TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Um conto a mil mãos

(o que foi escrito na semana anterior)


Um quintal exuberante.Muro coberto de "simpatia", um pé de abacate, canteiros de ervas, coqueiros, a beleza de uma velha laranjeira, e acácias...folhas de acácias, soltas no terreiro!
Ayloã, acomodada numa rêde, abre o livro de memórias, e, num só fôlego, lê os primeiras registros, e mergulha na vida de Sauska.
Agosto 1951/58
Nasci na Rua das Laranjeiras.
Aos dois anos de idade, minha família mudou-se para a Rua da Pedra Lavrada, e lá ficamos por 5 longos, breves anos!
Rotina diária:
O relógio da Matriz, badala de meia, em meia hora...Ainda madrugada, a casa acorda."O belo Antonio", com pouco mais de 60 anos, acende o fogo de lenha, e "passa" o primeiro café: quente e forte! Ferve o leite e com arrozina faz o mingau das meninas: Sauska e Mônica. Dá uma espiadela em Santana, que já desperta, reza o rosário da Imaculada Conceição, enquanto clareia o dia... São cinco terços e uma série de ladainhas.Na sequência, passa o lenheiro, o padeiro, o leiteiro e o verdureiro.
-Olha o pequi... a banana prata... o cheiro verde... a massa puba... e a cana caiana!
Chegam as mulheres da Batateira que por uns tostôes ajudam na lida da casa...São todas comadres: Joaquina, Rosa e Joana.
Uma lava os pinicos; outra assume o pilão, e a outra varre o chão - nêle dá uma aguada pois teto sem fôrro e piso de tijolos não dispensam vassoura de palha e água pra assentar a poeira.
Seu Antonio é quem cuida da carne. Mata e trata a galinha; prepara o torresmo, a buchada, a linguiça, o sarapatel, o fígado, e até o chouriço...Ninguém sabe fazer do seu jeito, nem melhor!
Santana é a senhora dos doces em tachos de bronze; dos biscoitos de goma em palha de banana; dos sequilhos, brevidades...

A casa, completamente musical.
Seu Antonio assovia "Delicado"; Alf canta "Renúncia" de Roberto Martins;Teresa com voz de soprano, no banho de cuia, interpreta "Babalu"; Santana canta - enquanto cata arroz na arupemba-"Perdão, Emília"; Nora, embalando as filhas, solfeja uma canção de ninar... " Boi, Boi, boi...Boi do Piauí..."; Lourdes canta Linda Batista, e espera o carteiro chegar; Joana no tanque, lembra em toda altura, um sucesso de Cauby..."Conceição"; Francisco na sanfona de madrepérola, executa La Comparsita ou Petite fleur; na vitrola da sala,
Chico Viola em " Cinco letras que choram"; no rádio de pilhas: a novela de rádio, a voz do Brasil, o jôgo de futebol e o programa de auditório; na amplificadora de rua: A lenda do Beijo e o Guarani!
Nas calçadas, brinquedos e folguedos: cantigas de roda, patinetes, velocípedes, pula-corda, pião, bola de gude, chibiu, bruxas de pano,bonecas que andam, baladeiras, cabra-cega, cinturão-queimado, a brincadeira do anel, esconde-esconde...
Todos saltitantes...
Ciranda,cirandinha...
O meu chapéu tem três pontas
Noite fria, tão fria de junho...
O Natal já vem, vem, vem vem...
E assim o tempo passa, os velhos morrem, e a gente cresce!

