J. Flávio Vieira
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Morreu do coração ! Pobre do Astrogildo! Dizem que depois daquele molho de
chifres, ele amofinou, afinou o pescoço e, ontem, parece que a raiz dos
bichos cutucou as coronárias e ele ....
pum !
A
mitologia matozense arrolava um sem número de casos de tragédias consumadas por
conta dos saltos de cerca.Capações, homicídios, surras homéricas. Cidade pequena , os segredos tinham muros
baixos. Peripécias amorosas desvendavam-se,
facilmente, ao olhar perscrutador de uma infinidade de fofoqueiras . A
fofoca, aliás, sempre se mostrou um dos esportes mais tradicionais de
Matozinho.
Por
incrível que possa parecer, Serrinha do Nicodemos ficava a pouco mais de vinte
quilômetros dali. Pois lá, existia uma tolerância fora do comum para os casos
de corneamentos. Havia um modernismo de costumes
incompreensível para um cafundó do Judas
daqueles. Diziam os matozenses que em
Serrinha, como todos eram cornos atuais ou em potencial, ninguém podia falar de
ninguém. As cidades circunvizinhas, por outro lado, malhavam o pau :
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“ Em Serrinha, só não reside entre dois cornos, é quem mora de esquina!”
---“Se
der uma chuva de argolas em Serrinha, meus amigos, não cai nenhuma no chão!”
Havia
uma antologia de histórias envolvendo os
cornos mansos de Serrinha. Difícil sempre saber até onde terminava a realidade
e onde começava a ficção. O certo é que
os serrinhenses não se exasperavam com
esses comentários. Aceitavam de bom grado as conversas e aprenderam, eles
mesmos, a rir delas. Até ajudavam a propalá-las . Claro que , em casa, os
forasteiros tinham que manter uma certa conduta. Nada de querer espinafrar
demais o pacífico povo de Serrinha. O cão era quieto , mas nada de cutucá-lo
com vara curta. Pois aqui vão três
dessas histórias que ouvi lá mesmo em
Serrinha, contada por Pedro “Chifre de Ouro”, um magarefe local. Só conto
porque mantenho distância regulamentar.
Serrinha
era detentora de um tipo específico de corno: o Corno Azul. Segundo Pedro, a
gênesis deste espécie deve-se a Generino Penalba. Ele trabalhava na SUCAM e
precisava viajar frequentemente pela zona rural. Graciosa, a esposa, ficava em
casa de melé solto. Há mais de cinco anos,
mantinha um romance firme com
Sitônio, o vigia da rua. Generino, um
dia , soube das marmotas da esposa. Resolveu, então, voltar antes do fim de
semana. Entrou em casa pé ante pé e escondeu-se embaixo da cama. Não tardou
muito a mulher sair da cozinha e abrir a
porta para o namorado. Deitaram-se na cama e começaram o rala-e-rola. Generino, embaixo, sentiu-se incomodado,
agoniado com aquele funga-funga . Pensou em tomar alguma providência, mas manteve-se
firme no posto. Terminado o movimento, Sitônio acendeu um cigarro e conversou
com a amante, com ar relaxado de quem já degustara o fruto proibido:
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Meu bem ! Você gostou ? Eu estava pensando aqui comigo. Seu marido é um sujeito
muito legal, muito compreensivo. Eu estou até pensando em dar um presente para
ele. Vou comprar uma camisa. Você entrega como fosse uma lembrança sua. Qual
será a cor de camisa que ele gosta, hein ?
Antes
que Graciosa adiantasse a preferência do marido, ouviu-se uma voz roufenha,
vindo debaixo da cama, como se fosse alma penada:
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Azullllll !
Zé
Pom-pom trabalhava como jardineiro na casa do prefeito de Serrinha. Passava o dia na cidade e retornava à
tardezinha para um sítio, próximo à
vila, onde morava. Um dia alguém
lhe sussurrou: estava sendo traído.
Quando saía de casa , um sujeito entrava e ficava namorando com a
esposa até o finzinho da tarde. Pom-Pom ficou bravo, zuadou, ameaçou peixeira.
Eles vão ver ! De manhãzinha, saiu para o trabalho e se escondeu, atrás de uma
mangueira. Era outubro, um calor de
derreter tacho de fornalha. Lá para o meio dia, Zé viu o negrão entrando de
casa adentro e fechando a porta. Acercou-se para se certificar do fragrante. Ouviu uns uis
e uns ais abafados e não teve dúvida. Correu, subiu no poste de energia
elétrica da casa e cortou os fios .
Sorridente, olhou para uma pequena platéia que esperava , ansiosamente, o sangue
escorrendo pelo chão e cantou a vingança:
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Taí, bando de filho de uma égua ! Trepem agora ! Quero ver é os pentelhos se
incendiar ! Como esse calor vocês vão é morrer tudo tostado !
Desde
aquele dia, perdeu o Pom-Pom e passou a
ser conhecido como Zé do Poste.
A
última de Serrinha aconteceu na semana passada. Josa é um trabalhador rural ,
morador de um coronel da região. Saiu com uma lata nas costas para pegar água
numa cacimba mais ou menos distante.
Precisava abastecer os potes de casa e as latas da cozinha. Na volta, já
próximo de casa, ouviu um reboliço no mato e uns gemidos. Aproximou-se, com a
lata cheia no ombro , afastou um pouco o
mato e tomou um susto. No chão estava sua mulher pelada, no maior escandelo com
um vizinho, também nas mesmas condições .
Deu um supapo danado e ameaçou:
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Bando de sem vergonhas ! Ói a putaria ! Eu só não jogo essa lata d´água no
lombo de vocês, porque tão com esses
corpos quentes e é capaz de vocês estoporarem ! Joviu ?
Esta
foi uma das vinganças mais terríveis já acontecidas nos anais de Serrinha dos
Nicodemos !
Crato, 03/04/14
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