Meia-noite de 31 de
dezembro. O “elemento” 2015 presta depoimento na delegacia.
Compareceu
a esta Delegacia de Polícia, na presente noite deste 31 de dezembro
de 2015, faltando poucos minutos para a meia-noite, também conhecida
por “zero-hora” ou “noite da virada”, diante de mim, delegado
de polícia, o elemento chamado “2015”, também conhecido pelo
vulgo “Ano de 2015”, depoente nesta Boletim de Ocorrência, em
companha de testemunhas e de alguns detratores com o objetivo
expresso e alguns omissos de relatar o que sabe e o que não sabe
sobre os acontecimentos correntes do ano; QUE o elemento 2015 alega
não conhecer seus genitores ou qualquer outro familiar; QUE o
referido depoente esclarece ter comparecido a esta delegacia por ter
uma vida breve de 365 dias, como a de um camundongo, agora prestes a
se encerrar em alguns minutos, para que fossem adotadas medidas
protetivas e de urgência à sua integridade física e psíquica por
alegado risco de vida ou, como querem alguns, de morte; QUE o
elementos acha possível ser aniquilado e varrido da história por
maus serviços prestados à Humanidade (com maiúscula, escrivão);
QUE eu, delegado de polícia, argumentei que muitas vezes na vida o
“quanto pior, melhor” pode nos levar a uma situação sem volta
necessária para a reformulação dos valores, guinadas históricas,
revoluções, etc; QUE, ao ouvir isso o elemento 2015 despejou
impropérios à minha pessoa e chorou desenfreadamente, alegando que
vem sendo acusado pelos viventes neste planeta, também conhecido
como Terra, que se referem a ele como “ano desgraçado”, “ano
de merda” e até “ano que nem deveria ter começado”; QUE o
elemento 2015 se dia magoado com todas essas qualificações
desabonadoras, lembrando que seu vizinho e colega de infortúnio 2014
foi bem pior para os humanos de um certo país da América Latina,
por conta de um placar dilatado em um jogo de semifinal de uma
determinada Copa do Mundo, que prefere não citar nominalmente o país
para não dar azar – no que imediatamente bateu três vezes com os
nós dos dedos no chão de taco de madeira desta delegacia. Difícil
mesmo foi o elemento 2015 se reerguer do chão, no que simbolicamente
ficou caracterizado seu envolvimento inequívoco com os fatos. E
dando continuidade ao depoimento, digo QUE o referido elemento 2015,
conhecido também por seu vulgo em numeração romana MMXV, alegou
ser um “ano comum” deste século XXI de acordo com o calendário
gregoriano; QUE o supracitado garante ter iniciado seu momento mais
glorioso no primeiro segundo de uma quinta-feira qualquer, quase
estúpida, banal mesmo, destas que não têm nada de mais nem de
menos, justificando o fato por não ter outras intercorrências a não
ser um foguetório histérico perpetrado por elementos alcoolizados
em movimentos erráticos e descontrolados; QUE o elemento 2015 não
suporta foguetórios e preferia estar assando em um templo budista
escondido em um país da Ásia, nas suas palavras “longe mesmo de
tudo aquilo”; QUE não tem qualquer relação com o fato chamado
“segundo intercalar”, ou “segundo bissexto”, em que recebeu
como bonificação das autoridades do tempo do planeta o acréscimo
de 01 segundo aos seus 365 dias, exatamente no dia 30 de junho do
presente ano, às 23h59 como forma de compensar uma deficiência de
nascimento; QUE não acredita ter sido esse o motivo de “todo o
peso que carrega”, como se referiu aos fatos que o acusam; QUE o
elemento 2015 também quis ressaltar não possuir qualquer relação
com o fato do elemento Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado
pelo evento chamado “mensalão”, ter virado pintor na cadeia em
que está confinado, nem que, como ano vigente, seria responsável
pelos quadros que o referido Valério tem pintado; QUE o elemento,
quando perguntado se tinha qualquer relação ou influência na
“passagem” de elementos como Antônio Abujamra, Inezita Barroso,
B.B.King, Içami Tiba, Manoel de Oliveira, Leonard Nimoy, Fernando
Brant e tantos outros, disse que preferia ser lembrado daqui a alguns
anos pelo nascimento de novos gênios e maravilhosas criaturas; QUE,
quando perguntado por esta autoridade policial como sabia que neste
ano nasceriam humanos da melhor qualidade, o dito 2015 ou “ano
corrente” disse que tudo na vida é incerto, começando pelo
nascimento; QUE, apesar de garantir que estar em completo equilíbrio
e controle de suas faculdades mentais, começou a demonstrar mudanças
de comportamento abruptas, espumando e girando seus números como se
participasse de um bingo de igreja; QUE, como não foi constatado
inteiramente o fim do decurso de tempo deste 31 de dezembro de 2015,
faltando poucos minutos pra seu encerramento, eu, autoridade
policial, pedi licença aos presentes para ir à toalete, devido ao
inchaço da minha bexiga por conta do excesso de armazenamento de
urina na mesma; QUE, ao retornar do referido evento, constatei o
desaparecimento do elemento 2015 do recinto, possivelmente tendo se
evadido do local em auto desconhecido e destino incerto e não
sabido. Nada mais foi dito nem lhe foi perguntado, encerro a oitiva
desta Lavratura de Ocorrência Policial e para, finalmente,
recebermos o próximo a ser ouvido, já aguardando no recinto, o
elemento 2016, conhecido pelo vulgo “a esperança é a última que
morre”.
(*) João
Wady Cury é jornalista, escritor e autor da biografia não
autorizada de Nizan Guanaes.
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