UM OLHAR DIVERGENTE
Nas ruas. Posso ser encontrado além desta tela pelas ruas do
Rio. Assim como a Senhor dos Passos. E não passo direto. Vou ao Cedro do
Líbano, dizem uma das melhores cozinhas árabes do Rio e, no entanto, pertence a
espanhóis há mais de quarenta anos.
Enquanto mastigo com olhares circunvagando pela casa, um
olho me fixa. E desvio o meu para não encarar alguém que não conheço. Mas o
olho se encontra fixo e, no entanto, ele conversa e come com toda atenção à
mesa em que se encontra.
Um olho fixo tem muitos efeitos. Parece acusador e todos os
nossos erros, pecados e desvios se tornam réus. Tem imensa força espionaria,
querendo desvendar nossas vestes, a idade, os cabelos que não mais se repõem, as
rugas que dobram o tempo. Como os promotores da Lava Jato ou o Japonês da
Federal, nos vendendo para a manchete que renderá glórias ao repórter e
dividendos aos sócios da empresa.
Aquele olho fixo, de estrabismo divergente tinha um ponto em
mim e outro no prato. Um ponto no sabor e outro num carro perfurado de balas.
Cinco jovens comemorando o primeiro emprego de um deles, metralhados porque é
para isso que servem as armas. Destruir vidas.
Jovens favelados. Que não terão a cobertura da mídia tal
qual o médico esfaqueado na Lagoa Rodrigo de Freitas. Que não terão justiça
porque as metralhadoras continuam soltas apenas num lado da cidade. Lá onde podem
disparar sem culpas e punições. Onde o olho fixo da Lei não os atinge e por
certo um Pezão cobrirá os rastros da maldade.
E no ônibus um longo papo do passageiro com alguém que muito
estica ou se deixa esticar na narrativa que se expõe a quem se encontra na
proximidade. Após recomendações para vencer na faculdade e escolher os melhores
caminhos da Engenharia, desde a Mecânica, sempre necessária, apesar da economia
até ser especialista em cálculos para achar petróleo em águas submarinhas.
E foi aí que, de olhar fixo na outra direção, enquanto ouvia
a conversa, surgiu a favela e um jovem médico da equipe de Saúde da Família
numa “comunidade” da região, ali por perto onde o ônibus se emperrava no engarrafamento.
O jovem médico que adorava o que fazia e ficava além do seu tempo para atender
às pessoas e saberem como elas vivem.
“Sabe, ele é meio maluco. Meio doido. Está até pensando em
alugar uma casa na comunidade para viver integralmente a realidade da favela.
Até se candidatou a ir morar no Amazonas. Lá para bem longe. ”
E o olhar divergente da nossa imensa e desigual humanidade
brasileira.
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