J. Flávio Vieira
A violência sempre esteve ligada ao poder.
E a violência masculina é um exercício
perverso do poder.
Affonso Romano de Sant' Anna
A
Violência é uma irmã siamesa da Civilização. A história da humanidade , desde
os seus primórdios, tem sido escrita com
a rubra tinta do sangue. A evolução natural da nossa espécie nunca conseguiu
debelar esse mal, apenas ele foi se metamoforseando e aparecendo com outras
nuances e outras máscaras. A pólvora substituiu a espada, o canhão à
espingarda, o tanque de guerra ao aríete. Se se reparar direitinho, a Violência tem seu nascedouro nas nossas mais
simples relações domésticas. Por trás dela sempre existe impulsionando-a o
exercício do poder : seja de pai para filho, de patrão para empregado, do rico
para o pobre, do político para o eleitor, do homem para a mulher, da nação mais
favorecida contra as mais lascadas. A célula mater da Violência, no entanto,
brota das nossas mais simples e domésticas relações humanas. E ela nos aproxima, mais que
nada, das nossas origens animalescas, quando abandonamos o racional e agimos
como um lobo na matilha.
No
Cariri convivemos com uma chaga secular: a Violência contra a mulher. Entre
2009 e 2011, a cada 90 minutos, uma
mulher foi morta no Brasil , no mesmo período, só no Ceará, pereceram 684
mulheres. Estes índices são assustadores. Recentemente, aqui no Cariri, nos espantamos, novamente, com dois fatos que,
de tão comuns, parecem já corriqueiros. Duas médicas foram alvo impensável
desta temida violência. Semana passada, Dra. Ângela Gimbo sofreu um atentado
terrível, que quase lhe ceifou a vida, por razões estranhas e que estão em
processo de investigação. Dra. Ângela é
uma profissional da mais alta qualificação, infectologista radicada na
região há muitos anos e que atualmente assumia, com enorme desenvoltura, o Cargo de Diretora da Faculdade de Medicina
de Juazeiro do Norte. Não bastasse esta notícia triste, esta semana, uma outra
médica, Dra. Elizabete Bernardo, viu-se vítima de um crime passional,
perpetrado por seu antigo companheiro, perdendo a vida de forma trágica e
brutal. Dra. Elizabete era professora também da Faculdade de Medicina de
Juazeiro e profissional capacitada e de finíssimo trato. Aparentemente, se
tratam de dois crimes totalmente isolados e sem qualquer ligação um com o
outro, há, no entanto, um fio condutor ligando as duas tragédias.
No
caso da Dra. Ângela, possivelmente, há motivos relacionados diretamente à sua
atividade como dirigente de uma empresa educacional. Administrar é ferir interesses de um lado ou
do outro. Não será difícil para os investigadores fecharem o firo. O
desvendamento do crime é essencial para que os caririneses ao menos consigam
dormir com alguma tranquilidade. No caso da querida Dra. Elizabete, homicício
seguido de suicídio, deslinda-se, imediatamente,
a causa , mas permanece o gosto de fel
em todos os seus amigos e admiradores. Em ambas situações percebe-se ,
claramente, a questão de Gênero presente. Os últimos cinquenta anos se caracterizaram
por um avanço expressivo nos horizontes femininos. A mulher passou a ocupar
espaços até então tidos como um monopólio
masculino. Conseguiram uma invejável independência financeira, levando a que
hoje já sejam cabeça de família de um terço dos lares brasileiros. Já não
precisam se submeter ao julgo do varão que lhe dava o pão mas , em troca, as
mantinha subjugadas. Já não necessitam ser infelizes, mantendo relacionamentos
de fachada. No trabalho, também, têm as mulheres formas peculiares de
administrar, são, em geral, mais corretas e menos propensas ao “jeitinho”.
Todas essas transformações , no entanto, não foram percebidas, ao que parece,
pelo sexo antigamente tido como forte. Amor não correspondido se torna uma
afronta para aquele que sempre se achou proprietário universal da sua companheira. Regras e leis cumpridas à risca
viram uma agressão para os adeptos das maracutaias tão tupiniquins.
Dra.
Ângela e Dra. Elizabete são mais dois
cordeiros imolados ao sedento Deus
Liberdade. Esperamos que sejam os últimos. É preciso se pensar num mundo melhor
e mais justo, onde o homem não seja o lobo do homem. Que diabos de animal
racional é esse e que ainda se diz feito à imagem e semelhança do Criador ? Se
pensamos desarmar nossos espíritos e atiçar nossos corações é preciso provar
que já conseguimos sair da Selva e que criamos leis mais humanas e mais justas
de convivência social.
Crato, 27/06/14
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