TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE
sexta-feira, 31 de agosto de 2007
FORREST LUPEU
1- ESTOU CONVICTO QUE EM 1961 O COSMONAUTA RUSSO YURI GAGARIN DECLAROU POUCO ANTES DE PARTIR EM SUA NAVE COR DE PRATA: “É VERDADE! EU PASSEI PARTE DA MINHA INFÂNCIA EM SANTANA DO CARIRI. FOI LÁ, FUMANDO UM BASEADO E CHUPANDO UMA MACAÚBA...TÃO REDONDA...QUE ME BATEU ESSE INSIGHT DE VIAJAR POR OUTROS PLANETAS.
2- Estou convencido que “child in time” do The purple foi inspirada nos cantos e novenas de barbina city. Acredito que tenho ainda a rolling stone, onde a banda caracteriza a canção como um “bendito song” ou uma “inçelença music”
3- LEMBRO BEM DO DIA EM QUE PAUL McCARTNEY SUBIU O HORTO, OLHOU CÍCERO, E DISSE A FRASE EMBLEMÁTICA: “CABEÇA CHATA IS BEATIFUL”
4- Johny rotten bebia no bar de silvany. Conversava animadamente com manel de jardim em uma linguagem não linear, visceral e barulhenta. As garrafas se abriam sozinhas. As linha brancas eram iguais a belém-brasília: mal feitas e tortas. Tudo era música, protesto, e bom humor. Deus, sabiamente, salvou a rainha.
5- DIHELSON MENDONÇA SEMPRE SOUBE DE TUDO ISSO. FOI LENDO SUAS PARTITURAS ESCRITASEM LATAS DE NESTON RADIOATIVO QUE DESCOBRI AS SENHAS. DIHELSON É DOS MAIS ANTIGOS. ELE, ABIDORAL E GERALDO URANO ASSUMIRAM A PRIMEIRA REGÊNCIA TRINA DE CRATERDÃ CITY.
6- Virgulino ferreira alumiou os céus de new olinda. Foi comerciante. Faliu. Morou em mombaça com um alemão. Fez mímica com joão neto. Desgostou-se. Se mudou pra juazeiro do norte. Um dia, injuriado e de ressaca, fundou a república federativa do cangaço zen. Fumou um com cícero e floro, assinou a não agressão e saiu poraí, declamando poemas de caetano veloso com normando e nicodemos. Dizem que morreu. Duvido. Sei de fonte segura que mora em mauriti. É um próspero negociante. Anda até com celular. Arriba e abaixo.
7- CRATERDÃ. MAURIDÉRNIA. NEW OLINDA. JOTA. BARBINA. SÃO TODAS CIODADES IMAGINÁRIAS. NÃO SÃO FEITAS DE CIMENTO, RUAS, OU PRÉDIOS. ESSAS CIDADES SÃO PESSOAS. SONHOS. MEMÓRIA. AMIZADE, E O MAIS PROFUNDO RESPEITO E AMOR.
1- ESTOU CONVICTO QUE EM 1961 O COSMONAUTA RUSSO YURI GAGARIN DECLAROU POUCO ANTES DE PARTIR EM SUA NAVE COR DE PRATA: “É VERDADE! EU PASSEI PARTE DA MINHA INFÂNCIA EM SANTANA DO CARIRI. FOI LÁ, FUMANDO UM BASEADO E CHUPANDO UMA MACAÚBA...TÃO REDONDA...QUE ME BATEU ESSE INSIGHT DE VIAJAR POR OUTROS PLANETAS.
2- Estou convencido que “child in time” do The purple foi inspirada nos cantos e novenas de barbina city. Acredito que tenho ainda a rolling stone, onde a banda caracteriza a canção como um “bendito song” ou uma “inçelença music”
3- LEMBRO BEM DO DIA EM QUE PAUL McCARTNEY SUBIU O HORTO, OLHOU CÍCERO, E DISSE A FRASE EMBLEMÁTICA: “CABEÇA CHATA IS BEATIFUL”
4- Johny rotten bebia no bar de silvany. Conversava animadamente com manel de jardim em uma linguagem não linear, visceral e barulhenta. As garrafas se abriam sozinhas. As linha brancas eram iguais a belém-brasília: mal feitas e tortas. Tudo era música, protesto, e bom humor. Deus, sabiamente, salvou a rainha.
5- DIHELSON MENDONÇA SEMPRE SOUBE DE TUDO ISSO. FOI LENDO SUAS PARTITURAS ESCRITASEM LATAS DE NESTON RADIOATIVO QUE DESCOBRI AS SENHAS. DIHELSON É DOS MAIS ANTIGOS. ELE, ABIDORAL E GERALDO URANO ASSUMIRAM A PRIMEIRA REGÊNCIA TRINA DE CRATERDÃ CITY.
6- Virgulino ferreira alumiou os céus de new olinda. Foi comerciante. Faliu. Morou em mombaça com um alemão. Fez mímica com joão neto. Desgostou-se. Se mudou pra juazeiro do norte. Um dia, injuriado e de ressaca, fundou a república federativa do cangaço zen. Fumou um com cícero e floro, assinou a não agressão e saiu poraí, declamando poemas de caetano veloso com normando e nicodemos. Dizem que morreu. Duvido. Sei de fonte segura que mora em mauriti. É um próspero negociante. Anda até com celular. Arriba e abaixo.
7- CRATERDÃ. MAURIDÉRNIA. NEW OLINDA. JOTA. BARBINA. SÃO TODAS CIODADES IMAGINÁRIAS. NÃO SÃO FEITAS DE CIMENTO, RUAS, OU PRÉDIOS. ESSAS CIDADES SÃO PESSOAS. SONHOS. MEMÓRIA. AMIZADE, E O MAIS PROFUNDO RESPEITO E AMOR.
Lupeu e a sua palavra
O bróder e escritor do puta livro Entre o Alho e o Sal finalmente deu as caras lá na revista/blog EntreAspas. Além do poema genial, também respondeu a velha e sagaz pergunta que a moçada sempre faz.
Eis o Lupeu Lacerda.
Nada
Apenas uma franca , clara e cristalina constatação. Sequer sobraram margens para dúvidas, nódoas de previsibilidade. Como um raio que fraturasse o firmamento: a rapidez elétrica da faísca, o leve sobressalto e a espera visionária do trovão. Sem maiores divagações, sem alusões científicas, sem a metafísica explicação do inexplicável. Um corpo no meio da sala, o dedo ainda agarrado espasmodicamente ao gatilho, um fio de sangue manchando o tapete, um cartucho ainda fumegante rolado no chão . No ar , um mal disfarçado ar de interrogação, como se para tudo neste mundo houvesse necessidade de um motivo, de uma linear etiologia. Ao redor os móveis e as pequenas coisas do dia-a-dia mantinham um inatingível clima cotidiano. O cigarro posto à beira do cinzeiro ainda deixava escapar a ondulante fumaça . A TV transmitia um programa qualquer, ao que parece adivinhando a falta de espectador. O jornal caído na lateral da cadeira de balanço, estampava uma destas manchetes repetitivas. Os quadros na parede compunham uma paisagem já trivial e gasta. O concreto parecia demonstrar que nada concretamente mudaria no planeta com um ato qualquer, por mais grandioso e abstrato que se apresentasse. De novo , quebrando a unicidade da atmosfera, somente a rubra linha cortando transversalmente o piso, como que apontando para uma direção vaga e ocasional. Não ficaram bilhetes, recados: talvez o ato por si só fosse auto-explicativo, não carecia de legendas. O mundo rotularia a cena de muitas maneiras e a ficção sempre é bem mais brilhante e prenhe que a pobre realidade. Apenas aquele corpo inerte pintado em vermelho no tapete da sala destoava do cansativo ar de mesmice do ambiente. Só.
Em pouco a notícia correrá de língua em língua na fulgurante velocidade da luz. Em alguns corações despertará indisfarçável felicidade, em muitos um forçado estupor e, na maior parte , mera curiosidade. Poucos amigos ,verdadeiramente, se banharão em tristeza: menos por dó e mais pela imperdoável atitude de se haverem queimado algumas estantes da biblioteca de Alexandria daquela geração. A grandiosidade do ato apenas animará as rodas de bar e o jornaleco oral que corre de boca em boca, que é distribuído de língua em língua na fluidez das relações humanas. Algumas lágrimas hão de cair por sobre as flores que comporão futuramente a cena, numa paisagem sul-real e enigmática. É o ritual de passagem para o pó.
Apenas o corpo quebrando temporariamente a unicidade da paisagem do quarto. Do outro lado da janela o mundo corre alheio a tudo. Não sobra tempo para computar as baixas . A Lua nascerá a mesma, o sol ressurgirá com o mesmo brilho e a vida segue indelével sem olhar ao derredor. Apenas a terra ávida abrirá a boca para degustar seu prato preferido : nada. Exatamente a matéria que preenche a superfície do planeta: o vazio, o oco. Aquilo mesmo que o Criador tentou, sem êxito, preencher no primeiro dia da criação. E , exatamente o mesmo que o corpo da sala, feito à divina imagem e semelhança, buscou durante toda a vida, até desistir e voltar àquele lugar de onde nunca saiu , a meio caminho entre a treva e o abismo.
J. Flávio Vieira
Blog Poem
Bárbara de Alencar em Filme
Documentário sobre presa política, Bárbara de Alencar,
é produzido para ser apresentado nas escolas públicas da região
Juazeiro do Norte. Uma personagem da história, primeira presa política do Brasil. A mulher que teve o seu rosto apagado, mas as marcas do seu ideal de liberdade continuam sendo motivo de inspiração, exemplo de luta. Poderá chegar às escolas pelas lentes do documentário “Dona Bárbara”, do cinegrafista e fotógrafo Catulo Teles e a historiadora Alessandra Bandeira. Bárbara Pereira de Alencar, a heroína, alta, de traços fortes, também poderá servir de referencial para o movimento de mulheres da região do Cariri.
Pelo menos esse é o objetivo da historiadora. Ela iniciou a fase de captação de material, com entrevistas a historiadores e intelectuais, além de levantamento fotográfico de Catulo. É um trabalho minucioso, um material farto que será selecionado para compor o documentário e o livro.
A intenção é fazer do trabalho um importante recurso didático para os estudantes do Ensino Médio e Fundamental. “Essa personagem da história não pode passar em branco pelas salas de aula e parece estar esquecida. Hoje, os jovens não sabem quem foi Bárbara de Alencar”, diz Alessandra.
A dupla está atuando sem muito apoio financeiro. A historiadora e o cinegrafista contam apenas com o suporte da Secretaria de Cultura do Crato. O ideal de resgate da vida dessa pernambucana, de Exu, é a grande inspiração. Nasceu na calçada da velha casa onde morou Bárbara de Alencar, onde hoje está localizada a sede da Secretaria de Fazenda. No dia 3 de maio. Foi nessa data, em 1817, que o seu filho, José Martiniano, no altar da Igreja do município, deu o grito de liberdade.
