TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 5 de junho de 2016

UM VELHO COMUNISTA - Demóstenes Ribeiro (*)

Um velho comunista
(Demóstenes Ribeiro – Médico Cardiologista)
Envelhecido e cansado, era difícil acreditar que na mocidade aquele senhor tenha atraído tanto ódio. Anos cinquenta e filho de maçom, a perseguição vinha de longe. E ele jamais perdoou quem o expulsou do colégio sob a alegação de indisciplina: - um monsenhor canalha e dedo-duro, disse com rancor.
Adolescente, abraçou as ilusões libertárias na Juventude Comunista do Crato, a campanha do petróleo é nosso e uma fé profunda no socialismo democrático. Em sessenta e um, participou da campanha da legalidade e, no PCB, sempre esteve com Jango pelas reformas de base. A essa altura, era do sindicato dos bancários.
Veio o golpe militar, ele foi preso e desempregado. Em liberdade, a direção do partido decidiu que mudasse para Recife e ingressasse na medicina – seus dotes de agitador seriam importantes na revolta estudantil da época.
Conviveu com Humberto Câmara Neto e o AI-5 o pegou na contramão. Abandonou a faculdade, fugiu com a família e viveu tempos difíceis. Com a anistia, voltou ao Banco do Brasil, formou-se em direito e hoje está aposentado.
Sequela de AVC, bengala e andando com dificuldade, a sua história parecia inverossímil. Pela camisa entreaberta, eu vi uma cicatriz cirúrgica - tempos atrás, ele fora safenado. Também tinha uma prótese ocular. Conta que levara um tiro numa confusão com o capataz de um fazendeiro durante a invasão de um engenho no início de sessenta e quatro.
Se era tudo verdade, valera a pena viver? Ele olhou nos meus olhos e respondeu com firmeza: nós perdemos, mas o capitalismo não venceu. Veja os refugiados na Europa, as drogas, as favelas, a violência urbana, a miséria rural... Eu nunca me arrependi: viva a utopia, vale a pena sonhar! E até hoje, eles não sossegam. Agora, nem o Papa, Obama ou os Rolling Stones deixam Cuba em paz.
E o que aconteceu ao pistoleiro que lhe ceifara o olho? O velho cerrou a fronte e encerrou a conversa: isso, eu ainda não posso revelar!
(publicado com cortes no Diário do Nordeste, pg. 2, 5.6.16)






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