TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 29 de maio de 2010

manhã de sábado

O negócio agora é baixar a cabeça
e caminhar.

Sem olhar para trás.
Sem olhar para frente.

Chutar pedras
gravetos
tampinhas de refrigerante.

Esquecer teu aparelho dos dentes.
Os teus óculos lilases.

Somente uma vez por mês
o célebre porre homérico.

No teu dia.

Enquanto vertes sangue.
Bebo vinho.

O negócio agora é não se deixar morrer
iludido pelos pensamentos.

Dizem que são apenas névoas.
Mas cegam, meu velho.

Preciso abrir logo o olho.
Meter os pés no tênis sujo.

Nem lavar rosto.
Nem beber cafezinho quente.

Escapar do quarto.
Fugir da masmorra.

Até Voltaire se entristece
com tanto silêncio.

O negócio agora é levantar a cabeça
e bater asas.

Não olhar para o teto.
Não cortejar o passado.

Dizem que é apenas vento.
Mas vem junto o cisco.

A lágrima presa é outra estória.
Noutro dia conto.

Vejo da janela um lindo jardim
com pula-pula e carrossel.

Quem sabe não encontro por lá
uma fada esperta ou uma babá
que me abrace e me console
oxalá queira trocar
minha fralda geriátrica.

As formiguinhas do vaso sanitário
sabem que a minha urina é doce.

Portanto venham, oh, minhas fadas
oh, babás do condomínio
peguem pelo braço este poeta
e lhe deem o que beber.

Bateu sede.
Serve um peitinho.

Sem drama angelical.
Sem neurose puritana.

Ultimamente o poeta sofre
espantalho sob noite fria.

Tremem os ossos.
Acorda o coração moído.

O negócio agora é levantar-se.
Cortar as unhas.
Fazer a barba.

A cafeteira me espera.
Ouço seus espasmos.
Ofegantes sussurros.

Amada cafeteira
nunca deixa

o poeta desvalido.

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