Por oito dias, a única cidade do Ceará decretou a Independência, deu vida à República. Em Pernambuco, o movimento perdurou por 75 dias. Do Crato, Bárbara saiu acorrentada. Apenas o privilégio de não ter seus pés presos aos grilões. Com ela, os filhos Tristão Gonçalves, José Martiniano e Carlos José.
A prisão aconteceu em 1817. No lombo de cavalo percorreu mais de 500 quilômetros até Fortaleza. A líder revolucionária, segundo Alessandra, traz um ideal de vida inato. Uma mulher à frente de seu tempo, que a historiografia brasileira não reconhece como deveria. Não apenas acompanhou os filhos, que traziam um ideário de conquista da Independência para o Cariri, fortalecido pelo movimento contra o Império de D. Pedro I do Pernambuco, mas foi uma força que se uniu a um grupo de homens.
Era ela, a única nordestina a se destacar num cenário explosivo. A viúva, dona Bárbara, teve os bens da família confiscados e foi presa, aos 57 anos. Na prisão, durante quatro anos, e com a mesma roupa, sobreviveu comendo tripas escaldadas e afins. Esteve presa, além da Capital do Ceará, em Salvador e Recife. Ouvia os gritos de dor dos filhos sendo torturados na cela ao lado. Bárbara, de acordo com a historiadora, era uma católica fervorosa. Os seus ideais de luta, mesmo depois de sair da prisão, continuaram, e mais fortalecidos do que antes pelo movimento da Confederação do Equador. Bárbara de Alencar morre aos 72 anos, no refúgio, em 1833 e é sepultada em Campos Sales. Os traços fisionômicos foram esquecidos, ela pode ter sido acusada de ´mulher do padre´ por cada filho ter um pai diferente.
ELIZÂNGELA SANTOS
Repórter
é produzido para ser apresentado nas escolas públicas da região
Juazeiro do Norte. Uma personagem da história, primeira presa política do Brasil. A mulher que teve o seu rosto apagado, mas as marcas do seu ideal de liberdade continuam sendo motivo de inspiração, exemplo de luta. Poderá chegar às escolas pelas lentes do documentário “Dona Bárbara”, do cinegrafista e fotógrafo Catulo Teles e a historiadora Alessandra Bandeira. Bárbara Pereira de Alencar, a heroína, alta, de traços fortes, também poderá servir de referencial para o movimento de mulheres da região do Cariri.
Pelo menos esse é o objetivo da historiadora. Ela iniciou a fase de captação de material, com entrevistas a historiadores e intelectuais, além de levantamento fotográfico de Catulo. É um trabalho minucioso, um material farto que será selecionado para compor o documentário e o livro.
A intenção é fazer do trabalho um importante recurso didático para os estudantes do Ensino Médio e Fundamental. “Essa personagem da história não pode passar em branco pelas salas de aula e parece estar esquecida. Hoje, os jovens não sabem quem foi Bárbara de Alencar”, diz Alessandra.
A dupla está atuando sem muito apoio financeiro. A historiadora e o cinegrafista contam apenas com o suporte da Secretaria de Cultura do Crato. O ideal de resgate da vida dessa pernambucana, de Exu, é a grande inspiração. Nasceu na calçada da velha casa onde morou Bárbara de Alencar, onde hoje está localizada a sede da Secretaria de Fazenda. No dia 3 de maio. Foi nessa data, em 1817, que o seu filho, José Martiniano, no altar da Igreja do município, deu o grito de liberdade.
Por oito dias, a única cidade do Ceará decretou a Independência, deu vida à República. Em Pernambuco, o movimento perdurou por 75 dias. Do Crato, Bárbara saiu acorrentada. Apenas o privilégio de não ter seus pés presos aos grilões. Com ela, os filhos Tristão Gonçalves, José Martiniano e Carlos José.
A prisão aconteceu em 1817. No lombo de cavalo percorreu mais de 500 quilômetros até Fortaleza. A líder revolucionária, segundo Alessandra, traz um ideal de vida inato. Uma mulher à frente de seu tempo, que a historiografia brasileira não reconhece como deveria. Não apenas acompanhou os filhos, que traziam um ideário de conquista da Independência para o Cariri, fortalecido pelo movimento contra o Império de D. Pedro I do Pernambuco, mas foi uma força que se uniu a um grupo de homens.
Era ela, a única nordestina a se destacar num cenário explosivo. A viúva, dona Bárbara, teve os bens da família confiscados e foi presa, aos 57 anos. Na prisão, durante quatro anos, e com a mesma roupa, sobreviveu comendo tripas escaldadas e afins. Esteve presa, além da Capital do Ceará, em Salvador e Recife. Ouvia os gritos de dor dos filhos sendo torturados na cela ao lado. Bárbara, de acordo com a historiadora, era uma católica fervorosa. Os seus ideais de luta, mesmo depois de sair da prisão, continuaram, e mais fortalecidos do que antes pelo movimento da Confederação do Equador. Bárbara de Alencar morre aos 72 anos, no refúgio, em 1833 e é sepultada em Campos Sales. Os traços fisionômicos foram esquecidos, ela pode ter sido acusada de ´mulher do padre´ por cada filho ter um pai diferente.
ELIZÂNGELA SANTOS
Repórter
Arthur Bispo do Rosário
Abelardo de Carvalho
Há uma década(*), precisamente, morria no Rio de Janeiro, no hospital psiquiátrico Juliano Moreira, o negro Artur Bispo do Rosário. Sem receio nem comedimento, é por mim considerado o maior e mais genuíno artista brasileiro. Nenhum outro foi tão profundo na sua pesquisa pessoal. Nenhum outro foi tão universal, tão ilimitado e sagrado. Em tempo: Bispo não esculpiu santos, não decorou igrejas, nem nunca trabalhou com nenhuma espécie de tinta, telas ou cavaletes. A matéria prima de seu trabalho advinha do lixo recolhido no hospital, sucatas, restolhos e trapos de pano, que eram desfiados e posteriormente utilizado em seus bordados.
Artur Bispo do Rosário era, dentre outras coisas, um bordador de obras primas. Passou mais da metade de sua vida trancafiado no Juliano Moreira, mumificando seus objetos pessoais: escovas de dente, talheres, tesouras, etc. As loucuras de Artur Bispo do Rosário não cabem numa simples dissertação, é preciso se deparar com a sua vasta obra para se ter a dimensão de quem foi Artur Bispo do Rosário. Era um artista obcecado por jogo de xadrez, misses e geografia; um artista que, com sua sede de registros, extrapolou as dimensões da pintura e criou fantásticas vitrines com copos de alumínio, pentes de plásticos e objetos variados.
Criado por uma família rica, em Botafogo foi, quando jovem, marinheiro e lutador de boxe. Certo dia recebeu uma mensagem de Deus, de Deus, ele dizia: era o início de seu desequilíbrio mental. Internado, ele logo se intitulou xerife e passou a bater nos companheiros. Ficou recluso numa solitária, onde passou grande parte de sua vida. Segundo Bispo, Deus lhe havia pedido que "Reconstruísse o universo" e "Registrasse a sua passagem aqui na terra". Durante meio século, não fez outra coisa. Para ele, a sua obra era um desejo de Deus, mas para o crítico Frederico de Morais, que o apresentou ao mundo, tudo não passava da mais genuína arte.
Em Belo Horizonte foi criado um Centro de Convivência que leva o seu nome. De certa maneira, ao que parece, é um extensão, no que concerne ao tratamento, do Hospital Pedro II, onde existe o bem sucedido Museu do Inconsciente. Em ambos os casos, os pacientes desenvolvem práticas artísticas e os resultados são surpreendentes. Prova disto, é a exposição que se realiza na Feira de Artesanato do Minascentro, em Belo Horizonte.
Hoje o nome de Artur Bispo do Rosário já correu os quatro cantos do planeta. Os europeus se extasiaram e, desde então, o reverenciam. Sua exposição visitou as principais capitais do mundo. Em um de seus mantos, Artur Bispo do Rosário bordou o nome das mulheres que seriam salvas, por ele, no Juízo Final. Este manto deveria acompanhar-lhe na subida aos céus, cujo desejo não foi atendido. Todos os principais conceitos e seguimentos de arte moderna estão contido na sua obra. É preciso observar que Bispo, sendo interno, estava alienado do mundo e por isso a sua originalidade é incontestável. Quando, em vida, quiseram expor os seus trabalhos, ele foi enfático: "Não faço isto para os homens, mas para Deus".
Artur Bispo do Rosário era, dentre outras coisas, um bordador de obras primas. Passou mais da metade de sua vida trancafiado no Juliano Moreira, mumificando seus objetos pessoais: escovas de dente, talheres, tesouras, etc. As loucuras de Artur Bispo do Rosário não cabem numa simples dissertação, é preciso se deparar com a sua vasta obra para se ter a dimensão de quem foi Artur Bispo do Rosário. Era um artista obcecado por jogo de xadrez, misses e geografia; um artista que, com sua sede de registros, extrapolou as dimensões da pintura e criou fantásticas vitrines com copos de alumínio, pentes de plásticos e objetos variados.
Criado por uma família rica, em Botafogo foi, quando jovem, marinheiro e lutador de boxe. Certo dia recebeu uma mensagem de Deus, de Deus, ele dizia: era o início de seu desequilíbrio mental. Internado, ele logo se intitulou xerife e passou a bater nos companheiros. Ficou recluso numa solitária, onde passou grande parte de sua vida. Segundo Bispo, Deus lhe havia pedido que "Reconstruísse o universo" e "Registrasse a sua passagem aqui na terra". Durante meio século, não fez outra coisa. Para ele, a sua obra era um desejo de Deus, mas para o crítico Frederico de Morais, que o apresentou ao mundo, tudo não passava da mais genuína arte.
Em Belo Horizonte foi criado um Centro de Convivência que leva o seu nome. De certa maneira, ao que parece, é um extensão, no que concerne ao tratamento, do Hospital Pedro II, onde existe o bem sucedido Museu do Inconsciente. Em ambos os casos, os pacientes desenvolvem práticas artísticas e os resultados são surpreendentes. Prova disto, é a exposição que se realiza na Feira de Artesanato do Minascentro, em Belo Horizonte.
Hoje o nome de Artur Bispo do Rosário já correu os quatro cantos do planeta. Os europeus se extasiaram e, desde então, o reverenciam. Sua exposição visitou as principais capitais do mundo. Em um de seus mantos, Artur Bispo do Rosário bordou o nome das mulheres que seriam salvas, por ele, no Juízo Final. Este manto deveria acompanhar-lhe na subida aos céus, cujo desejo não foi atendido. Todos os principais conceitos e seguimentos de arte moderna estão contido na sua obra. É preciso observar que Bispo, sendo interno, estava alienado do mundo e por isso a sua originalidade é incontestável. Quando, em vida, quiseram expor os seus trabalhos, ele foi enfático: "Não faço isto para os homens, mas para Deus".