Em 1955, a primeira escola: Externato 5 de julho(Dona Anilda Arraes, como Diretora ,e Dona Quintina, a primeira professora). Bom lembrar a festa de Agôsto da Associação de Comércio.
Pedro Felício Cavalcante, do Banco Caxeiral era o Presidente. Minha tia fazia os pastéis... sequinhos, recheados com carne de porco e azeitona.Havia o baile tradicional, que por ser criança, eu nunca fui!
Telma Saraiva era a fotógrafa oficial de todas as famílias.
Décio Cartaxo, Ossian Araripe e Jose Horácio Pequeno fôram os Prefeitos da época pelo partido do velho Filemon Teles: a UDN!
Era engraçada a época das eleições. O povo brigava na política. Família e amigos se estranhavam...Ou você era udenista ou pessedista.Na minha própria casa, os votos eram divididos e, a partir dessa divisão, convivi com muitos conflitos. Besteira, esta paixão política, que alterava os ânimos, provocava brigas, e até intrigas!
Em 1955, a primeira sessão de cinema.Matinê no Cine Moderno, pra assistir "Branca de Neve e os Sete Anões".Ingressos a dez tostôes.
"Eu vou, eu vou...pra casa agora eu vou!" Um desenho animado de Walt Disney.
Em 1956 morre o Belo Antonio, de aneurisma.Foi um dia de juízo.Ele era amado demais.Com ele fôram-se as balas de mel com umburana, os tostões para comprar perulitos...Partia o mais habilidoso artesão da região.Na hora do entêrro, alguém levou a criançada para brincar no Parque municipal... Calada, catei carrapêtas, nos pés de eucaliptus...Naquele dia eu perdi a meninice !Minha casa perdeu a música, o cheiro de rapé, os latidos de Tupã, e os vestidos coloridos de Santana.No guarda-roupa de cedro, os seus ternos! Caqui era a sua cor favorita!
Quem passou a consertar o relógio da Praça da Estação, a fazer bolas
de bilhar para o Bar Ideal, a fazer com folhas de flandre mil objetos artísticos ou utilitários ...? Isso eu nunca soube!
Alfredo assumiu a chefia da família.Entrou em depressão. E a nossa vida por uns meses, mudou de situação.
A velha vitrola ficou muda...Nenhum samba canção. Quando a música me fazia falta, eu cantarolava no quintal e chorava muitas vezes, com razão ou sem razão.
Ô jardineira, por que estás tão triste/Mas o que foi que te aconteceu...
A vida não tinha conseguido quebrar o meu rádio de pilhas!
Em 1958, dois anos depois, estávamos morando numa casa de sobrado, no bairro do Pimenta.Quase que deserto, na época.Além da nossa , apenas umas três ou quatro casas. Mas tinha o Tênis Clube por perto. Manhãs de domingo. Partilhávamos das matinais dançantes...De olhos fechados dancei bolero, tango, dancei mambo...Mambo Espanha!
Meu mundo encantado de sonhos e poesias se descortinara...Era a síndrome de Cinderela...e eu tinha apenas sete anos!

Na década de 1950, pensou Ayloã, o mundo ainda temia as guerras. Hoje é Sete de Setembro. Escuto o ruflar de tambores...O povo brinca de desfiles militares e nisso não vejo nenhuma graça. Prefiro acreditar que a terceira guerra mundial, acontece no coração da gente, no dia a dia...e a paz reina, concomitantemente!
Em tempos passados, a gente já sabia quando a manhã terminava, quem ganhara o primeiro lugar no desfile: O Estadual ou o Diocesano? E a baliza? Quem era a garota mais bonita?
Não sei o que fazer das noites...Se Dihelson, Abidoral, Salatiel, Cleivan, e outros...tocassem pra gente ouvir, a gente desligaria os botões da Globo!
Dona Cândida voltou...Trouxe fragmentos de palmas de carnaúba, no seu matulão.
Os antigos estão todos partindo...
Muita terra improdutiva...mais ainda adoçada com o mel do caju!
Ela nos disse que reviu as brenhas da fazenda onde nasceu...Que matou as saudades até da sombra do pé de juá!

