Quando a coluna de mercúrio subiu aos 35 graus, as pessoas
derretiam perto das onze horas, nas sombras da Praça Siqueira Campos. E este
tempo seco que licencia o sol a desidratar os corpos de água, promove a vontade
por amenidades e copos de líquidos gelados.
Por isso Alguém que não digo quem aproximou-se do Outro que
pingava em suores e comentou:
- Macho vai tudo se derreter. O melhor da noite não baixa a
temperatura dos 23 graus e nuvem no céu só se for na desembestada. Até terça
feira nem um frescor de pingos de chuva.
- E nós aqui feito padeiro sem arredar o pé da boca do
forno.
O calor evapora e dispersa em gases, mas também é a busca de
soluções. Fulano viu Alguém e o Outro e chegou para eles com voz de rebeldia: olhe
a primeira siriguela do pé lá de casa! Vamos tomar uma?
O Outro: só se for agora.
Alguém vai além: vamos chamar Sicrano que tem uma camionete
de ar condicionado e vamos prá Zé Pajé refrescar a vida. Dito e feito: formaram
uma guerrilha de cinco, pois incluíram Beltrano. A guerrilha: Alguém, Outro, Fulano, Sicrano e Beltrano.
Na latada mesmo do bar na beira da estrada, muitos graus de
temperatura a menos além duma brisa que se pensa nasçam nas palmas dos buritis.
O primeiro foi Alguém que abriu a enxurrada aos borbotões de uma cerveja tão
gelada que a barriga do homem quase congela. Só não congelou porque todos sabem
que mulher, dinheiro, futebol e política são discursos gerados no chiado do gás
escapado pelo abridor de garrafas.
E as garrafas vazias se deitam ao lado, na areia da latada
do bar e o conteúdo deste precioso fermento se destila em grandes descobertas,
teorias complexas, exaltações de enrubescer o objeto exaltado e críticas de
derrubar a República. De Monarquia não se fala. Ali os cinco são reis. Ninguém
é súdito, menos ainda da ordem estabelecida.
Linguiça frita vinda de Granito. Carne assada de bode de
Serrita. Farinha da serra em parcimônia para não entupir a sede de cerveja. E
imaginem o extremo do sabor na volúpia daquela bem geladinha: uma tripa de
porco, crocante, com sal no ponto para virar o dia.
E quem disse que esse mundo é ruim? – abrindo os braços como
um pastor aos fiéis, Beltrano sorria de um canto a outro das orelhas.
E foi aí, que a discussão do por do sol se abriu para as
incertezas da escuridão da noite. Sicrano foi lembrar que amanhã é o fim do
mundo. E as teorias da iminência da fatalidade se multiplicaram em radicalidade
assim como o noticiário e os partidos políticos querendo por um aos outros na
cadeia.
Tinha de tudo. Piedosos querendo perdoar as safadezas dos
outros se esquecendo de pedir o perdão para as próprias. Os justiceiros
querendo o rito sumário para as condenações dos pecadores já imputando habeas corpus para as decisões contra si.
E assim se atravessou o argumento dos amigos de Jesus já contando com o
conhecimento do merecido respeito ao seu passaporte para o melhor. Naquela
altura as garrafas vazias já eram material suficiente para materializar a torre
de babel do desencontro temático.
Foi aí que Alguém, que ficara calado ao longo do profícuo
debate, abriu a voz e vaticinou.
Eu sou é comunista!
Uma sentença inesperada emudeceu o zoadento debate. Todos
esperaram a explicação do grito revolucionário.
Eu sou mesmo é a favor do fim do mundo. Só então toda essa
canalha vai entender de igualdade.
Acabei de ouvir a sentença enquanto comprava um pacote de
biscoito na bodega em que os cinco se reuniam e corri para relatar antes que a
meia noite deste dia 20 de dezembro chegue.
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