(*) 1989
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
Esculpindo a si mesmo
Da Série: OS FILÓSOFOS DA BATATEIRA
Mitonho, chupando um rolete de cana, aproxima-se da sombra do pé de cajá. Nela estão Chambaril, João de Barros e Chico Preto. Atrás do grupo o curral de vacas leiteira, com seu único touro holandês com toda a rabugice que lhe é própria.
Sete horas da manhã. Um vento frio vindo do leste através do leito seco do rio batateira dita o ambiente dos dias de meio de ano. O corte de cana já vai adiantado. Os engenhos de rapadura que restam, já trabalham desde a madrugada. Mas os quatro amigos, na falta do que mais fazer, filosofam.
Qual a questão?
Mitonho, apesar de saborear o doce da cana, trazia uma questão um tanto quanto ácida. Vira na revista uma figura em que uma mulher, parecida com uma escultura de pedra, esculpia a si mesma, revelando já, algumas estampas do seu corpo carnal. E sem saber qual motivo o incomodava, trouxera a questão filosófica assim mesmo: um incômodo.
Chambaril não acordara mesmo de bom humor, estava qual o touro do curral e repreendeu o amigo.
- Mais é de lascar mesmo. Onde já se viu trazer uma questão desse modo. Uma foto de revista e um incomodado que não sabe bem porque?
- Mais é de lascar mesmo. Onde já se viu trazer uma questão desse modo. Uma foto de revista e um incomodado que não sabe bem porque?
- Num é mermo? Se fosse uma miséria de fome ou de guerra? Se fosse uma maldade de ladrão, se fosse um desastre, mas uma foto de mulher? – João de Barros queria matar o tema de Mitonho logo na nascedouro.
- Mas a mulher mete o martelo na pedra e quem aparece na escultura é ela mesma. Eu nunca tinha pensado nisso. O artista nunca poderia fazer a ele mesmo, ele só faz a imitação. Ninguém faz você mesmo.
O assunto sofreu um choque de realidade. Os quatro pararam a discussão imediatamente. Socorro, com os cabelos até a cintura, uma roupa de chita quase transparente, passeava no éter como a germinação do planeta. Decantava os ferormônios dos adolescentes num só recipiente. Era o corpo ajuntado do vento, da terra, água e do ar. Era a brincadeira da terra em modos diferentes. Por vezes um passarinho e noutras um fruto cheiroso de cajá. Neste embalo Chico Preto achou o tema de Mitonho.
- Socorro além desta paixão é gente como nós. É sofrimento, é alegria, é abraço aos elementos do mundo e é choro da falta de apenas um deles.Socorro é como esta história de Mitonho. É uma promessa a acontecer, é uma acontecer a prometer.
- Socorro num é de pedra. É carrapeta da natureza, ontem era diferente e amanhã mais ainda de ontem e de hoje. – João de Barros interpretou Chico.
- É verdade ninguém esculpi a si mesmo. A estátua nunca é a mesma. No entanto, uma sombra de igualdade fica acompanhando a pessoa como um anjo da guarda. É justamente esta igualdade que o autor desta fotografia queria achar. Mas não ache ele que as pessoas são escultura final, nunca elas estarão acabadas. Todo tempo ajunta algo e leva um tanto também. Afinal ao tentar nos esculpir a nós próprios sempre há enorme assistência em volta. Nunca somos o artista isolado e guardado até que a obra fique no ponto. A nossa obra é sugerida pelo mundo em volta.
E Mitonho, satisfeito com a manhã, descascou mais duas canas e os quatro ficaram adocicando o tempo a espera de Socorro. Que voltasse carregando a lata d´água na cabeça. Todos na esperança que o transbordo da água caísse no tecido da roupa dela. A água revelasse o que Lady Godiva escondeu sob os cabelos como igual eram aos de Socorro.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Sobre memória e Bytes
No meio de uma conversa sobre poesia, coisa rara nos tempos de hoje, tentei lembrar um poema de Tu Fu, poeta chinês da dinastia Thang ("naquela época cada homem era um poeta"), corajosamente traduzido por Cecília Meireles.
"Vinde! Em redor da minha casa canta
um riacho alegre como a primavera.
Vereis talvez gaivotas,
se o vento se levantar."
Não consegui ir além. A memória traiu-me. Prometi ao meu interlocutor que mandaria o poema completo pelo correio eletrônico.
Para um grego clássico, eu acabara de cometer um sacrilégio, falhando no que era uma das mais importantes qualidades do homem: a memória. Entre a data da realização do Banquete e a sua narrativa por Apolodoro, passaram-se muitos anos, mas não existem dúvidas quanto à exatidão do que é narrado. É difícil para um homem contemporâneo conceber um tempo em que os registros do saber se faziam por outros meios que não fossem os símbolos da escrita ou das imagens. Esse tempo está absurdamente distante de nós. Há tantos recursos para substituir nossa armazenagem de conhecimento, que já não se soma dois mais dois sem o uso de uma calculadora.
A presença de armas e sacrifícios animais, em túmulos do Neandertal, indicam que aquele homem distante já pensava sobre a morte. Só com os primeiros registros escritos temos a certeza desse pensamento. Mas podemos arriscar um palpite de que os feitos da tribo eram guardados na memória e transmitidos de geração em geração. As inscrições rústicas encontradas nas cavernas são as primeiras tentativas de firmar essa memória.
A poesia chinesa da dinastia Thang descende de uma velhíssima poesia de tradição oral, compilada e fixada por Confúcio no Che keng. O Ramayana, livro clássico da tradição hindu, que narra a epopéia de Rama, foi guardado de memória durante séculos, até ser fixado de forma escrita pelos sacerdotes brâmanes. Antes, gerações de jovens se dedicavam, desde cedo, ao duro exercício de guardar algumas das suas muitas partes de cor, exercitando-se durante toda a vida. Para isto, perambulavam pelas aldeias e cidades, declamando as peripécias do Deus e, no tempo preciso da velhice, iniciando novos jovens no mesmo ofício.
Falhei na memorização de umas poucas estrofes. Para redimir-me, transcrevi no correio eletrônico o poema que fala de coisas sem muito significado nos nossos tempos: casa, aléias, regato, ninho de andorinhas. Enviei-o e o amigo não recebeu. Houve uma desconexão na hora da remessa e o poema extraviou-se. Fiz duas novas tentativas e misteriosamente a mensagem não chegou ao destino. Desisti frustrado, querendo a todo custo saber em que memória se guardara os versos de Tu Fu.
Sou um narrador sedentário, segundo a classificação de Walter Benjamin. Os outros narradores, quando existiam narradores, eram os viajantes, os que percorriam o mundo em perigos e aventuras e ouviam as histórias de outros homens como eles. Envelhecidos e cansados retornavam às suas pátrias, narrando seus feitos e aprendizados. Estes se incorporavam à crônica local e enriqueciam o repertório dos sedentários, aqueles que no fundo de uma oficina - ferreiros, sapateiros, ourives -, tinham tempo e paciência para remoer o que fora ouvido, e acrescentá-lo ao que aprenderam da tradição.
O ócio é uma das condições para o aprimoramento da narrativa. E a memória do narrador se depura no ócio. Havia uma outra medida de tempo que se perdeu. Nessa medida não se procurava negar a existência da morte. Através da memória o homem afirmava um princípio e um fim, e todo o espaço que permeia esses dois extremos. Não se buscava eternizar o instante, através do registro da imagem, como faz o homem contemporâneo, na tentativa de negar a morte. Tudo fluía como no rio de Heráclito, que nunca é atravessado duas vezes.
A reflexão sobre a morte é uma das condições inerentes à narrativa e ao narrador. Refletir sobre a morte é ter dela uma memória onipresente. A morte foi banida da vida do homem moderno, que tenta de todas as maneiras escamoteá-la. Não existem mais rituais que ensinem o homem a nascer e a morrer. Quando uma pessoa envelhece e adoece, a família a entrega aos cuidados dos médicos e dos hospitais. Se ela fica muito grave, vai para uma UTI, onde a família tem pouco acesso. E quando morre, é encaminhada dentro de um caixão para um velório, onde rapidamente se providencia o seu funeral.
O sentido de eternidade, inerente à narrativa, existe no universo virtual? Nele, se lida com a idéia de que a memória é exterior a nós, podendo ser reativada ou apagada, ao simples toque de botões. O homem contemporâneo negligencia a sua responsabilidade com a memória pessoal e coletiva. No mundo virtual a memória deixa de ser privada e passa a ser compartilhada, já que todos podem ter acesso a ela. Desaparecem o mistério, os tortuosos labirintos, as possibilidades do narrador preencher os vazios da falta com sua invenção e arte. A memória do computador é rígida, fixa, por mais avançado que ele seja. E faltam à máquina as qualidades de um contador de histórias: o olhar complacente, a boa voz, o bom sentimento.
Desisti de enviar o poema pelo correio eletrônico. Temi uma nova cilada, no estilo dos contos de Poe. Numa tarde de ócio, memorizei os versos de Tu Fu. Quando, num dia qualquer, reencontrar o meu amigo, poderei declamar as estrofes restantes:
"Como jamais recebo visitas, não mando varrer as aléias
do meu jardim. Pisareis num tapete de folhas.
Tereis de desculpar-me pelo modesto almoço que vos ofereço..."
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente e no Site Terra Magazine.
BLOWUP - Leminsky !
O poeta da estranheza
Por Pedro Maciel
“o pauloleminski/ é um cachorro louco/ que deve ser morto/ a pau a pedra/ a fogo a pique/ senão é bem capaz/ o fdp/ de fazer chover/ em nosso piquenique”. Esse texto do poeta curitibano traduz um pouco a vida que levou Leminski (1945-1989). Bebeu em todas as fontes. Escreveu ensaios, letras de música, traduziu Bashô e Homero, exerceu o jornalismo, viveu nos tempos das liberações. Polêmico e inovador. Um autor que se perguntava para que servem os poetas?
Leminski e Ana Cristina César são os dois mais importantes poetas da geração de 70. Geração marginal. Aliás, a maioria dos poetas da geração 70, descobertos pela ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda, não é de bons artesãos, não domina o instrumento e não sabe do que se trata o passado e por isso não levam adiante “o que estava jóia”. São apenas ignorantes, pensava Leminski.
No artigo “Tudo, de novo”, Folha de São Paulo (março de 1983), o poeta anota que “uma das grandes novidades é que o poema ficou portátil. Leve de carregar. Grafitável, numa palavra. Nisso, puxou por vários dos seus avós: Blaise Cendrars, Oswald de Andrade, antropólogos em geral. Ou aquele Drummond angloautomobilístico dos anos 30: Stop./ A vida parou. Ou foi o automóvel?”.