Hoje é sábado, dia 07 de setembro.A casa está semi-acordada.Deusa e Ayloã estiveram na night cratense...
"Los the os" tocou na " Casa de Taipa".Um som mix de todos os tempos.E o que mais agrada são as velhas músicas de Roberto Carlos e dos Beatles. Isso, considerando o gosto da mais velha.Que já passou das cinquenta primaveras.Na multidão, aqui e acolá, um brilho de prata, salpica o cabelo da moçada.
No mais, a geração é Deusa.Da menina que gosta de badalação.Toma todas, e estica a noite, em busca de emoção.Nem sei se acha.O fato é que sorri de tudo, e chora de tudo também.Parece que o riso e o chôro vivem em alternância no coração da gente, mas nem todos conseguem expressar , tão naturalmente...
Ayloã, se recolhe cedo. Queria um bar jazista, uma pista de dança,poemas em guardanapos, pessoas interessantes...Não é que elas não existam...mas se escondem, se espalham, se deslocam ou dormem nas estrelas, em pontos do infinito!

(podem continuar no campo "comentários")
[Photo]
( o que foi escrito na semana passada)

Noite silenciosa, mas cheia de olhares...Em muitas janelas...muitos olhares! Mas, quem viu duas luas? Pelo menos a mentira foi positiva...O mundo, olhando o céu! Dona Cândida deu uma viajada para o Piauí...Com certeza vai trazer de lá ,uma bagagem presumível: meia carga de rapadura, doce de buriti, doce de limão, pêta, e cajuína. E olha que não é pra revenda...Chega, e divide tudo com a vizinhança.Tem uns parentes por lá(a maioria já falecidos).E dessa vez, o motivo foi um babado forte...Que nos conte, por ocasião da sua volta!Só deu pra Ayloã...Vai estrear, seu destino de cigana.Hoje é lua cheia. Ranulfo pode até tardar...Mas vai chegar!Mesa redonda, coberta com uma toalhinha de renda branca;vela de sétimo dia; incenso de mirra;água da fonte, num copo virgem...Agora é só esperar...Acender a vela, e abrir as cartas!
O sol já estava frio;a tarde, sempre morna;a lua hoje é cheia;o tempo as vezes corre!Os homens perguntam muito pouco...e dizem ainda menos! Nem sempre desejam saber, mas sempre apostam!Sua dor é invisível...a tristeza está nos olhos!-O que deseja esclarecer, meu jovem?-Prefiro ouvir, o que as cartas teem pra dizer...Ayloã parece invocar Santa Sarah...Silenciosamente, embaralha as cartas, e pede a Randulfo pra cortá-las...Tá na cara, o ceticismo de Ranulfo...tá na cara porém, a sua curiosidade.-Você não está querendo conhecer-se.Não está procurando nada.Não existe futuro, não existe ação.Está total em seu não-fazer.Deleita-se com seu próprio ser.Nesse contínuo vaivém, vejo augúrio de momentos favoráveis e desfavoráveis, atrações e repulsões alternando-se ritmicamente.Sua história de amor acabou, e as possibilidades de reatá-la são mínimas.Parta pra outra, menino
Deusa , depois de acompanhar Ranulfo até a porta, e sem mais prosa, desapareceu, numa nêsga da sala.Foi lá que Ayloã a descobriu, pelos gritinhos...Culpa dos morcegos, que sobrevoavam o espaço.Com a luz,e a presença das mulheres, fugiram, intimidados!O alvo era um velho baú...
Não tinha menos de 200 anos...Devia ter sido do tempo do império.Um dos antepassados de Dona Cândida, certamente, fôra um coronel abastado, dono de engenhos de cana.Misteriosamente, nem foi preciso forçar a fechadura.Embora enferrujada, cedeu ao primeiro tato.Um cheiro esquisito , espalhou-se no ar.Os feixes de alfazema já tinham perdido a validade,e o baú estava completamente lotado de quinquilharias e/ou preciosidades...Impulsivamente, as meninas mergulharam todas as mãos, pensamentos, olhares, naquele achado, por tantos, cobiçado!Não podiam perder tempo,em explorá-lo.Tinham que aproveitar a ausência da dona da casa...
