtos religiosos como velas, terços, santos e , claro,
rosários. Os dois tornaram-se a sombra do Padre Arcelino. Pois a história se
passa num fatídico domingo, quando, cedinho, Isaurina se dirigia à igreja para
encetar os preparativos da missa das sete horas. Coroa meio passada, já tendo
perdido as esperanças de um dia ser mãe, engravidara com mais de quarenta anos,
o que considerava uma graça divina. O barrigão empinara e aí vinha ela, já
remando, por volta do sétimo mês. Eis-que , nossa romeira, topa com Fubuia,
capotado no meio da rua, usando o meio fio como travesseiro. Perto do templo,
em pleno dia santo, nossa beata achou aquilo uma afronta e resolveu dar uma
descascada no pinguço. Cutucou-o, com a ponta da sombria que levava na mão, por
diversas vezes, até que Jojó, incomodado, abriu aqueles olhos de peixe morto
para ela. Isaurina passou-lhe o carão:
---
Mas como é que pode, seu Jojó ! Tenha vergonha nessa cara! Capotado de frente à
Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo ! Já sei,já sei ! Isso só pode ter sido é cana e muita !
Fubuia,
com o mundo ainda ciclando seus movimentos de rotação e translação, tentou
olhar, deitado , para a cara da sua interlocutora. A barriga de Isaurina quase
que não lhe permitia observar quem era a
mandona, dona do mundo que ali estava a lhe dar aulas de boa conduta cristã. Quando
, por fim, defrontou-se com a face quase que santificada de Isaurina , sobressaindo-se com dificuldade da
montanha da barriga prenhe, não resistiu :
---
E tu, santinha ! E esse buchão desse tamanho, não tem vergonha , não ? Já sei,
viu ? Isso só pode ter sido é rrrrolaaa e muita !
Isaurina
saiu que o rabo era um rei !
A
mais clássica história do nosso cachaceiro --- e acho que aí, sim, há unanimidade --- aconteceu no templo do nosso
Jojó : O Bar do Giba. Consta que Juventino
lá entrou por mero hábito. Fora, por muitos e muitos anos, da turminha do
quequéu. Tornara-se um dos grandes concorrentes do nosso Fubuia nas artes garrafais. Claro que a concorrência
não era tão fácil : ora, nosso Jojó, era
irmão de um outro grande copo : o Jeová da Palhoça. O mano de Fubuia tinha uma
pequena palhoça, próximo ao Açude do Sabugo, onde vendia bebidas e as entornava
com igual voracidade. Nos meses de inverno, a Palhoça tornava-se o point mais badalado dos deodatos
de Matozinho.
Pois
bem, Juventino , acompanhado de tão má companhia, terminou doente e foi orientado por Janjão da Botica a
abandonar o vício, pois já estava aumentando a barriga e afinando os
braços e as pernas: deve ser barriga d´água, vaticinou o boticário, meio
caminho andado para a terra de pé-junto ! Juju , então, virou crente. Mesmo
assim, não perdeu o costume de andar no Bar do Giba, afinal fora ali que fizera
amigos e não agüentava Bíblia, oração e louvor, toda hora, não ! Naquele dia, quando
Jojó o viu entrar, gritou imediatamente para
Giba:
---
Grande Juju ! Lasque aí uma lapada pra mim e outra para meu amigo , Giba ! Eu faço
questão de pagar !
Enquanto
Giba remexia os copos, Juventino, calmamente, explicou que não estava bebendo
mais , parara de vez. Fubuia, com olhos esbugalhados, não compreendeu aquele
aparente loucura :
---
Tá louco, Juju ? Você não tem mais idade para fazer uma besteira dessas , não !
Tantos anos bebendo e aprendendo e , de repente, parar tudo ? Tu quer é lascar esse fígado, é , Juju
?
Juventino,
então, disse que agora era evangélico, aceitara Jesus, tangera Satanás e não
bebia mais nada. Só água ! E, enfático, fechou questão :
---
Agora, Jojó, eu sou crente, meu amigo. Sou Testemunha de Jeová !
Fubuia,
então, rápido como Bill The Kid, apresentou sua inquestionável defesa das
lindes etílicas:
---
Que besteira é essa, Juju ? Só Testemunha de Jeová ? Eu mesmo sou irmão de
Jeová e bebo pra peste ! O próprio Jeová
, pode ir conferir lá na Palhoça, bebe mais do que nós dois juntos ! E tu é
apenas Testemunha dele ! E garanto que não foi nem intimado ainda prá audiência
! Nãoooo!
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