Um
velho comunista
(Demóstenes
Ribeiro – Médico Cardiologista)
Envelhecido
e cansado, era difícil acreditar que na mocidade aquele senhor tenha
atraído tanto ódio. Anos cinquenta e filho de maçom, a perseguição
vinha de longe. E ele jamais perdoou quem o expulsou do colégio sob
a alegação de indisciplina: - um monsenhor canalha e dedo-duro,
disse com rancor.
Adolescente,
abraçou as ilusões libertárias na Juventude Comunista do Crato, a
campanha do petróleo é nosso e uma fé profunda no socialismo
democrático. Em sessenta e um, participou da campanha da legalidade
e, no PCB, sempre esteve com Jango pelas reformas de base. A essa
altura, era do sindicato dos bancários.
Veio
o golpe militar, ele foi preso e desempregado. Em liberdade, a
direção do partido decidiu que mudasse para Recife e ingressasse na
medicina – seus dotes de agitador seriam importantes na revolta
estudantil da época.
Conviveu
com Humberto Câmara Neto e o AI-5 o pegou na contramão. Abandonou a
faculdade, fugiu com a família e viveu tempos difíceis. Com a
anistia, voltou ao Banco do Brasil, formou-se em direito e hoje está
aposentado.
Sequela
de AVC, bengala e andando com dificuldade, a sua história parecia
inverossímil. Pela camisa entreaberta, eu vi uma cicatriz cirúrgica
- tempos atrás, ele fora safenado. Também tinha uma prótese
ocular. Conta que levara um tiro numa confusão com o capataz de um
fazendeiro durante a invasão de um engenho no início de sessenta e
quatro.
Se
era tudo verdade, valera a pena viver? Ele olhou nos meus olhos e
respondeu com firmeza: nós perdemos, mas o capitalismo não venceu.
Veja os refugiados na Europa, as drogas, as favelas, a violência
urbana, a miséria rural... Eu nunca me arrependi: viva a utopia,
vale a pena sonhar! E até hoje, eles não sossegam. Agora, nem o
Papa, Obama ou os Rolling Stones deixam Cuba em paz.
E o que aconteceu ao
pistoleiro que lhe ceifara o olho? O velho cerrou a fronte e encerrou
a conversa: isso, eu ainda não posso revelar!
(publicado com
cortes no Diário do Nordeste, pg. 2, 5.6.16)
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