J. Flávio Vieira
“A justiça é a vingança
do homem em sociedade,
como a vingança é a justiça do homem
em estado selvagem.”
Epicuro
Nestes dias que antecederam o
Carnaval, um fato algo inusitado preencheu os nossos noticiários locais. Um
dentista e estudante de Medicina aqui em Juazeiro, após ser assaltado próximo a
um bar na Lagoa Seca, por dois motoqueiros, acelerou sua Hylux e, pouco mais à
frente, atropelou e matou os dois pretensos assaltantes. Feito o que,
calmamente, esperou a chegada da polícia e explicou, sem nenhum constrangimento
aparente, o ato heroico que terminara de executar. Foi preso, imediatamente, em
fragrante delito, por duplo homicídio confessadamente doloso.
O
caso, não de todo estranho e talvez até perfeitamente esperado nos seus
desdobramentos, nos impulsiona para algumas reflexões de final de semana. Depreendemos
dele, claramente, uma total desconfiança
do populacho para com a Justiça do seu país. As penas parecem sempre brandas e
com progressão vergonhosa; a morosidade nos julgamentos e penalidades é de
fazer sorrirem as tartarugas; cadeia é sempre dependência de pobres , negros e
mulatos; a boa condição econômica torna malfeitores totalmente blindados para o
Código Penal. Basta ver a tranquilidade do estudante depois do atropelamento e
morte dos dois assaltantes. Ficou ali impassível, certo que havia cometido um
ato épico , esperando os encômios de todos, que, aliás, não tardaram de pulular na imprensa e Redes
Sociais. Contou à polícia tudo , informando que depois do assalto perseguira os
criminosos e os atropelara intencionalmente. Acreditou, piamente, que a
justiça, por fim, havia sido feita; o que não teria acontecido se esperasse os
policiais, os investigadores e o juiz. Quando lhe deram ordem de prisão, com
certeza ficou confuso, não entendendo aquela inversão de valores absurda.
Não
sou advogado , mas percebo a enrascada jurídica em que nosso estudante se meteu
ao confessar um duplo homicídio doloso com confessa intenção de matar. Além de tudo, como revanche
de um assalto anterior cometido pelas vítimas que ele relata, mas de que não há
aparentemente testemunhas e nem foi registrado Boletim de Ocorrência. Por conta
de algum dinheiro e objetos afanados, vai ser achacado por ações penais sérias
e de danos morais, de defesa complicada- quem viver, verá !
Entendo
o desencanto da população com os sempre morosos caminhos da justiça. Mas, em pleno
Século XXI, é impossível defender que as
pessoas saiam no meio da rua fazendo justiça com as próprias mãos. A luta da
Sociedade, se desolada com a ineficiência do judiciário, deve ser no sentido de
aperfeiçoá-lo e não retornar às Cavernas, deixando que os Códigos Civil e Penal
sejam escritos e reescritos dia a dia por cada um que se queira arvorar de
juiz.
Por
outro lado, imaginem o risco que, estatisticamente, o estudante correu, ao
reagir ao assalto. A probabilidade de êxito, tem se mostrado, a todo momento, é
mínima. Depois, em se tornando esta prática uma regra dos cidadãos a partir
daqui, como estimulam os internautas nos seus comentários, a reação previsível dos
bandidos, nas próximas “paradas”, será de roubar e matar logo, para não
sofrerem perseguições. Vacilão bom, vai ser vacilão morto. As pessoas que
defendem os Direitos Humanos querem , tão-somente, que todos sejam julgados à
luz da lei e que era seja igualitária para todos independentemente de cor,
sexo, influência política, poderio econômico.
Podemos
todos achar que a Justiça além de cega, está com os pratos da balança tortos e
o fio da espada também cego, como dizia Millôr. Temos, ao menos, por onde começar. Nossa
função é providenciar-lhe a cirurgia de catarata , mandar aferir-lhe a balança
e amolar o fio da espada. Quem toma para si a missão única de combater monstros
deve cuidar para não se tornar um deles . Alerta a sabedoria chinesa que
quem embarcar para a vingança deve cavar duas covas.
Crato, 05/03/15
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