Leminski era como o Fausto de Goethe. Preferiu viver como um estranho. O ex-estranho, Editora Iluminuras, é o título da última coletânea de poemas inéditos. Ainda falta publicar contos, ensaios e uma novela. O poeta multimídia era um estranho em sua própria terra. Um estrangeiro. Um homem do mundo morando no interior do Brasil. No poema o ex-estranho um breve auto-retrato: “passageiro solitário/ o coração como alvo/ sempre o mesmo, ora vário/ aponta a seta, Sagitário/ para o centro da galáxia.”
Leminski esteve no mundo em busca de aventura. O que importava era ter a vida na mão. Saber de cor e salteado os truques pra se levar a vida. Essa vida tão falada e banal. Mas Leminski queria a vida também escrita. Reescritura de vida. Reescreveu as lendas e ecos dos emigrantes poloneses do sul brasileiro. Incorporou a voz sofrida e cantada do povo negro da África. Desta miscigenação nasceu a poesia de Paulo Leminski. Poesia que a gente encontra em toda parte.
Talvez o livro mais impressionante de Leminski seja o Catatau. Texto fragmentado, tendente ao barroco. Fala a língua de James Joyce e Guimarães Rosa. É um rosário de preces contemporâneas do francês René Descartes. O poeta imagina a vinda do filósofo ao Brasil durante o período das invasões holandesas. No livro o filósofo é chamado de Renatus Cartesius e mora na Recife do século XVII. O livro não tem roteiro ou enredo. É uma fábula exemplar. Um livro sem estilo.
Leminski à maneira borgiana recriou muitas fábulas. Reescreveu o mundo que poderia ter sido e não foi. Reinventou o texto para contextualizar, contestar, protestar. O texto de Leminski é quase sempre um protesto. Um pré-texto. Texto que mais parece uma “proesia” sonora, segundo o poeta Carlos Ávila, “cheia de invenções léxicas trabalhadas artesanalmente no melhor sentido joyceano-macarrônico, procurando dar continuidade às conquistas de Oswald, Rosa e Haroldo de Campos, indo muito além dos contistas e romancistas em cena atualmente no Brasil”.
Leminski era um poeta que viveu praticamente à margem em nossos tempos pós-modernos. Poeta de um rigor sintético admirável e ao mesmo tempo caprichoso e relaxado. O poeta que mais se aproxima de Torquato Neto. O Nosferatu. Poeta popular, pop, para tocar no rádio. Leminski homenageou Torquato num belo poema: “Coroas para Torquato/ um dia as fórmulas fracassam/ a atração dos corpos cessou/ as almas não combinam/ esferas se rebelam contra a lei das superfícies/ quadrados se abrem/ dos eixos/ sai a perfeição das coisas feitas nas coxas/ abaixo o senso de proporções/ pertenço ao número/ dos que viveram uma época excessiva”.
Romântico e utópico: ”Vai vir um dia/ quando tudo o que eu diga/ seja poesia”. Leminski era também um poeta com consciência intersemiótica. Vivia com a cabeça ligada no planeta e os pés plantados na terra de nascimento: “Um dia/ a gente ia ser homero/ a obra nada menos que uma iliada/ depois/ a barra pesando/ dava pra ser aí um rimbaud/ um ungaretti um fernando pessoa qualquer/ um lorca um éluard um ginsberg/ por fim/ acabamos o pequeno poeta de província/ que sempre fomos/ por trás de tantas máscaras/ que o tempo tratou como as flores”.
Poemas do livro “O ex-estranho”, Paulo Leminiski
INVERNÁCULO
(3)
Esta língua não é minha,
Qualquer um percebe.
Quando o sentido caminha,
A palavra permanece.
Quem sabe mal digo mentiras,
Vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longíngua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.
Já disse de nós.
Já disse de mim.
Já disse do mundo.
Já disse agora,
Eu que já disse nunca.
Todo mundo sabe,
eu já disse muito.
Tenho a impressão
que já disse tudo.
E tudo já foi tão de repente.
desastre de uma idéia
só o durante dura
aquilo que o dia adianta adia
estranhas formas assume a vida
quando eu como tudo que me convida
e coisas alguma me sacia
formas estranhas assume a fome
quando o dia é desordem,
e meu sonho dorme
fome da china fome da índia
fome que ainda não tomou cor
essa fúria que quer
seja lá o que flor
__________________________________________________
RIMO E RIMOS
Passarinho parnasiano,
nunca rimo tanto como faz.
Rimo logo ando com quando,
mirando menos com mais.
Rimo, rimo, miras, rimos,
como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,
se amar fosse fácil.
Perguntaram por que rimo tanto,
responder que rima é coisa rara.
O raro, rarefeitamente, pára,
como pára, sem raiva,qualquer canto.
Rimar é parar, parar para ver e escutar
Remexer lá no fundo do búzio
aquele murmúrio inconcluso,
Pompéia, idéia, Vesúvio,
o mar que só fala do mar.
Vida, coisa para ser dita,
como é dita este fado que me mata.
Mal o digo e já meu dito se conflita
com toda a cisma que, maldita, me maltrata.
_________________________________________________________
leite, leitura,
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo,
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura
___________________________________________________________
Trevas.
Que mais pode ler
um poeta que se preza?
__________________________________________________________
depois de muito meditar
resolvi editar
tudo o que o coração
me ditar
__
______________________________________________________
Poemas do livro “Caprichos & Relaxos”, Paulo Leminski
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro do meu centro
este poema me olha
____________________________________
parar de escrever
bilhetes de felicitações
como seu eu fosse camões
e as ilíadas dos meus dias
fossem lusíadas,
rosas, vieiras, sermões
_____________________________________
Poemas do livro “Polonaises”, Paulo Leminiski
um poema
que não se entende
é digno de nota
a dignidade suprema
de um navio
perdendo a rota
_______________________________
para a liberdade e luta
me enterrem com os trotskistas
na cova comum dos idealistas
onde jazem aqueles
que o poder não corrompeu
me enterrem com meu coração
na beira do rio
onde o joelho ferido
tocou a pedra da paixão
__
____________________________________
lembrem de mim
como um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça
______________________________________
Poemas do livro “Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase”, Paulo Leminski
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
_____________________________
entro e saio
dentro
é só ensaio
________________________________
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
_____________________________
confira
tudo que respira
conspira
_________________________
parem
eu confesso
sou poeta
cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
parem
eu confesso
sou poeta
só meu amor é meu deus
eu sou o seu profeta
_______________________
Poemas do livro “Ideolágrimas”, Paulo Leminski
na rua
sem resistir
me chamam
torno a existir
__________________________________________
esquentar numa fogueira
o frio que sinto
ao contemplar estrelas?
_______________________________
cabelos que me caem
em cada um
mil anos de hailkai
__________________________
Poemas do livro “SOL-TE”, Paulo Leminski
nem toda hora
é obra
nem toda obra
é prima
algumas são mães
outras irmãs
algumas
clima
___________________________________
se
nem
for
terra
se
trans
for
mar
_________________________________
Dois poemas publicados em jornais
M, DE MEMÓRIA
Os livros sabem de cor
Milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
PLENA PAUSA
Lugar onde se faz
o que já foi feito,
branco da página,
soma de todos os textos,
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica,significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todos gritam,
pálidas de tanto.
____________________________
5 Poemas de Bashô traduzidos por Paulo Leminski
acende a luz de leve
eu lhe mostro uma beleza
a bola de neve
do orvalho
nunca esqueça
o branco gosto solitário
o mar escurece
a voz das gaivotas
quase branca
casca oca
a cigarra
cantou-se toda
velha lagoa
o sapo salta
o som da água
___________________________
Carta de Paulo Leminski para Régis Bonvicino; do livro "Uma carta uma brasa através”
(1976-1981)
out / 77
EPÍSTOLA A RÉGIS
Paulo, pequeno irmão,
da pequena cidade de Curitiba,
ilha de certeza
cercada de pequenos problemas por todos os lados,
a Régis, grande irmão,
na grande cidade de São Paulo,
cercado por um grande problema
.....................................
pare de se lamentar
como uma velha carpideira siciliana
esse teu medo de ter secado tua fonte de poesia
é apenas para nos deixar preocupados
eu já te disse
PARA SER POETA
TEM QUE SER MAIS QUE POETA
v. tem que ser um monte de outras coisas mais
senão daonde?
v. vai acabar fazendo literatura de literatura
v. tem que esculhambar mais
pintar por fora das molduras
EXISTENCIALMENTE
esculhambe-se vire-se altere dê alteração
considere a possibilidade de ir pro Japão
rejeite o projeto de felicidade
q a sociedade te propõe
eu sei
você é paulista
mas ser paulista não é tudo
rompa
fique mais irregular
seja mais inconveniente
é a linguagem que está a serviço da vida
não a vida a serviço da linguagem
a linguagem vem
sai na urina
acontece
fazer poemas não é a coisa mais importante
mas para quem faz é
e tem que ser assim
o signo é nosso destino
nossa desgraça e nossa glória
uma aranha sempre sabe
que depois desta teia
virá outra teia e outra teia e outra
uma aranha não duvida
v. vê
não há pressa: Mallarmé deixou meiadúzia de coisas
augusto idem
não se importe com q a freqüência/ a fecundidade
/a abundância
uma década pode esperar um bom poema
[Publicado no caderno “Idéias/Livros”, Jornal do Brasil, 07 de dezembro de 1996]
Pedro Maciel é autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil.
E-mail: pedro_maciel@uol.com.br
Rolos Compressores
Meu coração é um sólido objeto de borracha. Dentro tem dois pregos de vidro dolorosos e indignos. Pego esse objeto e, enquanto ele resiste com unhas e dentes, consigo escondê-lo com grande dificuldade na gaveta onde guardo ocultamente palavras e histórias do país das bicicletas. Não temo nem a virgem portadora do falo nem o homem de olhos peludos que sobe e desce a escada em trevas. Conheço desde criança o espelho das flores. Canto a glória dos rolos compressores, recito o saldo das garrafas enquanto a minha coruja de papel diz dentro dela - com o seu funil - precisamente a palavra "estrangeira".
[Eggonópoulos, do livro Não fale com o motorista. Tradução: José Paulo Paes]
Fonte : Site CRONÓPIOS
Moderatrix Cariri na Alemanha
Imagens do Cariri transcendem fronteiras
Fotógrafo natural do Crato, Dada Petrole, leva imagens do Cariri
em trabalho de conclusão de curso sobre Design
A inspiração nas raízes culturais da região caririense resultou na elaboração do documentário fotográfico “Moderatrix Cariri”. O projeto é de autoria do fotógrafo cratense Dada Petrole. Há vários anos ele mora na Alemanha, mas é um apaixonado pela cultura de sua terra natal. O trabalho vem recebendo críticas positivas no país germânico, desde o lançamento das fotografias. A meta do artista plástico e fotógrafo é publicar o livro, um catálogo cultural do Cariri, até o final do ano, em alemão e português.