Os objetos eram todos identificáveis...Um missal de madrepérola, terço de prata, pacote de cartas amarradas com fita de cetim azul, álbum de retratos, caderno de canções, livro de receitas, caixinha de música,um dedal de costureira...um picinez, um relógio de algibeira, um leque, uma caixinha de veludo vermelho( contendo um camafeu, dois brincos descasados... um de rubi, e um de pérola; dois dentinhos de leite, incrustados em figas de ouro;uma travessa de marfim,um crucifixo de prata e uma medalhinha de Nossa Senhora das Graças).Pacote de roupas, embrulhadas em papel de seda( já completamente amareladas). Esse, foi cuidadosamente desenrolado...Continha camisinhas de pagão, uma mantilha de renda, uma combinação de seda, uma grinalda, um vestido de noiva...No fundo do baú, recortes de jornais, documentos diversos,num envelope sépia.Soltos, outros objetos:um punhal, um realejo...Parecia a caixa de Pandora, considerando as lagartas,baratas e lagartixas, em saltos olímpicos, abruptamente despertas...
Uma revista de ponto de cruz,uns exemplares de "Seleção" e "Cinelândia", romances antigos: A Casa do Rouxinol de M.Delly; O Herdeiro do Castelo, O Prisioneiro de Zenha , a Filha do Diretor do Circo,Os Três Mosqueteiros,Polyana...além de uns discos de cêra...Chico Alves, Gilberto Milfont,Aracy de Almeida, Carlos Galhardo,Mario Reis,Linda Batista,Piaf,Bing Crosby, Earl Grant,Green Miller,Doris Day e Yves Montand...Na hora desse encontro...muito espirro!
De repente , gritos escandalosos e guturais!A velha carabina, na mão de Ayloã, dispara...
Parecia cena de novela.A gente sempre acha irreal, a própria desgraça, principalmente, quando acidental! Em poucos minutos, o local ficou talhado de gente: gente de casa, da rua( conhecidos e estranhos).E olha que nem acontecera nada de grave...fôra apenas um grande susto!Filó trouxe alguns copos de água com açúcar...As meninas gaguejavam, em busca de explicações, que não as comprometessem, além do pecado da curiosidade...Os objetos espalhados no chão, começaram a ser recolhidos pela discreta Filó, enquanto as pessoas iam se afastando, e murmurando qualquer coisa...
Ayloã, calada e ainda trêmula, olha de soslaio( não é um meio-olhar...É olhar de gula!)outros objetos, restantes no fundo do baú: uma lata de cashmire bouquet, um frasco de chanel-número 5, agulhas de tricô e crochê, uma sombrinha, um pião, uma caneta Parker, duas alianças,e um diário,acompanhado de uma nota de falescimento:Sauska( 1951 a 2000).Deusa, ainda não refeita do susto, balbucia...Meu Deus do céu!Sauska era a filha mais velha de mãe Candinha!Entrega o diário pra Ayloã, que o agarra, e corre...E aí, começa uma longa história!

(podem continuar no campo "comentários")

14 comentários:

socorro moreira disse...

A cozinha de Dona Cãndida é a sala de visita dos íntimos.O cheiro de café está sempre no ar... um dos preferidos de todos!(Só perde pro cheiro de chuva, e empata com o do jasmim). Como boa piauiense,ela prepara a massa dos "bufetes", enquanto rola a prosa , depois da sesta. Todo mundo tem sempre algo pra contar...O assunto de hoje foi "Renan Calheiros".Indignados estavam ,com os votos de abstenção."Covardes"... Dizia a intrépida Deusa !Mas o povo, se liga mais na própria rotina do que na política...Embora não sejam cem por cento alienados!
De instante, em instante,alguém toca a campainha, ou o telefone chama.Deusa está sempre pendurada no celular, ou ligada na internet... Se duvidar ,tem até namorado virtual!
Nos intervalos do dia, ela corre pra folhear os escritos de Sauska.
A leitura já alcançou a década de 60...

