Recendia um frescor
que se lhe escapava por todos poros. Aquele mesmo que se pressente no primeiro desabrochar
do lírio na primavera ou no amadurecer
do fruto opimo no pomar. Como se a vida explodisse em toda sua fúria, naquele
interlúdio único: entre a promessa do passado e
a perspectiva evanescente do futuro. A mocinha ali estava na Feirinha
da Liberdade e vestia-se do seu despojamento e do seu frescor. Os demais
adereços e penduricalhos, naquela idade, pareciam todos perfeitamente
supérfluos. Um shortinho jeans , um tênis All Star, uma blusinha curta,
deixando antever a barriga tanquinho. O cabelo liso, algo revolto, caía-lhe,
por sobre os ombros, delicadamente, como uma cascata. Os olhos vivíssimos,
negros, observavam, inquietamente, ao derredor, sem se demorarem muito em
qualquer foco, cobrindo, avidamente, os cento
e oitenta graus. A mocinha carregava consigo aquele bulício típico da idade,
como um pássaro , na árvore, tremeluzindo
entre os galhos, arisco, temendo o caçador.
Na
mão esquerda, em concha, estendida na
altura da coxa, a mocinha sustentava um jarrinho com uma orquídea que acabara
de comprar. Com flores de quatro pétalas
brancas, fortemente chamuscadas de lilás
e um tubérculo central rubro, em formato de fechadura, a orquídea enchia os
olhos de quem a visse, olhos já meio
transbordantes pelo frescor da
menina. Havia um pacto tácito entre as duas
imagens que se somavam, tal dois viços que se fundissem e pipocassem: como a fusão dos dois núcleos de hidrogênio na Bomba H. E resplandeciam
na certeza de que o ciclo natural da vida ali se iniciava com todo no seu
fragor. Aquela visão fazia-se única atemporal e eterna. Depois , também para a mocinha e a orquídea,
viriam o verão , o outono , o inverno. As pétalas murchariam, ressecariam e
tombariam pelo solo, prontas para um novo renascimento, para a sucessão de
vibrações regulares e infinitas de um mesmo
pêndulo. Até que
um dia, por fim, a ferrugem do tempo emperraria o pêndulo e subsistirá apenas a lembrança da mocinha, da orquídea
que, como num alinhamento de planetas, um dia se reuniram na Liberdade e
passaram a ser apenas uma entidade una e
resplandecente, imune às traças das horas e à oxidação, aparentemente
inexorável , dos segundos.
J. Flávio Vieira
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