As raízes do Nordeste remetem à criatividade do Cariri como centro. As modelos, personagens mais importantes dos ensaios, foram escolhidas criteriosamente nos lugares menos apropriados para a ação. O ambiente inspira uma moda diferenciada, incorporada à elaboração de cada detalhe dos figurinos. A cultura, a tradição, alguns acontecimentos históricos e a questão social da região são os aspectos inseridos na pesquisa e concepção do trabalho de Dada Petrole.
Criação exclusiva
Os figurinos usado foram exclusivamente criados para esse projeto e elaborados com base em materiais alternativos, com uma ligação na história a ser contada. Distancia-se de valores e padrões da moda tradicional e invade um mundo abstrato experimental em suas linhas, cores, matéria-prima e composições.
Segundo o autor, todas as histórias incluídas no livro são contadas através da fotografia de moda, em forma de série fotográfica, incluindo uma foto por história. O fotógrafo se responsabiliza em apresentar o Cariri de uma simbiose entre o “glamour” de uma moda conceitual, porém num ambiente sem maquiagem.
Mundo real
O livro apresenta diversas facetas entre a estética da moda e a valorização da originalidade e fidelidade para com o mundo real, encontrado no solo e imaginário popular do Cariri. “Esse trabalho pode ser visto como um guia cultural da região. As fotos usadas reproduzem características do Nordeste brasileiro”, descreve.
O Cariri, de acordo com Dada Petrole, é uma das poucas regiões do mundo onde as manifestações culturais brasileiras resistem ao mundo da tecnologia, da globalização e da modernidade. Destaca a grande importância resgatar esses valores, além de denunciar questões sociais presentes na região. “Esse trabalho dá a chance de imortalizar esses aspectos caririeses e contribuir tanto para a aceitação e continuação dos seus valores, como serve para tentar denunciar alguns absurdos impregnados nos costumes dos povos do Cariri, como a queimada e o lixo mal administrado”, diz.
Design da Mídia
O livro Moderatrix Cariri está escrito em alemão e português e foi concluído há três semanas. É uma obra exclusiva, porém pronto para ser publicado em editora ainda a ser contactada pelo fotógrafo, após ele encontrar uma empresa que atue entre os dois países, Alemanha e o Brasil.
O projeto de Dada Petrole faz parte de um trabalho final de conclusão do curso superior de Design da Mídia, especialização em fotografia pela escola superior da Alemanha “Fachhochschule Münster FB Design”. Foi nomeado como o segundo melhor trabalho do ano daquela universidade.
Na publicação do mês de setembro, o catálogo será apresentado na revista alemã especializada em design e fotografia “Designers Digest”, dando ênfase à importância inovadora desse trabalho.
Em novembro, o Moderatrix Cariri será exposto na cidade de Berlim. Após algumas entrevistas sobre esse projeto que estão marcadas na mídia alemã, esse trabalho tomará rumo a publicação e posteriormente será lançado no Brasil e outros países da Europa.
São 40 ensaios fotográficos, realizados em cidades como Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Jardim, Nova Olinda, Santana do Cariri, Assaré, Caririaçu e Jati. Cada cidade com a sua especialidade e contribuição para a o complexo da região do Cariri.
Entre os temas inseridos, estão a religiosidade popular, engenhos de cana-de-açúcar, irmãos Aniceto, os pequizeiros, Fundação Casa Grande, Patativa do Assaré e as tradicionais vaquejadas, entre outras manifestações culturais.
Mapa de cidades
O livro é dividido em capítulos, que por sua vez são as próprias localidades. Para se chegar até uma cidade é necessário verificar onde se localiza no mapa do Ceará, por isso os gráficos estão presentes nesse trabalho. Auxiliam o apreciador orientado em que lugar ele agora se encontra, ou seja, cada cidade tem o seu mapa geográfico dentro do Cariri.
Cada capítulo/cidade traz consigo um mapa gráfico e um texto apresentando aquele lugar de uma forma cultural, social, tradicional e histórica. Cada ensaio fotográfico é acompanhado de um texto que fala sobre o lugar, o objeto ou a pessoa. O que a fotografia representa, mas sem em nenhum instante referir-se a imagem.
ELIZÂNGELA SANTOS ( Do Diário do Nordeste 29/08/07)
Repórter
Mais informações:
Dada Petrole
Fotodesigner
Küstrinweg 40, 48147 Münster
petrole@gmx.net
WALT WHITMAN
"Walt Whitman é considerado pela crítica mundial o maior poeta da literatura norte-americana. Sua obra-prima Folhas de relva (1885) é um dos pilares das letras modernas. Nela Whitman introduziu o verso livre e o tratamento poético das coisas cotidianas, dos progressos técnicos, da vida nas cidades e, com total franqueza, o sexo.
" Ao longo de quase quatro décadas, o autor trabalhou continuamente no desenvolvimento de sua famosa obra, até torná-la em um volume com mais de 500 páginas.
" Nos últimos anos, vem crescendo, em toda parte, a popularidade do poeta, especialmente após a exibição do filme Sociedade dos Poetas Mortos, em que um carismático professor revoluciona os métodos de ensino em um colégio conservador, declamando trechos de um dos mais famosos poemas de Folhas de Relva: " Ó Capitão! meu Capitão!"
" Só agora, depois de cento e treze anos após a morte de Whitman, é publicada, no Brasil, a edição completa de Folhas de Relva."
(Texto da contracapa da edição brasileira de Folhas de Relva,
Editora Martin Claret, 2005)
- X -
Alguém se julgou afortunado por ter nascido?
Apresso-me a informá-lo ou informá-la que morrer é ter a mesma sorte, e disso tenho ciência.
Passo pela morte com aquele que morre e pelo nascimento com o nascituro,
e não estou contido entre o meu chapéu e minhas botas.
E examino muito os objetos; mas não há dois que sejam idênticos e todos são bons,
A Terra é boa e as estrelas são boas, e seus adjuntos são bons.
Não sou uma Terra nem o adjunto de uma Terra,
Eu sou o parceiro e o companheiro dos povos, todos tão imortais e insondáveis como eu sou
(eles não têm ciência de sua imortalidade, mas eu tenho)
Cada tipo para si e para aquilo que é seu, para mim o meu macho ou minha fêmea,
Para mim os que foram meninos e que amam as mulheres,
Para mim o homem orgulhoso que sabe a dor de ser desprezado,
Para mim a moça amada e a velha solteirona, para mim as mães e as mães das mães,
Para mim lábios que já sorriram, olhos que verteram lágrimas,
Para mim as crianças e aqueles que geram crianças.
Descortinai-vos! Não sois culpados para mim, nem caducos, nem descartados,
Eu vejo através da lã e do algodão pelo sim e pelo não,
E estou próximo, tenaz, ambicioso, incansável, e não posso ser afugentado.
Walt Whitman
Tradução:
Luciano Alves Meira
terça-feira, 28 de agosto de 2007
Viagem a Mauridérnia (Back to the Home)
Geraldo Urano chegou dizendo que tinha um pessoal querendo falar com a gente, adiantando tratar-se de um seqüestro de menor e que nós éramos suspeitos. Estranhei, mas ele disse para não preocupar-me. Estava sentindo uma vibração positiva naquele inusitado encontro.
Na sala do hotel, esperavam-nos um jovem casal e um senhor de meia idade, recém-chegados de Petrolina. Apesar de apreensivos, foram bastante educados.
A mulher contou-nos que sua irmã tinha desaparecido há cerca de dois anos. Ou melhor, tinha fugido com outra garota. Um affair, na certa. Desde então, a família estava desesperada. Mandou imprimir panfletos com a foto da garota e o telefone de contato. Na noite anterior, recebera um telefonema de um caminhoneiro, de um posto de gasolina próximo a Mauriti, dizendo que a tal garota estava lá, ébria, na companhia de dois homens. O caminhoneiro deve ter sondado onde estávamos hospedados, mas não lembrávamos de nada.
Mostraram-nos o panfleto com a foto da garota. Realmente, parecia com Jackie. Dissemos que a garota que estava conosco não era aquela, apesar de parecida com ela. Eles não se deram por vencidos e pediram para ver Jackie. Atravessamos a rua e fomos até a casa da vó de Jackie. Eram cerca de dez horas. O sol estava alto e quente, muito quente. Jackie ainda estava dormindo. Pedimos para acordá-la. Passaram-se alguns minutos e Jackie apareceu, descabelada, cara de ressaca, de camisola, olhar furioso por terem lhe acordado, sem saber patavina do que acontecia.
O pessoal deve ter ficado desapontado, pois naquela situação Jackie não parecia em nada com a tal garota. Concordaram que tinha sido um equívoco. Pediu-nos desculpa pelo incômodo. Parecia desolado.
Geraldo, percebendo a situação, contra atacou. Foi pegar uns livros no Hotel, já se apresentando como poeta. Deu um livro para cada um, com dedicatórias propositivas e amáveis. E mais: apesar de já estarmos, de novo, sem dinheiro algum, convidou a todos para um almoço no restaurante do Posto Papai Noel, na BR 116, próximo dali. Providencialmente, o pessoal disse que aceitaria o convite desde que pagasse a conta.
Fomos os seis, espremidos no carro, com o pessoal já mais tranqüilo e conformado; descontraído até, e rindo com as tiradas filosóficas de Geraldo. Foi um lauto banquete, regado a cerveja. Geraldo, solto como nunca, declamando e cantando músicas cujas letras eram suas.
Perto de três da tarde, nos despedimos do pessoal como se fóssemos velhos amigos, com beijos e abraços.
Os três de Petrolina seguiram viagem e nós decidimos pegar a estrada também. Afinal, considerando a sucessão de eventos em tão pouco tempo, até parecia que estávamos há um longo tempo longe de casa.
E para não perder o clima on the road, e por estarmos de novo sem dinheiro, voltamos de carona. Cansados, bêbados e felizes.
Na sala do hotel, esperavam-nos um jovem casal e um senhor de meia idade, recém-chegados de Petrolina. Apesar de apreensivos, foram bastante educados.
A mulher contou-nos que sua irmã tinha desaparecido há cerca de dois anos. Ou melhor, tinha fugido com outra garota. Um affair, na certa. Desde então, a família estava desesperada. Mandou imprimir panfletos com a foto da garota e o telefone de contato. Na noite anterior, recebera um telefonema de um caminhoneiro, de um posto de gasolina próximo a Mauriti, dizendo que a tal garota estava lá, ébria, na companhia de dois homens. O caminhoneiro deve ter sondado onde estávamos hospedados, mas não lembrávamos de nada.
Mostraram-nos o panfleto com a foto da garota. Realmente, parecia com Jackie. Dissemos que a garota que estava conosco não era aquela, apesar de parecida com ela. Eles não se deram por vencidos e pediram para ver Jackie. Atravessamos a rua e fomos até a casa da vó de Jackie. Eram cerca de dez horas. O sol estava alto e quente, muito quente. Jackie ainda estava dormindo. Pedimos para acordá-la. Passaram-se alguns minutos e Jackie apareceu, descabelada, cara de ressaca, de camisola, olhar furioso por terem lhe acordado, sem saber patavina do que acontecia.