Anônimo disse...

Deusa e Ayloan, jogam ping pong com as memórias de Sauska...Devassam os seus segredos!

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Salatiel: neste conto a mil mãos existem dois códigos paralelos ao mesmo tempo. Um que Socorro Moreira como referência a todos outros tem e um outro, que salvo engano, eu tenho. O código primeiro é para entendidos da corda que o Cariri cultua e desenrolou em tantos anos, como referência os mais remotos anos 50. O código segundo é para quem menos pronuncia todos os personagens, mas conhece todas as manhas e as manhãs desta vida que acorda todo dia com inteiro ar de surpresa. Acorda como a primeira das manhãs no mesmo espaço e no mesmo território. A sua desembalada memória passa na minha cabeça como se o tempo estivesse acontecendo agora mesmo. Fiquei com a convicção que não se tratam nem mesmo de memórias, são como uma espécie de anulação completa da flexa do tempo. Acontecem hoje como a primeira manhã. Isso é que é manha.

Abraços

José do Vale Pinheiro Feitosa

socorro moreira disse...

1960 a 1970

Juscelino Kubitschek é o Presidente da República.Inventa Brasília, e o Rio deixa de ser a Capital do Distrito Federal. Copacabana agora... é só dos nossos sonhos, e dos boêmios cariocas!
Década em que deixei de fazer roupas de bonecas ; de ler estórias da Carochinha ; de levar lancheira pra escola; de ganhar bombons do Pe.Frederico, no Instituto São Vicente Férrer; de dançar a quadrilha gritada por Zenira Cardoso;de soltar balão, chuvinha e cebolinha, na calçada; de brincar de roda, só de combinação!
De ler romances, em voz alta, para minha avó Santana; assistir novelas de rádio;participar de programas de auditório, na Educadora... ( subir aquela rampa era pura magia!);dançar nas tertúlias da Pedro II;ouvir as serenatas de Peixoto , Zé Flávio; ouvir "Saxofone , por que choras" com o grande H,Benício;usar mini-saias, laquê no cabelo, e passar baton com gôsto de caramelo, café com leite ou hortelã; "aprender" latim com Vieirinha;Ciências com Ivone Pequeno;história com Alderico Damasceno;Química com Pe Davi;Geografia com José do Vale Feitosa;Desenho com Dr.José Nilo...etc,etc,etc!
Me apaixonava, platônicamente, todos os dias...pelos primos, colegas de classe, e vizinhos! Não perdia a Pça Siqueira Campos, nos dias de domingo( estreava vestido novo , quando podia!);levei lanche pra assistir "Os Dez Mandamentos", no Cine Moderno;colecionei álbum de figurinhas dos artistas de cinema;flertei, indefinidamente, com o garoto dos meus sonhos, sem a menor esperança, de ser namôro...um dia!
Senti a alegria do primeiro clarão de Paulo Afonso, e a invasão dos eletro-domésticos, em nossas casas! Ai,ai...o fim da "muriçoca"...Foi genial!
Li revistas em quadrinho... Luluzinha, Bolinha, Capricho, Ilusão e Destino; comprei discos da Jovem Guarda; pedi música ,no Programa de Rádio de Heron Aquino...
(Sou feliz/no trem que parte para o interior/feliz.../porque comigo vai, o meu amor/ e o trem.../ só chega quando o dia amanhecer...")
E chegava mesmo, em Fortaleza!
A gente viajava pra ver o mar, fazer exame de vistas, comprar o óculos, comer cachorro-quente, e tomar "Grapette"!
Criança, adolescente, mulher e mãe,
numa única década...inocente e abruptamente!

