Existem
momentos na vida onde
a questão de saber se se pode pensar
diferentemente
do que se pensa,e perceber
diferentemente
do que se vê,
é indispensável para continuar
a olhar ou a refletir.
J. Flávio Vieira
Há dois sentimentos correlatos que pairam , como uma nuvem negra, sobre a cabeça dos cratenses. De um
lado , o Saudosismo crônico, perceptível, claramente, nas gerações mais antigas.
Estas pessoas viveram, plenamente,
aquilo que se considera o apogeu da Vila de Frei Carlos: os três primeiros
quartéis do Século XX. Conheceram uma cidade cônscia do seu passado glorioso,
com seus múltiplos pioneirismos : O
Araripe, primeiro Jornal do interior do Ceará ( 1854); a nossa centenária Banda
de Música; o Cinema Paraíso (1911), o primeiro do interior do Nordeste; a primeira instituição educacional do
interior do Ceará, o Seminário São José ( 1875); D. Bárbara do Crato, a
primeira heroína brasileira; o Hospital São Francisco, primeiro de todo Sul
Cearense. Saltam ainda aos olhos figuras históricas de porte nacional,
nascidas, formadas ou criadas nas margens do nosso Rio Grangeiro : o pintor Vicente leite; o cineasta e
diplomata Hélder Martins; o Senador
Alencar; Tristão Gonçalves; os escritores Ronaldo Correia de Brito, Batista de
Lima, Fran Martins; os cineastas Hermano Penna, Rosemberg Cariri, Jéfferson
Albuquerque Júnior; os poetas Zé de
Matos, Cego Aderaldo, Geraldo Urano; o semeador de universidades , Martins
Filho; o escultor Sérvulo Esmeraldo; místicos como o Padre Cícero e o Beato Zé
Lourenço, isto apenas para citar alguns.
O outro sentimento que se junta ao nosso
saudosismo inveterado é, certamente, o Pessimismo. Ele advém do destino tomado por nossa vila, nos últimos trinta anos. Os amantes do Crato carregam um certo
complexo de inferioridade, um certo travo, quando percebem, claramente,
que se comparados, em termo de
progresso, com outros municípios próximos , aparentemente , temos murchado e não mantivemos o mesmo ritmo
de Juazeiro, Barbalha, Brejo Santo.
Atiram-se farpas para tudo quanto é lado, procurando culpados,
principalmente na área política, pela suposta hecatombe. E traçam-se
estratégias esquisitas , na busca de um remédio para a hemorragia , como copiar
o Turismo Religioso do Juazeiro, atraindo os romeiros, construindo estátuas
gigantescas que rivalizem com as do Padre Cícero. Ora, as cidades, como as
pessoas, têm sua própria vocação .
Inclinações não se criam do nada, pela simples vontade, de um ou outro
cidadão. Seria como um pai , tendo um filho com tendência natural para o
comércio, tentar fazê-lo maestro de orquestra sinfônica. Seria possível ? Talvez, mas sem aptidão inata, jamais se transformaria num Beethoven
ou num Chopin.
A
visão do desfalecimento do Crato é
vesga. Observamos apenas com um olhar profundamente capitalista. Interessa-nos o olhar frio dos livros de
Economia. Mesmo que aumentássemos imensamente o nosso PIB, o benefício viria
para todos, ou apenas para a pequena parcela de ricos e afortunados ? Sempre
tivemos uma vocação Cultural e ecológica por conta da nossa Chapada Nacional do
Araripe. O progresso o que nos trouxe ? Só benefícios ? Em nome dele , desmatamos
profundamente nossa reservas, poluímos nossos rios, destruímos todo o nosso
patrimônio arquitetônico. O povoamento desordenado das encostas tem trazido prejuízos
difíceis de se avaliar. Vale o progresso a todo custo ? O aparente desenvolvimento
das cidades circunvizinhas( na realidade uma inchação) tem trazido junto seus
imensos efeitos colaterais : trânsito caótico,
colapso na infra-estrutura, violência crescente.
O último Índice de Desenvolvimento Humano no
Ceará(IDHM) mostrou que perdemos apenas para Fortaleza , ficamos em terceiro no
estado, empatados praticamente com Sobral ,que ocupa o segundo lugar. Este
índice mede três indicadores básicos : longevidade, educação e renda. Queiramos
ou não, vivemos num éden. Hoje, com as grandes cidades caririenses praticamente conurbadas , havendo um contínuo fluxo entre elas, há
necessidade de buscarmos este progresso
a qualquer preço, sob risco de piorar a qualidade de vida dos nossos habitantes
? Por que não alimentarmos nossa vocação natural, centrando nossas atenções na
Cultura da nossa terra e na nosso imenso capital ecológico ? Talvez o saudosismo e o pessimismo que invadem
a alma dos cratenses dependam apenas do
ângulo para onde focamos nosso olhar: se
deste lado há treva, do outro corre um rio cristalino e um arco-íris circunda
os céus.
Crato, 11/04/14
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