O pessoal deve ter ficado desapontado, pois naquela situação Jackie não parecia em nada com a tal garota. Concordaram que tinha sido um equívoco. Pediu-nos desculpa pelo incômodo. Parecia desolado.
Geraldo, percebendo a situação, contra atacou. Foi pegar uns livros no Hotel, já se apresentando como poeta. Deu um livro para cada um, com dedicatórias propositivas e amáveis. E mais: apesar de já estarmos, de novo, sem dinheiro algum, convidou a todos para um almoço no restaurante do Posto Papai Noel, na BR 116, próximo dali. Providencialmente, o pessoal disse que aceitaria o convite desde que pagasse a conta.
Fomos os seis, espremidos no carro, com o pessoal já mais tranqüilo e conformado; descontraído até, e rindo com as tiradas filosóficas de Geraldo. Foi um lauto banquete, regado a cerveja. Geraldo, solto como nunca, declamando e cantando músicas cujas letras eram suas.
Perto de três da tarde, nos despedimos do pessoal como se fóssemos velhos amigos, com beijos e abraços.
Os três de Petrolina seguiram viagem e nós decidimos pegar a estrada também. Afinal, considerando a sucessão de eventos em tão pouco tempo, até parecia que estávamos há um longo tempo longe de casa.
E para não perder o clima on the road, e por estarmos de novo sem dinheiro, voltamos de carona. Cansados, bêbados e felizes.
John, Paul, George, Ringo e... Brian
Há 40 anos morria Brian Epstein, empresário que desempenharia papel fundamental para que o mundo viesse a conhecer uma pequena banda de rock inglesa chamada The Beatles
Começo de história: “Eles eram pobres, e eu não era rico. Mas nós todos festejamos com rum, uísque e coca-cola, mistura que estava se tornando uma espécie de ‘drink beatle’ já naquela época”. Palavras de Brian Epstein sobre as tentativas de conseguir gravadora para uma promissora banda inglesa em início de carreira, registradas na coletânea de seis CDs “The Beatles Anthology”. Material que reúne sobras de estúdio e versões alternativas de faixas do grupo que, mais de 35 anos após o fim de suas atividades, segue encantando ouvintes de várias gerações mundo afora. Falecido aos 32 anos, em 27 de agosto de 1967, Epstein já teria garantido seu lugar na história da música popular por ter participado de forma decisiva da carreira dos Beatles, viabilizando a expansão do público e o fenômeno da beatlemania de Liverpool para a Inglaterra, para a Europa, para os Estados Unidos, para boa parte do mundo.
Seus méritos se ampliam, porém, ao se levar em conta sua contribuição para a própria invenção do “showbizz”, desenhando, ainda nos anos 60, muitos dos caminhos de divulgação massiva da música popular que se mantêm até hoje, como a articulação entre a venda de discos pelas gravadoras, a divulgação nas grandes emissoras de TV e rádio, a produção de videoclipes, a rodagem de longas-metragens para cinema, a realização de shows em turnês internacionais e o desenvolvimento do “merchandising” com diversos produtos relacionados aos artistas (vide, por exemplo, as famosas perucas dos Beatles, vendidas não apenas como souvenirs, em um tempo em que ter cabelo grande significava rebeldia e resistência). Não só musicalmente, mas também em todos esses pontos os Beatles inovaram. Com o devido crédito àquele que os empresariou até 1967, atravessando os anos do olho de furacão da beatlemania, descritos pelo guitarrista George Harrison como capazes de esgotar o sistema nervoso de qualquer um.
De família de origem judaica, Brian Epstein começou a trabalhar com música, depois de ter almejado carreiras como o estilismo e o teatro, como gerente de uma loja de discos e instrumentos, a NEMS, fundada por seu avô, Isaac Epstein. Também escrevia artigos sobre música para o jornal Mersey Beat, antes de, já como empresário dos Beatles, protagonizar a lenda pela qual teria comprado do próprio bolso centenas de cópias do primeiro compacto da banda, para aumentar o interesse pelo grupo. Mitos à parte, o disquinho com duas composições de Lennon e McCartney chegou ao 17º lugar das paradas e ajudou Brian a abrir portas mais ambiciosas para o grupo, dali por diante. Depois dali viriam “Please please me”, “From me to you”, “I wanna hold your hand” e vários outros singles “número 1” para os rapazes de Liverpool.
A loja de discos foi decisiva inclusive para que Brian viesse a conhecer os Beatles. Diante da demanda de um cliente por um compacto com a música tradicional “My Bonnie”, gravada na Alemanha pelo cantor Tony Sheridan com os Beatles como grupo de apoio, Brian, que já tinha lido um artigo sobre a banda no Mersey Beat, procurou saber mais sobre o grupo e foi assistir a seu show no mítico Cavern Club, em novembro de 1961. Impressionado com a música, mas também com o carisma dos rapazes e sua influência sobre o público, Brian não demorou a se oferecer para empresariar a banda.
Rock de terno
A influência de Brian sobre os Beatles começou a se fazer sentir na busca de uma maior profissionalização da banda, incluindo sua apresentação visual. Não sem alguma resistência, John, Paul, George e Ringo trocaram as jaquetas de couro pelos ternos hoje tão associados à “primeira fase” dos Beatles, que vai até 1966, ano em que o grupo renunciou em definitivo à loucura dos shows e das turnês. Consciente desde então da importância da imagem, Brian conduziu à sua maneira os rapazes às engrenagens do showbizz.
Por mais paradoxal que possa parecer hoje em dia, penou para encontrar gravadora que se interessasse pelo grupo, chegando a ouvir de um funcionário de uma delas que grupos de guitarra estavam acabados. Apesar de várias gravadoras terem rejeitado os Beatles, a porta na cara mais famosa foi batida pela Decca Records, em que os Beatles gravaram, sem sucesso, uma demo hoje conhecida por colecionadores e fãs mais atentos. Essa mesma demo foi levada ao selo Parlophone, integrante da EMI, onde um produtor musical chamado George Martin identificaria o potencial da banda. Ao longo da década de 60, Martin faria pelos Beatles dentro dos estúdios o que Brian Epstein fez fora deles, produzindo dezenas de sucessos e levando o rock’n roll a transcender a condição de simples música de consumo para o público juvenil. Consolidado o sucesso dos Beatles, Brian passou a ser mais e mais requisitado como empresário, trabalhando com grupos como Gerry & the Pacemakers e Billy J. Kramer & The Peacemakers, além da cantora Cilla Black. Artistas que muitas vezes eram atrações de abertura em shows dos Beatles. Deixaria sua história registrada também em depoimento reunido no livro “A Cellarfull of Noise”.
Saindo de cena
A decisão dos Beatles em parar com os shows e procurar aperfeiçoar sua música em estúdio, a partir de meados de 1966, foi um evidente baque para Brian Epstein, tendo em vista que atingia diretamente o trabalho do qual se encarregava, como empresário, organizando as turnês. Com registro de uso de drogas já desde alguns anos, o empresário chegou a se internar em uma clínica para tentar se livrar do vício em anfetaminas e remédios. Enquanto os Beatles curtiam a onda do psicodelismo e da descoberta dos romances astrais e das coisas do Oriente, passando uma temporada na Índia com o guru Maharishi Mahesh Yogi, receberam a notícia do falecimento de seu empresário, encontrado morto em seu quarto.
O laudo oficial atestaria “morte acidental” por overdose de remédio para insônia. Encerrava-se ali um capítulo fundamental da história dos Beatles, que, fundando a Apple Records para lançar seus discos dali por diante, enfrentariam problemas como empresários de si mesmos, apressando o desgaste que levou à dissolução do grupo, em 1970. Já eram, porém, um fenômeno mundial. Em parte, graças a Brian Epstein.
DALWTON MOURA
Repórter
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Zabumbeiros Cariris - Reportagem no DN
Os Zabumbeiros Cariris:
totalmente produzido na região, primeiro disco do grupo registra composições há três anos na estrada
Antes ou depois do show, a terreirada é de lei. Quebrando a distância entre artista e platéia, os músicos caririenses descem do palco e transformam qualquer chão em terreiro. Pife, percussão e muita disposição, em uma homenagem às primeiras bandas cabaçais, que tocavam somente pífaro e zabumba e eram conhecidas, indistintamente, por zabumbeiros cariris.
Batizando o grupo em homenagem a essas bandinhas que tanto os influenciaram, sete músicos, em sua maioria de Juazeiro do Norte, deram à luz o grupo Zabumbeiros Cariris, que, em novembro próximo, festeja cinco anos de atividades e está lançando seu primeiro CD. Reunindo 15 músicas, entre composições de seus integrantes e de outros autores contemporâneos da região, o disco de estréia procura fotografar o som dos Zabumbeiros, tecido entre a tradição dos ritmos populares e a busca de novos elementos e sonoridades.
“O Zabumbeiros vem de uma ONG, de um projeto social no nosso bairro, São José, em Juazeiro, feito com crianças pequenas trabalhando com música. Eu coordenava, junto com Franco Barbosa, o Morada, Movimento Raízes do Cariri. Hoje a ONG acabou, mas o grupo ficou e foi se aperfeiçoando, definindo a proposta de pesquisar os grupos de raiz e conhecendo mais, acrescentando outras sonoridades”, conta Amélia Coelho, cantora e percussionista, acrescentando, sobre a origem da musicalidade inata ao grupo: “Quando começou era pau e corda. Pífanos, um violão e o resto percussão, que era o que todo mundo sabia tocar. Aí a gente foi aprimorando, veio rabeca, cavaquinho, viola, tudo que já tinha na musicalidade daqui, e a gente foi reunindo no trabalho, trazendo forte essa coisa da banda cabaçal, dos reisados, a realidade musical de onde a gente veio. Pra gente era simples fazer isso, porque já tava na gente. A gente vê isso na rua aqui em Juazeiro direto. É quatro romarias por ano e é sagrado a gente estar na rua, tocando no meio do povo, descendo as ruas, fazendo cordão”.
Essa intimidade com a vertente mais tradicional da cultura popular é analisada por Luciano Brayner, violonista, flautista e integrante do grupo há cerca de três anos, como uma característica que não se confunde com repetição ou imitação. “Zabumbeiros é muito chita, muito chão, muito terreiro. A gente é muito influenciado pela tradição, mas tem consciência também de que não é interessante que a gente copie a tradição, até porque ela tá aí, viva, incorporando caminhos, se transformando. A sonoridade que a gente produz já remete a essa tradição, e a gente deixa claro que a gente é inspirado por eles, mas a gente não é tradição mais”, delimita.
