TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Sax de John Coltrane

Nunca disse ser sensato,
puro, angelical.

Sempre me referi às minhas asas
como de fogo.

Meu coração, sim, é um poço
de tanta candura que chega
a encher-me o saco.

Mas é o meu coração.
Amo-o como amo os vizinhos,
os pássaros e sobretudo
as minhas formigas.

Não penses que não tenho
o diabo no couro, o tridente
segurado pela mão direita
e os olhos vis.

Trago comigo toda a loucura
(muitas vezes nada de santa)

que a maioria esconde
debaixo do tapete
ou dentro do guarda-roupa.

Sob meu tapete não há migalhas
de perdições, pois o meu tapete
(mesmo sem meu consentimento)
voa e voa rápido derrubando tudo
que encontra na sala: tem predileção
por fruteiras de cristal.

Já o meu guarda-roupa
quando me abre as portas
só vejo bailando minhas cuecas
(tenho à beça) .

Nunca te disse que sou coerente.
Meu coração (segredo) também
promove íntimas rebeliões:

passa dias sem doar sangue
aos músculos dos meus dedos.

Chegam a ficar roxas as unhas.
Então é o jeito eu roer e roendo
e roendo as unhas acabo pensando
nas tuas unhas e no último desenho.

Achei bela a pintura de estrelas
e cavalos-marinhos.

Não laves as mãos.
Nunca mais laves as mãos.

2 comentários:

Dihelson Mendonça disse...

Maravilha, Domingos. Só pelo Título, já vale um grande abraço, e ainda mais o restante do poema!

Abração,

DM

Domingos Barroso disse...

O sax é mágico,
camarada!

(o de Trane, hein?)

Forte abraço.