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domingo, 5 de maio de 2013

As opções políticas que geram epidemias - José do Vale Pinheiro Feitosa


Há poucos anos, junto com um colega médico que é um premiado fotógrafo, fiz um texto para um livreto intitulado Rita – a face humana da tuberculose. O livro foi publicado pela Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio de Janeiro com apoio de duas ONGs: o Fórum ONG-TB-RJ e o GAEXPA. Até bem pouco tempo o texto estava no site destas ONGs.

Ali, se narrou de forma resumida a vida e o problema com a tuberculose de Rita de Cássia Vieira Smith. Ao examinar o sobrenome Smith descobrimos que ela era casada com um americano, infectado pela HIV e que vivia no Brasil, num casamento que lhe dava o direito ao tratamento que ele não conseguia ter acesso nos EUA.

O tratamento, bem conduzido por equipe treinada e com medicação gratuita dada pelo Estado Brasileiro é uma condição sem a qual aumenta a incidência da Síndrome de Imunodeficiência que tem altos índices de letalidade em pouco tempo. E este tratamento é a realização de uma política que tornou a saúde o direito do cidadão e um dever do Estado.

Lembro este caso uma vez que acabo de ler uma postagem oriunda da Reuters e assinada por Kate Kelland que de modo resumido diz o seguinte: as políticas de austeridade fiscal nos EUA e na Europa provocaram aumento de suicídios, depressão e de doenças infecciosas e dificultaram o acesso a médicos e medicamentos.

A análise destes dados e suas conclusões foram feitas pelo economista de Oxford, David Stuckler e pelo epidemiologista de Stanford, Sanjay Basu. Durante a recessão nos EUA mais de cinco milhões perderam acesso aos instrumentos tecnológicos de saúde. As infecções e mortes consequentes da infecção pelo HIV aumentaram e até a malária recrudesceu na Grécia. Segundo os pesquisadores o que mais encontraram com as políticas de austeridade foi escassez de medicamentos essenciais, epidemia de abuso do álcool, suicídios e depressão.

O importante desse estudo é que ele nega exatamente o que parece nos levar a concluir ao ler o texto até aqui: tudo não é consequência da recessão. Mas tenhamos calma que a explicação dele é contundente: “No final o que vimos é que a piora da saúde não é uma consequência inevitável das recessões econômicas. É uma escolha política.”     

Está explicado que o problema é político. Que a sua reversão é uma luta política por outras escolhas. Entre as quais ampliarem a democracia e reduzir a influência das elites endinheiradas, que não pagam impostos, concentram riquezas e o poder de decisão econômica mais do que milhões de pessoas.  E esta luta passa por uma bem conduzida crítica ao neoliberalismo e ao grande sorvedouro de vidas humanas que a ideologia promoveu por suas opções políticas.

A contemporização com estas opções políticas mesmo que para “quando o carnaval chegar” é a adoção consciente da frieza cruel diante da desgraça de milhões. Ou 26% de desempregados não é um problema para se está num mundo orgânico cujo sangue é o dinheiro?


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