De formação acadêmica em música, Luciano ressalta que esse diálogo entre música e tradição sempre aconteceu no Brasil. “Nos últimos 15, 20 anos houve uma mudança, por vários fatores. A tecnologia barateando, a possibilidade de você fazer seu trabalho localmente, como esse disco, que foi todo feito no Cariri. Você não precisa se deslocar do seu quintal pra produzir o seu biscoitinho. Mas o cenário da MPB sempre foi beber na cultura popular, com o coco de roda do Recôncavo Baiano em Caetano e Gil, a congada de Minas em Milton Nascimento, com Edu Lobo, Tom Jobim, Chico Buarque. E antes, Villa-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri... Tanto eruditos quanto populares sempre foram beber nesses elementos da cultura popular”, relaciona, comparando: “Nos anos 60 eles faziam essa música com essa influência, e os mestres permaneciam desconhecidos, brincando na periferia. Hoje em dia há valorização desses mestres, uma certa visibilidade pra eles, embora ainda aquém do que se merece”.
Do palco ao disco
Colocando-se como “veteranos“ em um grupo formado ainda por Haarllem Resende (o zabumbeiro propriamente dito), Michel Leocaldino (violão, caixa e pandeiro), Evânio Soares (rabeca, pífano e viola), Flauberto Gomes (pandeiro, caixa e zabumba) e Fabiano Félix (percussão e efeitos), Amélia e Luciano afirmam que foi um desafio transpor para o disco a musicalidade dos Zabumbeiros, que acontece plenamente no palco. “Pra entender a banda realmente, tem que ver o show, que tem uma energia que mexe muito com as pessoas. De repente o cara se sente tocado e começa a girar, a agitar. Esse ritmo forte é muito latente nas pessoas, na gente, principalmente, que vem de uma coisa de muito tempo. Aqui ouviu uma zuadinha, um batuquezinho, a negada já ta se bulindo”, diz Amélia. Luciano concorda: ´Tem gente que fala que gosta mais do show que do disco. Tem a ver, porque a natureza do grupo, o disco não capta totalmente, assim como acontece com outros grupos que fazem essa música popular contemporânea, trabalhando com elementos de raiz. Valorizamos muito a interação nos shows, a relação com o público é fundamental, e talvez possa ser melhor transmitida futuramente nos próximos discos, ou em um DVD”, cogita.
Em compensação, Brayner destaca o aprendizado trazido durante a produção do disco e a possibilidade de incorporação de outros sons nesse trabalho. “Foi uma primeira experiência pra gente, porque o grupo inclusive é muito novo, tem uma meninada... A gente não tinha essa experiência de estúdio ainda. E procuramos utilizar alguns instrumentos que a gente não conta sempre, com convidados”, aponta, sobre o álbum que conta com participações de Genival do Cedro, Ermano Morais, João Neto, Carol Barros, Antônio Queiroz, Geraldo Júnior, Francisco Di Freitas e do ex-integrante Beto Lemos, multiinstrumentista e compositor, hoje no grupo Carroça de Mamulengo. “A gente tentou equilibrar, trazer alguns dados novos, com a presença dos convidados nos dando a chance de fazer algo diferente do que a gente faz no palco. Tivemos também a felicidade de trabalhar em casa, com Ibbertson (Nobre, pianista e arranjador), amigo nosso, vendo a melhor maneira de gravar cada coisa, os desafios da parte técnica”, credita.
Da tradição a novas canções
O repertório do disco, viabilizado com apoio da Universidade Regional do Cariri e da Fundação de Desenvolvimento Tecnológico do Cariri, é formado por canções que o grupo já trabalhava no palco há pelo menos três anos. “A gente abre com uma música inspirada na tradição e fecha realmente com uma música da tradição, com um novo arranjo nosso”, enfatiza Luciano, sobre, respectivamente, “Pecinha pra meu amor”, de Amélia e Beto Lemos, e “Amado Rei”, música tradicional do reisado de congo caririense.
Entre uma e outra, a diversidade dos Zabumbeiros salta aos ouvidos, com o instrumental forte da banda aplicado a criações de novos compositores caririenses. Geraldo Júnior, ex-integrante do grupo Dr. Raiz, assina “Num truvejo de vontade”, “Mistério Vento”, “Jangada aérea” e “Sina de tocador”. De outro jovem compositor, Ermano Morais, o grupo registra “Culé de mexe doce”, declamada pelo poeta, e “Pra agoar meu coração”. Já Luciano Brayner traz “Aurora” e “Casa de Badzé”, enquanto Amélia e Beto Lemos também apresentam “Santa cruz do deserto” e “Louro de foto”, com Beto presente ainda em “A pisada de Ana” e na parceria com Evânio Soares em “São José”.
A base rítmico-percussiva é, sem dúvida, o atrativo do grupo logo de cara, como se pode constatar facilmente pela receptividade do público nas apresentações de seus cocos, baiões, maracatus e músicas que trafegam por esses e outros gêneros. Uma audição mais atenta do disco revela, porém, outros aspectos, como a opção por camas harmônicas em que se sobressai o violão e por vezes a sanfona, o cuidado com os vocais em que se destaca o timbre natural de Amélia, a rabeca e a flauta valorizando as melodias. E, o mais importante, a qualidade da maior parte das canções, capazes de dar identidade ao disco, evitando o cansado “regional pelo regional”. Músicas que, mesmo com o pé fincado no chão de temas tão caros ao Cariri, guardam um lirismo capaz de ser compreendido - e apreciado - por um público maior.
Do Cariri a Fortaleza
Com o disco saindo do forno, o grupo tem planos de viajar para divulgar o novo trabalho, mas aponta dificuldades. “Aqui no Cariri a gente já tocou muito. Queremos muito ir em Fortaleza, mostrar que a gente é um grupo que tá saindo aqui do Cariri e chegando lá, pra gente também poder manter um vínculo. A gente aqui tão aberto, os braços desse tamanho pra receber o povo, mas pra chegar lá é uma dificuldade”, compara Amélia, citando que os próprios integrantes da banda cuidam de todas as tarefas relacionadas à produção.
Por sua vez, Luciano amplifica a questão, apontando a necessidade de uma ponte entre as cenas de Fortaleza e do Cariri, para um reforço da própria identidade da cultura cearense, aqui e fora do Estado. “Pernambuco fez isso de forma mais consistente e, se você observar no Brasil inteiro, cada lugar tem sua cena. O Cariri tá construindo a sua, e acho que o Ceará como um todo também. Mas há uma distância ainda muito grande entre o Cariri e Fortaleza, que não é de quilometragem. Essa distância precisa ser quebrada, pra fazer uma cena mais consistente. Pra isso é preciso apoio da mídia e do poder público. A gente percebe que houve esse apoio onde essa cena existe de modo mais consistente”. Que o som contagiante dos Zabumbeiros possa, então, ajudar nessa empreitada.
Serviço: Zabumbeiros Cariris.
Disco do grupo musical cearense. 15 faixas.
Lançamento independente.
Disponível mediante contato com o grupo, pelo e-mail zabumbeiros@yahoo.com.br ou pelo fone 88-9208-0847.
Além do site oficial da banda, www.zabumbeiroscariris.com.br, é possível ouvir 12 das 15 faixas do disco em www.palcomp3.com.br.
DALWTON MOURA
Repórter
Um Conto a Mil Mãos ( o que se escreveu na semana passada)
Na parede um relógio centenário tictaqueava insistente. Marcava 18 h, em ponto!
Magicamente, Dona Cândida surgiu no corredor , com seus passinhos pequenos, corpo frágil, mas ainda requebrado, destarte os registros do tempo. Cabelo prateado de lua, cheirinho de lavanda ingleza,vestido de fustão estampado, sapatos leves de "moleca".Apertou os olhinhos para olhar os entrantes, e esboçou um sorriso tímido e franco! Estendeu a mão,quando Deusa fez as apresentações,e sugeriu, prosa, em cadeiras na calçada!
Há que se acreditar em mistérios! sabia não? minha mãe dizia: "cândida, há magia em tudo nessa terra". eu acredito nela. ainda ouço ela quando o relógio bate na sala.
sabe o mistério da praça do cristo? é lá que as coisas aconteciam...
Enquanto isso, um cheiro delicioso de café, no ar se espalhava...
- Filoooooóó...café e tapioca, pra todo mundo!
E quem resiste a um cafézinho torrado em casa, e tapiocas com nata? Goma da serra...nova,bem alvinha!
Deusa achou que chegara o momento de explicar pra vó, o intento do rapaz...Na voz mais sedutora, advogou a causa: Vó, Randulfo deseja que a sra. leia a sua sorte´.Já lhe disse que , jôgo de cartas, tem que ser marcado, e tomei a liberdade de agendar...Na próxima lua cheia...ficou combinado! Ele está curioso em conhecer seu velho álbum de fotografias...Nutre a esperança de esclarecer trajetórias de vidas de alguns dos seus antepassados!
Súbito, uma porta range no corredorzinho lateral da casa que dá prum jardim florido. A porta se abre e... surge Brigite, uma gata preta ,de olhos verdíssimos, acompanhada de Ayloã...A visão parecia ter fugido de um conto de fadas... A cigana carregava um ramalhete de rosas, entremeado de "sorriso de Maria e avencas".Tinha o cor-de-rosa da tarde, misturado com o luar de agôsto , já salpicado, nos seus cachos.Fiava um deles, enquanto cantarolava, uma samba canção de Bororó..."Você tem boniteza/ e a natureza foi quem agiu/com esses olhos de índia/ curare no corpo/ que é bem Brasil..."
Foi acordada do seu enlevo, pela voz firme e suave de Mãe Candinha...Ô menina, pra onde você pensa que vai?
- Ôoo Vó... já esqueceu que hoje começa a festa de Nossa Senhora da Penha? Não quero perder a procissão do pau da bandeira...Quero devoção e festa, "Quando setembro vier"...Viver tudo que tenho direito: comer todas as "porcarias" que vendem na praça( filhóes,charuto, paçoca e baião...); me divertir nos brinquedos do parque... ver o mundo, sem entrar no avião!
E a reza, onde fica? Só quer saber de divertimento essa moça, gente! É namoradeira que faz gosto!
Depois do pito na cigana, Dona Cândida se voltou prá Ranulfo e fez uma pergunta que parecia estranha prá todos.
- E Batistina, tá com saúde?
Batis...tina?
meu deus!como é que a porra dessa velha sabe da existência de Batistina?
- Batistina tá bem agora. ela vinha tendo umas tonturas, caiu, quebrou a bacia. mas tá bem, e só perde a lucidez vez por outra. é quando ela diz que a coisa metade cavalo metade homem alado apareçe pra ela. mas com os remédios ela vai ficar boa se deus quiser.
- Batistina não precisa de remédios! e o ser que vai visitá-la é real. morador da pedra encantada da batateira.
Gargalhadas!!! A gente não presta.Sorri da desgraça dos outros.Mas, o que dá pra rir dá pra chorar..já dizia o poeta!
