TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ouvi de Lysâneas - Emerson Monteiro


Ao ler notícia publicada pelo jornal O Povo, nesta terça-feira (21/12/2010), a respeito da recusa do bispo cearense Dom Manuel Edmilson Cruz de uma comenda do Senado Federal, justificando a atitude como protesto pelo aumento dos subsídios dos parlamentares, votado pelo Congresso em dias da semana passada, lembrei de um texto que escrevi há duas ou três décadas e que agora apresento, a saber:
No ano de 1975, em Salvador, assisti inflamada palestra do então deputado federal Lysâneas Maciel, numa cruzada que empreendeu por vários estados para denunciar o clima de repressão que constrangia o povo brasileiro. Sabia-se mesmo sujeito à cassação de que seria vítima logo no ano seguinte, atingindo também outro corajoso parlamentar, o cearense Alencar Furtado.
De verbo fluente, destemido, sensibilizou com profundidade todos os presentes no auditório superlotado, a interpretar de forma contundente o momento de transição que enfrentávamos sob o clima rígido da força totalitária no comando das instituições políticas nacionais.
Dentre os recursos adotados na ocasião, bem aos moldes da melhor oratória evangélica, pastor que era, Lysâneas narrou episódio verificado com um pastor protestante, na Alemanha durante o regime nazista.
Zelava reverente pela sua comunidade religiosa, quando ocorreram as primeiras detenções do período negro que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, a prenderem primeiro os líderes comunistas. Ele pensou consigo: - Não sou comunista, portanto nada tenho com isso. E omitiu-se de reagir em face da violência cruel encetada contra seres humanos.
Os senhores da ditadura de Hitler seguiram na escalada dolorosa de terror, vindo deter também os socialistas, motivando no religioso idêntico comportamento de descompromisso. Por não ser socialista, indiferente permaneceu, aceitando as manobras policiais da Gestapo.
Depois, seriam levados os homossexuais, as prostitutas, os ciganos e outras minorias perseguidas. O raciocínio se repetia, de ficar quieto diante de tudo o que observava, sem, no mínimo, falar ou demonstrar qualquer atitude contrária, perante as pessoas de sua comunidade.
Mais adiante, também prenderiam os judeus, os católicos, enquanto nada alterava das relações com as forças do poder, pois achava fora do enquadramento nos grupos perseguidos. Nem de longe avaliava possuir qualquer responsabilidade pelas vítimas das arbitrariedades.
Até que, dias depois, bateram na porta da sua igreja para levá-lo preso, e nessa hora ninguém havia que mobilizasse forças em seu auxílio e levantasse a voz pela sua liberdade, pelos seus direitos, sua cidadania democrática.
Eis, assim, exemplo de ocasiões quando os nossos rostos vêm à mostra, por conta dessa atitude sincera e verdadeira de Dom Edmilson Cruz, oportuna e atualizada, de um valor inestimável, para que não nos acomodemos aos vícios da política desvirtuada, como não sendo conosco a crua responsabilidade que a todos compete todo tempo. Admiro, pois, a coerência de pessoas deste tipo.

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