TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

UM OLHAR DIVERGENTE

Nas ruas. Posso ser encontrado além desta tela pelas ruas do Rio. Assim como a Senhor dos Passos. E não passo direto. Vou ao Cedro do Líbano, dizem uma das melhores cozinhas árabes do Rio e, no entanto, pertence a espanhóis há mais de quarenta anos.

Enquanto mastigo com olhares circunvagando pela casa, um olho me fixa. E desvio o meu para não encarar alguém que não conheço. Mas o olho se encontra fixo e, no entanto, ele conversa e come com toda atenção à mesa em que se encontra.

Um olho fixo tem muitos efeitos. Parece acusador e todos os nossos erros, pecados e desvios se tornam réus. Tem imensa força espionaria, querendo desvendar nossas vestes, a idade, os cabelos que não mais se repõem, as rugas que dobram o tempo. Como os promotores da Lava Jato ou o Japonês da Federal, nos vendendo para a manchete que renderá glórias ao repórter e dividendos aos sócios da empresa.

Aquele olho fixo, de estrabismo divergente tinha um ponto em mim e outro no prato. Um ponto no sabor e outro num carro perfurado de balas. Cinco jovens comemorando o primeiro emprego de um deles, metralhados porque é para isso que servem as armas. Destruir vidas.

Jovens favelados. Que não terão a cobertura da mídia tal qual o médico esfaqueado na Lagoa Rodrigo de Freitas. Que não terão justiça porque as metralhadoras continuam soltas apenas num lado da cidade. Lá onde podem disparar sem culpas e punições. Onde o olho fixo da Lei não os atinge e por certo um Pezão cobrirá os rastros da maldade.

E no ônibus um longo papo do passageiro com alguém que muito estica ou se deixa esticar na narrativa que se expõe a quem se encontra na proximidade. Após recomendações para vencer na faculdade e escolher os melhores caminhos da Engenharia, desde a Mecânica, sempre necessária, apesar da economia até ser especialista em cálculos para achar petróleo em águas submarinhas.

E foi aí que, de olhar fixo na outra direção, enquanto ouvia a conversa, surgiu a favela e um jovem médico da equipe de Saúde da Família numa “comunidade” da região, ali por perto onde o ônibus se emperrava no engarrafamento. O jovem médico que adorava o que fazia e ficava além do seu tempo para atender às pessoas e saberem como elas vivem.

“Sabe, ele é meio maluco. Meio doido. Está até pensando em alugar uma casa na comunidade para viver integralmente a realidade da favela. Até se candidatou a ir morar no Amazonas. Lá para bem longe. ”


E o olhar divergente da nossa imensa e desigual humanidade brasileira.  

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