Os loucos riem juntos...Deusa e Ayloã correram pros fundos da casa,soltar o riso, antes que mijassem nas calças. O riso as vezes é frouxo...como o vento,como a boca,como o sentimento, como a água da bica, no quintal!
Ba..tis..tina! Em quais águas,a moça foi batizada?
Dona Cândida ficou atônita com a revelação de Ranulfo. Confundira Ranulfo com um dos bisnetos da sua amiga Batistina que não via fazia muito tempo. Séria, fitou o rapaz com seus olhos miúdos lacrimejantes:
- É, Batistina atrai o sofrimento pra si quando poderia dividir com os outros! Tem gente assim no mundo, sabia rapaz?
Tem gente que não divide a dor, mas divide o pão da alegria.Tem gente que, simplesmente não opera, nas fundamentais expressões do dia a dia...Fica perdida num mundo complexo e imaginário.É um elemento estranho,um ponto solitátio, no conjunto da realidade!Todo mundo vive esta experiência... um dia!
Mas tudo passa.Como passa o dia, a noite, e chega a madrugada...
A rua da "Saudade" adormece...O apito do guarda acorda gatos, que se enfeitiçam, nos telhados...E chega a hora da Aurora...Uma deusa de vestido rosa...
É dia de festa.Novena de Nossa Senhora...A banda toca;uma voz canta...Os sinos dobram...Agora o barulho é de fogos...e de passarinhos...
(para tomar conhecimento de como tudo começou, se faz necessária uma visita ao arquivo das semanas anteriores)
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Alguns objetivos do Cinema Americano
Antes de tudo. Como toda expressão de arte, o cinema americano produziu filmes que se destacam nos séculos XX e XXI. Analisando as entranhas da nação, adaptando grandes contos e romances, o cinema americano, pela força financeira e a estrutura internacional de distribuição, foi o mais destacado entre os países. Qualquer lista dos melhores das referidas épocas tem muito mais que a metade originária de Hollywood. Aliás, este centro se tornou referência de modelo de produção.
Agora aos objetivos. Um objetivo central do cinema americano é a propaganda do sistema capitalista, especialmente o papel relevante que a nação teve e tem no seu estágio mais avançado, o imperialismo. Embutido na propaganda do "American Way Of Life" ou na crítica contundente aos seus adversários no mundo como as ditaduras fascistas da Europa e a Guerra Fria contra a União Soviética. Diga-se de passagem, que o horror ao comunismo foi uma tônica permanente de seu cinema, enquanto a virulência contra o fascismo foi seletiva, especialmente quando estiveram em guerra contra o chamado eixo. Não foram poucas as produções simpáticas ao fascismo e contundentes contra os republicanos no caso Espanhol, a título de exemplo do que foi seletivo.
A propaganda na frente interna se destaca no cinema americano. Durante a primeira e a segunda guerra mundial, especialmente nesta última, o cinema virou peça clara, dirigida, recortada em linguagem de marketing político, em defesa do esforço de guerra. A massificação da propaganda passou por todos os estilos de cinema, do musical explicitamente ao cinema de época, como o cowboy e capa e espada, implicitamente. Outro fato dirigido à frente interna, mas com enorme repercussão na frente externa, foi o cinema que mitificou a fundação da nação. Uma verdadeira Odisséia, em vários capítulos foi sendo construída no cinema americano entre os séculos XX e o início deste XXI. O pioneiro livre, heróico, fundador de uma unidade de produção e da geração de renda. Lutando contra todos, ingleses, franceses, espanhóis, índios e, principalmente os mexicanos, este cinema glorifica a ocupação territorial da grande nação de Leste até o Oeste. Como sempre trazendo a modernidade através da máquina de ferro e do projétil de chumbo sobre os nativos. È o cinema, também, da glorificação da arma de fogo. Da arma que mata a distância e evita o contato corporal.
Poucos instrumentos de arte foram tão pedagógicos como o cinema americano. Foi um cinema para ensinar a fumar e a parar de fumar. Foi um cinema para enquadrar as mulheres trabalhadoras do esforço de guerra nos anos quarenta a voltarem para os lares nos anos cinqüenta. Foi o cinema que tentou, até quanto pode, defender o mundo interiorano, a família, a religião e a educação. Neste cinema se vêm discussões sobre hábitos e estilos de vida, sobre ameaças externas ao indivíduo. Como um cinema do American Way of Life, o indivíduo contra o mal, contra os poderosos que o ameaçam, contra organizações criminosas, o indivíduo como glória heróica de uma realidade sempre melhor.
No presente alguns símbolos temáticos se destacam. A necessidade de controlar o tempo, por exemplo. O cinema americano viaja no tempo, para frente e para trás, busca no passado e no futuro a cura para os males de hoje. Conte quantas histórias neste sentido você já assistiu nos últimos anos. Outro tema é o do trabalho. Fruto, talvez, do avanço do emprego nos anos 90 e início dos anos 10 do século XXI, o cinema americano destaca o trabalho. Quantas vezes não ouvimos a palavra JOB, dita no mais genuíno sotaque dos guetos, das gangues, a destacar o Job como uma necessidade transcendental mesmo que para assassinar e corromper alguma regra social. Outro tema, camuflado em estilos diferentes, é a carnificina, a mortandade ampla, geral e irrestrita. Com o desenvolvimento dos efeitos especiais a estética do sangue e da mutilação de corpos se multiplica em sensações, nojos e horrores. Irmã gêmea destes horrores, é uma espécie de cinema de pesadelo, com perseguições irracionais, um anônimo perseguidor e um certo perseguido, em carros, motocicletas, barcos, aviões, a pé, com tantos veículos quanto possíveis de perseguição. Mesmo quando os perseguidores e perseguidos são conhecidos a estética é a mesma. Enfim, o cinema americano, dos últimos anos, grosso modo, se despolitizou. Não consegue mais uma obra que analise nem as entranhas da nação e nem o seu papel exterior. Mesmo como no caso de um recente filme sobre a cidade de Juarez, sede das chamadas empresas maquiadoras que se instalaram na fronteira entre o México e o Estados Unidos, para aproveitar o NAFTA, o cinema americano se politiza. E esse é um tema essencialmente político. Com a finalidade de narrar a morte, por estupro, de jovens operárias das tais empresas maquiadoras, ele apenas passa pela periferia da precariedade das relações de trabalho, valoriza perseguição de automóveis em galpões desertos, os filtros de luz e cor da paisagem mexicana, as cenas longas e detalhadas do estupro. Enfim, não consegue abordar o mundo real e realizar a crítica do presente.
Agora aos objetivos. Um objetivo central do cinema americano é a propaganda do sistema capitalista, especialmente o papel relevante que a nação teve e tem no seu estágio mais avançado, o imperialismo. Embutido na propaganda do "American Way Of Life" ou na crítica contundente aos seus adversários no mundo como as ditaduras fascistas da Europa e a Guerra Fria contra a União Soviética. Diga-se de passagem, que o horror ao comunismo foi uma tônica permanente de seu cinema, enquanto a virulência contra o fascismo foi seletiva, especialmente quando estiveram em guerra contra o chamado eixo. Não foram poucas as produções simpáticas ao fascismo e contundentes contra os republicanos no caso Espanhol, a título de exemplo do que foi seletivo.
A propaganda na frente interna se destaca no cinema americano. Durante a primeira e a segunda guerra mundial, especialmente nesta última, o cinema virou peça clara, dirigida, recortada em linguagem de marketing político, em defesa do esforço de guerra. A massificação da propaganda passou por todos os estilos de cinema, do musical explicitamente ao cinema de época, como o cowboy e capa e espada, implicitamente. Outro fato dirigido à frente interna, mas com enorme repercussão na frente externa, foi o cinema que mitificou a fundação da nação. Uma verdadeira Odisséia, em vários capítulos foi sendo construída no cinema americano entre os séculos XX e o início deste XXI. O pioneiro livre, heróico, fundador de uma unidade de produção e da geração de renda. Lutando contra todos, ingleses, franceses, espanhóis, índios e, principalmente os mexicanos, este cinema glorifica a ocupação territorial da grande nação de Leste até o Oeste. Como sempre trazendo a modernidade através da máquina de ferro e do projétil de chumbo sobre os nativos. È o cinema, também, da glorificação da arma de fogo. Da arma que mata a distância e evita o contato corporal.
Poucos instrumentos de arte foram tão pedagógicos como o cinema americano. Foi um cinema para ensinar a fumar e a parar de fumar. Foi um cinema para enquadrar as mulheres trabalhadoras do esforço de guerra nos anos quarenta a voltarem para os lares nos anos cinqüenta. Foi o cinema que tentou, até quanto pode, defender o mundo interiorano, a família, a religião e a educação. Neste cinema se vêm discussões sobre hábitos e estilos de vida, sobre ameaças externas ao indivíduo. Como um cinema do American Way of Life, o indivíduo contra o mal, contra os poderosos que o ameaçam, contra organizações criminosas, o indivíduo como glória heróica de uma realidade sempre melhor.
No presente alguns símbolos temáticos se destacam. A necessidade de controlar o tempo, por exemplo. O cinema americano viaja no tempo, para frente e para trás, busca no passado e no futuro a cura para os males de hoje. Conte quantas histórias neste sentido você já assistiu nos últimos anos. Outro tema é o do trabalho. Fruto, talvez, do avanço do emprego nos anos 90 e início dos anos 10 do século XXI, o cinema americano destaca o trabalho. Quantas vezes não ouvimos a palavra JOB, dita no mais genuíno sotaque dos guetos, das gangues, a destacar o Job como uma necessidade transcendental mesmo que para assassinar e corromper alguma regra social. Outro tema, camuflado em estilos diferentes, é a carnificina, a mortandade ampla, geral e irrestrita. Com o desenvolvimento dos efeitos especiais a estética do sangue e da mutilação de corpos se multiplica em sensações, nojos e horrores. Irmã gêmea destes horrores, é uma espécie de cinema de pesadelo, com perseguições irracionais, um anônimo perseguidor e um certo perseguido, em carros, motocicletas, barcos, aviões, a pé, com tantos veículos quanto possíveis de perseguição. Mesmo quando os perseguidores e perseguidos são conhecidos a estética é a mesma. Enfim, o cinema americano, dos últimos anos, grosso modo, se despolitizou. Não consegue mais uma obra que analise nem as entranhas da nação e nem o seu papel exterior. Mesmo como no caso de um recente filme sobre a cidade de Juarez, sede das chamadas empresas maquiadoras que se instalaram na fronteira entre o México e o Estados Unidos, para aproveitar o NAFTA, o cinema americano se politiza. E esse é um tema essencialmente político. Com a finalidade de narrar a morte, por estupro, de jovens operárias das tais empresas maquiadoras, ele apenas passa pela periferia da precariedade das relações de trabalho, valoriza perseguição de automóveis em galpões desertos, os filtros de luz e cor da paisagem mexicana, as cenas longas e detalhadas do estupro. Enfim, não consegue abordar o mundo real e realizar a crítica do presente.
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