TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

São Gonçalo do Amarante - Emerson Monteiro

Consta da tradição popular que, certa feita, vindo Jesus por uma estrada deserta, deparou-se com Gonçalo, músico da cidade portuguesa de Amarante.
- Mestre, em que lhe posso ser útil para diminuir a tristeza deste mundo? - quis saber o artista e nisso foi perguntando.
- Ora, Gonçalo, por mais que faças, não conseguirás dominar o espírito rebelde dessa gente, mais ainda desses que se divertem no prostíbulo da vila - respondeu Jesus. - Estive lá e eles se mostraram surdos aos meus ensinos, igual a muitos, que preferem continuar na trilha da perdição.
- Senhor, haverá, por certo, outros meios de educar. Quem sabe a música possa tocar os seus corações? - falou Gonçalo, disposto a colaborar na divulgação do bom caminho.
- Tudo pode acontecer. Já que é violeiro, queres experimentar esse recurso? - acrescentou o divino Mestre. Seguiram prosando no assunto. Depois desse diálogo, os dois combinaram que, na hipótese de o músico realizar a proeza da transformação dos pecadores do prostíbulo da vila de Amarante, receberia em dobro as bênçãos de curador.
Gonçalo seguiu na missão. Quando chegou à comunidade, tratou de acertar que, naquela mesma noite, realizaria uma festa em que tocaria para quem viesse ao salão de dança. Os freqüentadores do lugar aceitaram de bom grado o convite, animados perante aquela rara oportunidade.
Festejaram a noite toda até de manhã cedo. No cantar do galo, ainda se ouvia o pinicado da viola do músico. Era chegada a hora de trabalhar. Todos tiveram de procurar suas obrigações, sabedores, no entanto, de que, mais tarde, de noite, se repetiria a mesma função. Mulheres e homens aceitaram bem a chance de, outra vez, se alegrarem com a música de Gonçalo.
Enquanto isso, a notícia se espalhou das cercanias aos lugares mais afastados, quando escureceu, se apresentaram as pessoas interessadas no folguedo que invadiu a madrugada. Antes do fim de cada festa, Gonçalo repetia o convite para a noite seguinte. Não deixava arrefecer os ânimos dos frequentadores, e dessa forma continuou nos dias que se seguiram. À noite, os bailes de rara animação; de dia, os duros afazeres do trabalho de cada um dos convivas para manter a sobrevivência.
À maneira de Gonçalo, todos, sem exceção, tanto as mulheres quanto os seus amantes, se viram na contingência de abandonar os vícios e a fornicação, por meio da música animada e da exaustão das numerosas festas.
Passados mais alguns dias, concluiu a tarefa e se apresentou a Jesus, levando consigo a fieira de almas que havia catequizado. Conta mestre Joaquim Pedro da Silva, o responsável pelo grupo da dança de São Gonçalo que existe na subida do Horto, em Juazeiro do Norte, que Gonçalo, fazendo assim, adquiriu o merecimento de poder socorrer, por si só, aqueles que lhe procuram, sem carecer de intermediação, chegando até Deus com a sua força espiritual, pois dispõe da ciência que recebeu de Jesus quando atendeu a esse ofício que Ele determinou.

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