Anônimo disse...

Ufa! Essa Sauska era meia surtada...pensou Ayloã!Deve ter namorado com marxistas, feito política estudantil,curtido Rita Pavone,e chorado, como uma desmamada , quando assistiu "Candelabro Italiano".
Não parece bem o tipo "Garota Papo Firme" que o Roberto falou...Tem um jeitão de "Menina Feia", "Coruja",e de quem jamais usou o "Biquini de Bolinha Amarelinho", que Ana Maria, ousou!

Anônimo disse...

E Deusa ainda completou:
Sendo filha de Dona Cândida, aposto que fez a primeira comunhão aos sete anos;crismou-se aos 14; não perdeu uma primeira sexta-feira dos mês, nem missa aos domingos; rezou o terço em família, todos os dias; casou virgem; não tomou anti-concepcional ( Teve os filhos, que Deus quis?),e viveu todos os seus jovens anos, sem usar roupa sem manga, sem fazer as sobrancelhas, e sem pintar as unhas de vermelho.
Ei, ei...o velho pensamento judaico-cristão: pagar um lugar no céu com jaculatórias, e sofrimentos! Os pecados mortais, os tabus, e o medo doloroso do purgatório,e do fogo eterno do inferno...Cruz , credo!
Mas,olha o retratinho...Não era exatamente feia.Era até engraçadinha!

socorro moreira disse...

1960 a 1970

Juscelino Kubitschek é o Presidente da República.Inventa Brasília, e o Rio deixa de ser a Capital do Distrito Federal. Copacabana agora... é só dos nossos sonhos, e dos boêmios cariocas!
Década em que deixei de fazer roupas de bonecas ; de ler estórias da Carochinha ; de levar lancheira pra escola; de ganhar bombons do Pe.Frederico, no Instituto São Vicente Férrer; de dançar a quadrilha gritada por Zenira Cardoso;de soltar balão, chuvinha e cebolinha, na calçada; de brincar de roda, só de combinação!
De ler romances, em voz alta, para minha avó Santana; assistir novelas de rádio;participar de programas de auditório, na Educadora ( subir aquela rampa ...era pura magia!);dançar nas tertúlias da Pedro II;ouvir as serenatas de Peixoto e Zé Flávio;usar mini-saias, laquê no cabelo, e passar baton com gôsto de caramelo, café com leite ou hortelã; "aprender" latim com Vieirinha;Ciênias com Ivone Pequeno;história com Alderico Damasceno;Química com Pe Davi;Geografia com José do Vale Feitosa;Desenho com Dr.José Nilo...etc,etc,etc!
Me apaixonava, platônicamente, todos os dias...pelos primos, colegas de classe, e vizinhos! Não perdia a Pça Siqueira Camps, nos dias de domingo;levei lanche pra assistir "Os Dez Mandamentos", no Cine Moderno;colecionei álbum de figurinhas dos artistas de cinema;flertei, indefinidamente, com o garoto dos meus sonhos, sem a menor esperança, de ser namôro...um dia!
Senti a alegria do primeiro clarão de Paulo Afonso, e a invasão dos eletro-domésticos, em nossas casas! Ai,ai...o fim da "muriçoca"...Foi genial!
Li revistas em quadrinho...Capricho, Ilusão e Destino; comprei discos da Jovem Guarda; pedi música ,no Programa de Rádio de Heron Aquino...
(Sou feliz/no trem que parte para o interior/feliz.../porque comigo vai, o meu amor/ e o trem.../ só chega quando o dia amanhecer...")
E chegava mesmo, em Fortaleza!
A gente viajava pra ver o mar, fazer exame de vistas, comprar o óculos, comer cachorro-quente, e tomar Grapette"!
Criança, adolescente, mulher e mãe,
numa única década...inocente e abruptamente!

socorro moreira disse...

