A manhã do Rio de Janeiro começou silenciosa. O Carioca
dorme em razão do atravessar das horas da noite passada em volta da Ceia de
Natal. O dia 25 de dezembro é um dos mais universais feriados do mundo
Ocidental, assim como o primeiro de janeiro: quase tudo fecha e as ruas ficam
desertas.
E foi nessa paz extraída do silêncio que a guerra se fez na
minha consciência. Há no Brasil um discurso malandro e interesseiro, envolvendo
eficiência dos recursos e meios públicos, que a título de inovação
administrativa, promove iniquidade e serve para verdadeiros assaltos aos Fundos
de Saúde. Promove-se a privatização da gestão do Sistema Único de Saúde sob o
disfarce da coisa pública, através de Organizações Sociais e outras formas
disfarçadas de promover desigualdades.
Em 1999, primeiro ano do Governo Garotinho, a Secretaria
Estadual de Saúde começou um programa de valorização do funcionalismo público,
convocando os aprovados num concurso, que o ex-Governador Marcelo Alencar
estava deixando caducar, e diante das despesas com pessoal, dobrou a
gratificação dos servidores da saúde. Em 2012, no mês passado, encontrei um
médico de renome, aposentado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de
Janeiro, com o salário mensal de R$ 1.640,37. Menos de três salários mínimos.
Era o mesmo salário decretado por Garotinho há treze anos.
Acontece que a mesma fonte pagadora, o Estado do Rio de
Janeiro, paga a um médico contratado por via privada em média mais de R$ 5 mil
por vinte horas de trabalho, além dos encargos sociais por ser contrato CLT e
da taxa de administração que é um grande negócio para os amigos do poder. Como
o Governador Sérgio Cabral e o Secretário Sérgio Cortes podem justifica uma
desigualdade dessas? Será que não caberia uma lei de Anistia para os
funcionários estatutários do Rio de Janeiro em face das “torturas” promovidas
pela ditadura da privatização? Quem sabe Sobral Pinto não precisasse voltar do
além e pedir a lei de proteção aos animais para os torturados funcionários
públicos da saúde no Rio de Janeiro?
E como o principal partido aliado de Sérgio Cabral e Sérgio
Cortes, o maior partido trabalhista do Brasil, o PT, pode aceitar uma situação
dessas? Ela existe, é real e age a cada minuto em pessoas que estão vivendo
esta iniquidade: um profissional concursado experiente tratado como lixo da
história e um jovem profissional, contratado na prática do “mercado” de seleção
e controle profissional no mínimo questionável.
No Governo Federal, em quase todos os Estados e nos
Municípios, o Sistema Único de Saúde se torna cada vez mais em um comprador de
produto. Há uma prática promovida pelo PT, PSDB, PMDB, PSB, PDT, entre outros
partidos, de extinção do funcionalismo público da saúde e uma entrega, não
ingênua, aos organizadores da farsa das Organizações Sociais. O Ministério da
Saúde é um vazio de quadros próprios: não se faz concurso, quase todos os
técnicos têm contratos precários ou através das mais variadas práticas de
disfarce da realidade para não convocar concurso.
Há efetivamente uma trama em nome da eficiência. Não se pode
nem culpar a guerra contra os Marajás do Collor, pois a saúde nunca foi terra
desta gente, a não ser de forma incidental. Mas a verdade é que a primeira
coisa foi sufocar os quadros da saúde, não os renovando por concurso público,
rebaixando seus salários, denegrindo sua imagem como corrupto para, depois,
começarem a contratação pelas vias transversas. O passo seguinte foi entregar
as compras públicas a setores privados e agora a menina dos olhos de Ministro e
Secretários é nem ter serviço próprio. Estão cientes de comprar serviços
terceirizados sem que existam quadros e práticas eficientes para regula-los e
controla-los.
Estamos, literalmente, retornando às práticas dos anos 70
que começaram a destruição do INAMPS e que hoje atacam a Saúde Suplementar. Uma
prática que consiste em existir um grande fundo de financiamento (público,
privado ou coletivo) sendo atacado por inúmeros agentes predadores de recursos,
por venda de mercadorias tecnológicas cujo objetivo é o lucro e o fetiche da
mercadoria. É a festa das grandes Corporações Multinacionais e a vilania dos
profissionais de saúde.
Nessa altura não acredito em ingenuidade de nenhuma
autoridade da saúde, mas sei da perseguição criminosa aos funcionários
públicos, especialmente em seus salários e, portanto, em sua dignidade. O que
chama a atenção é a baixa resistência a essa narrativa dramática por parte do
Ministério Público, Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho, Sindicatos e
Conselhos de Classe. Em relação às entidades de classe até entendo a
contradição, quem ganha três ou quatro vezes mais não pretende discutir a
miséria do outro.
Existe uma farsa intencionada a pairar sobre esta realidade:
chama-se responsabilidade fiscal. A proporção máxima que a folha de pagamento
do funcionalismo pode ter em relação às despesas públicas. Se as despesas
subiram tanto com as contrações privadas, como justificar que isso não seja despesa
de pessoal? Talvez naquele momento a prudência legislativa, ao limitar os
gastos com pessoal, tenha sido uma iniciativa para abrir esta porta da
corrupção da equidade constitucional no SUS.
A sociedade está sendo enganada com televisões de telas
planas nas esperas dos hospitais e com seguranças vestidos de paletó azul
marinho nas portas dos elevadores. A conta é alta, em iniquidade, em gastos
públicos e na formação de uma mercantilização danosa, pois sem limites e
assaltante do patrimônio público. Basta tomar conhecimento do recente caso de
Duque de Caxias envolvendo as tais Organizações Sociais.
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