Sobre o atentado à revista humorística Charlie Hebdo na França, com o assassinato do pessoal de sua
redação, incluindo o editor Charb e alguns cartunistas, entre os quais Cabu e o
“Pelé” do cartunismo: Wolinski.
Sobre este atentado.
A razão histórica já tem boas análises do grande historiador
Inglês Eric Hobsbawm. Melhor dizendo, sem desconsiderar as variantes fortuitas
e conjunturais, ele sintetiza a razão, dos dois grandes conflitos mundiais do
século, no liberalismo econômico como uma filosofia totalitária a dominar todas
as instâncias sociais, econômicas e políticas.
Agora se conjure a crise do sistema bancário, o
desmantelamento das proteções sociais na Europa, o problema energético (somos
uma sociedade energizada e pelo petróleo) e mais a velhas rixas religiosas,
étnicas e temos um caldo para ferver. Quem imagina o problema da Rússia com a
Ucrânia como algo isolado, erra por usar antolhos.
Há hoje, anotem nos seus caderninhos, um grande
questionamento dos valores democráticos como construídos após a segunda guerra
mundial. Até animais “demofóbicos”
andam dizendo que o Brasil vive numa ditadura. E dizem isso como forma de
apregoar a ditadura. Para fugir à nau desgarrada da doutrina liberal (laissez-faire) os povos querem
organização política para juntar a todos em busca de soluções.
Esta ação agudiza o campo das disputas políticas. O
liberalismo controla os meios (mídia, finanças e produção), não cederá, mas a
urgência da vida urbana, dependente de dinheiro para acontecer a cada passo que
dar, é inquietante. E aí é que na velha, romântica, racional e brutal Europa o
problema é politizado como em nenhum outro lugar.
Sempre foi assim. Os EUA passaram a grande recessão numa
guerra surda, com levas de miseráveis de um lado para outro nos trens que não
paravam de circular, mas sem nenhuma mudança social que não pelos braços do
governo Roosevelt. Já na Europa foram os movimentos populares, desesperados,
que politizaram a extrema direita, criando o Fascismo (Nazismo) e a fórmula
autoritária.
Este atentando contra o Charlie
é um atentado da extrema direita contra um jornal de esquerda,
progressista, criticava a direita francesa, a ocupação israelense na palestina
e propunha pensar o islamismo como um dado da história. Antes do atentado o
último número da revista tratava de um romance escrito por Michel Houellebecq,
intitulado Soumission, ficção em que
o governo de Hollande ao seu fim apenas encontra a alternativa da Frente
Nacional (de Le Pen, de extrema direita) ou o poder religioso. Aí o escritor
desenvolve uma tese em que para não se deixar a Frente Nacional conquistar o
poder, há um acordo para que o partido islâmico vença.
Então o livro é a construção desta suposta era de domínio político
do islamismo na França sob um clima nada simpático. Por isso o livro é tido como uma linha
auxiliar da campanha de Marine Le Pen da FN. E desse modo gerou uma forte polêmica
e tornou-se capa do Hebdo.
Apenas se passaram 24 horas e muitas coisas serão
esclarecidas ainda. Mas já existem certas evidências. A primeira: fica claro o “profissionalismo”
dos atacantes. É gente fortemente treinada. A ação foi fulminante, rápida,
arrasadora e até quando escrevo este texto, os principais suspeitos não haviam
sido aprisionados. É quase certo que exista uma organização por trás disso
tudo.
O ataque interessa às demandas autoritárias e antidemocráticas.
Interessa à direita francesa. É um estopim para revoltas populares e para
ampliação da xenofobia que já tomou conta de amplos segmentos na Europa. Por
parte do governo se verá um endurecimento que extrai liberdades e favorece
soluções de cúpula ao invés da construção popular. Enfim a vida em Paris hoje
está um pouco mais difícil, especialmente nos ambientes públicos, inclusive o
dos meios de transporte coletivo.
As principais mensagens das autoridades pelo mundo,
Hollande, Dilma, Cameron, Rajoy, Merk e Obama apontam a questão do ataque à
liberdade de imprensa. Mas a questão não é a liberdade específica da imprensa,
mas a liberdade como um valor fundamental do indivíduo e do seu modo de
socialização, culturalmente, economicamente e políticamente. Aí é que mora a
grande questão.
Estaríamos diante de algo parecido com o atentado contra o
príncipe herdeiro da Áustria que desencadeou a Primeira Guerra Mundial?
Acredito que como rumo político estamos, não necessariamente como estopim de um
grande conflito, mas como uma mudança geral na segurança entre as nações, assim
como foram os atentados às Torres Gêmeas.
Algo este atentado diz a respeito de uma realidade em que: “a
metade dos principais projetos de óleo xisto dos EUA fica inviável com as
cotações a US$ 60,00/barril”; “seis anos de ajuste, Europa enfrenta deflação
recessiva, Itália tem desemprego recorde, Alemanha e França assistem a uma espiral
de extremismo xenófobo, Grécia inclina-se para a esquerda, Portugal tem 500 mil
desempregados e Espanha devastou sua rede de proteção social; “no Brasil
indústria automobilística demite mais de mil funcionários.”
*Alahu al Akbar – assim
os atacantes gritaram ao entrar e começar a chacina. Na ocasião a frase parecia
o sentido de evocar a força maior, mas na realidade, como autores da ação, eles
eram o próprio Deus se manifestando.
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