J. FLÁVIO VIEIRA
Alphonsus Publius Catarinus Maximus !
Esse nome, carregado de um latinório
trava-línguas, poderia fazer parte da Mitologia Romana. Como diabos teria
aterrissado em Matozinho ? Primeiro, é importante lembrar que o nosso
Alphonsus não trouxe esse epíteto da pia
batismal. Nascera, sem sangue azul, molhando fraldas esfarrapadas, como muitos
dos seus conterrâneos. Ainda adolescente, enfurnara-se num Seminário, na capital, e por muito pouco escapou da ordenação. Fora
aluno exemplar e seus superiores vaticinavam-lhe uma brilhante carreira
religiosa, coisa para arcebispo ou cardeal. Apaixonou-se, no entanto, por um rabo de saia , filha de uma das
copeiras do Seminário , e ela terminou arrancando-lhe a batina e ele, em compensação, assungou-lhe a saia . Partiu, então, nosso Catarinus para
a dura vida de chefe de família, como comerciário. Nunca, no entanto, abandonou
aquela mania de sacristia, falava apenas em latim vulgar e irritava-se por não
ter interlocutores fora das hostes sacerdotais. Foi aí que resolveu, num penoso
processo, mudar, em cartório, o nome de
matuto, Afonso Possidônio , de Catarina ( sua mãe) , para o pomposo : Alphonsus Publius Catarinus
Maximus. E foi de posse desse novo registro civil que um dia aportou em
Matozinho, carregando já uma récua de filhos. Com o dinheiro juntado, por
muitos anos, estabeleceu-se por lá com um pequeno Armarinho e, já madurão,
mudou-se para uma fazendola que adquiriu
e renomeou-a de “Parnaso”.
Em
Matozinho, teve que abandonar o
latinório, pois ninguém ali estava à
altura da sua sapiência lingüística. No
Seminário versara-se em autores clássicos portugueses como Herculano e Castilho
e sabia todo o “Eu” do nosso Augusto dos Anjos de cor. Negava-se, assim,
terminantemente, a falar em linguajar
reles, fugia dos galicismos e anglicismos como o capeta de água benta. Erros de
português, se legislasse, seriam punidos com prisão perpétua, salvo os de
concordância verbal onde deveria se aplicar, sem remorso, a pena capital. Publius mostrava-se, ainda,
totalmente a favor da redução da maioridade penal: a partir de 12 anos, se
desferir golpe de morte no vernáculo: galés perpétuas ! Ademais , nada de se
resumir a uma centena de verbetes apenas, num idioma tão rico como o português:
-- O ” Caldas
Aulete” tem trezentos mil verbetes é pra se usar ! --- Costumava
dizer Catarinus .
Até
na emissão quase que automática de palavrões , nosso vernaculista se policiava. “Filho da Puta” ,
virava “Rebento de uma deusa de lupanar”
; “Maricas” , dizia “Pederasta sub-reperício “; “Vá para PQP !” tornava-se nos lábios de Catarinus :
“Diriga-se à Messalina que vos concebeu!” . Personagens famosos de Matozinho,
também, ganharam denominações menos rasteiras : “Jojó Fubuia” terminou
rebatizado por Johann Etanol; Janjão da Botica transformou-se em Jonh Pseudo-
Esculápio.
Dias
atrás correu por toda Matozinho o ocorrido na Barbearia de Barba de Gato.
Alphonsus lá chegou tentando encomendar um corte de cabelo. Dirigiu-se para
nosso barbeiro, semi-analfabeto, com o seguinte palavreado :
---
Ó Fígaro ! Quanto queres de remuneração pecuniária para desbastar estas
excrescências córneas que se avolumam por sobre minha calota craniana ?
Barba
de Gato, mais perdido que cachorro em noite de São João, diante de tamanha
catilinária, interrogou-o:
---
Kumas ? Oxente , O homem endoidou ou
veio das estranjas !
Contrariado,
Alphonsus, raivoso, ameaçou :
---
Se dizes por insipiência, perdoar-to-ei ! Se,
no entanto, pretendes zombar da
minha alta prosopopéia, desferir-te-ei um golpe com este instrumento perfuro-contuso que o vulgo
o denomina “bengala” , no frontispício da tua caixa craniana, com tamanha impetuosidade, que ela há de metamoforsear-se , em iníquos
instantes, em meras cinzas cadavéricas !
Registra
ainda o folclore de Matozinho uma outra
epopéia do nosso vernaculista. Pela
manhã , ele despertou o filho caçula ,Dioclecianus Tertius, pedindo-o para ir
até ao mercado público a fim de comprar uns cuscuzes para o café da manhã. Convocou-o com este
petardo:
--
Tertius, prólio meu ! Levanta-te deste leito adormecente e caminha até àquele
aglomerado humano que o povo denomina de mercado e compra-me massas côncavas a
que o vulgo rotula de cuscuz, para que possamos saborear no nosso jantar
matinal !
Semana
passada, a praça da matriz parou diante de uma cena inusitada. Alphonsus buscou um engraxate, no intuito dar um trato
nos seus pisantes. O problema é que se
tratava de uma figura popularíssima em Matozinho e que carregava um apelido hilário : “Cu de Apito” . Imaginaram todos a
dificuldade que teria nosso emérito vernaculista em tipificar o engraxate de
forma mais erudita. Em alto e bom som, Publius aproximou-se e , com sua inconfundível voz tonitruante, encomendou
o serviço:
--- Insigne polidor de
pantufas ! Poderias genufletir-te ante mim e tornar luzidias estas minhas
pré-históricas chancas ! Vinde, ó Óstio anal chilreador !
Crato,
21/02/14
Nenhum comentário:
Postar um comentário