Salatiel...Olha essa poluição...indeletável, por falta de técnica! Se conseguir apagar, faça isso, por obséquio! risos.

Anônimo disse...

Sempre que se detem no passado, Ay fica absorta, na análise do homem ,no tempo.
A gente não é senhora do destino.Ninguém escolhe,não usa o livre arbítrio, nos fatos essenciais da vida:origem, amor,casamento, profissão e morte!

Anônimo disse...

Fv retificar: sombrancelhas, ao invés de sobrancelhas.

Anônimo disse...

Crato (1968)


Amei aos 16 anos um jovem maxista dialético.Corri na biblioteca da Faculdade de Filosofia, pra locar "O CAPITAL" de C.Marx.Um livro filosófico, chato e complicado para minha cabeçinha de nuvens cor-de-rosa.Procurei saber o que era "mais valia"...E me encuquei deveras, sem entender por que a Igreja condenava a igualdade para todos.As figuras mais lindas, sensíveis e humanas que eu conhecia estavam infectadas da suspeita de serem "comunistas"!
Calava cada pensamento, mas torcia pela liberdade dos expatriados, do povo com sede de justiça e de liberdade.Na minha escola esse assunto era condenado.Eu sabia, no fundo do meu coração, que homens como Miguel Arraes, Sílmia Sobreira,Dom Hélder Câmara não poderiam ser estigmatizados...Eram meus ídolos!Prótotipos de seres humanos, nos quais , eu me espelharia.Mas a gente morria de medo de dizer o que sentia...
Meu Diretor , José Newton Alves de Souza era um homem culto e sábio.Apostava no caminho do meio...No, nem tanto o mar, nem tanto a Terra...Dizia-nos que, o capitalismo gerava o egoísmo; que o comunismo, esmagava o indivíduo...Mas nunca proferiu um veridicto...Admirava-o pelo não radicalismo! Claro que nos ajudou, mesmo sendo pressupostamente de direita...Na realidade era um democrata cristão,apolítico, mas filosófico!Um homem de caráter
inibalável!
Será que o Crato tem consciência do quanto deve aaquele Educador?
Tornei-me aos 16 anos, professora de Matemática,talvez pela pressa de equacionar a minha própria vida,de vivê-la insaciavelmente, até encontrar todas as essências!
Mas, volto a falar de Ênio.Um homem de cabelos e bigodes negroazulado , olhos de hortelã, e voz embargada de ternura.Como não me apaixonar, quando cantou, no meu ouvido..."Love is a many splendor thing"?
Nos correspondemos, diariamente por um período de um ano.Depois , ele foi preso, minhas cartas fôram censuradas...e nos afastamos! Ele encontrara Mirna.A companheira certa...uma pré woodstokiana, que não tinha os tabus da época , e os velhos preconceitos, que enfeiavam a maioria das mulheres! Bem feito para mim, que não estava pronta!
Ainda sonho com um beijo, que nunca passou do desejo...
Arrepiava-me , quando me chamava de "baixinha", e deixava um beijo, no final das cartas..."do teu"!
Ensinou-me a gostar de Paulo Moura,Nelson Cavaquinho,Cartola, Sidney Miller, músicas clássicas, latinas...e jazz!
Presenteou-me com Adélia Prado, Cecília, Clarice e Florbella...
Disse-me que seu destino era o Rio;e que o era Londres! Sabia que existia em mim, uma alminha aventureira, dentro dos meus olhos grandes , de sonhos!
Casei-me surpreendentemente, no final do ano de 1969 com o primeiro, que me pediu em casamento.
Era bom caráter,sincero, amigo...Ainda bem que Deus o escolheu para ser pai dos meus filhos!

socorro moreira disse...

Ops* marxista, ao invés de maxista.

socorro moreira disse...

*ops
"disse-me que o seu destino era o Rio; e que o meu era Londres"
Corrigir!

socorro moreira disse...

"Love is a many splendored thing"
Corrigir!