Antes que me imagine um “anti-americanista” de carteirinha,
volte-se para si mesmo e compreenda o quanto a ideologia política, o estilo de
vida e a cultura americana são fortes sobre a formação brasileira da geração
pós-guerra. Muitos entre nós tivemos a oportunidade de sermos crítico em
relação ao American Way of Life, afinal a URSS, a Social Democracia Europeia,
além dos movimentos de libertação colonial, nos ofertaram esta oportunidade sem
par.
O modelo americano de “desenvolvimento humano” é cada vez
mais questionado pelo grau de pobreza e violência que produz, associado a uma
dependência consumista que parece viver para si mesma, com enorme reação por
esgotamento e corrupção da natureza que o modelo tem provocado sem qualquer
parâmetro sustentável. Acho que ficou evidente que os EUA, por exemplo, parecem
muito despreparados para desastres ambientes como furacões e tempestades
tropicais. Primeiro foi Nova Orleans, mas isso parece ter ficado às custas do atraso
relativo, mas agora o impacto foi em Nova York e aí já não dar para esconder a
marca de batom na cueca.
O American Way of Life que começa com uma ideia generosa de
liberdade e vontade de crescer individual, vai se transformando num caos
progressivo não em razão do individualismo exacerbado, mas face a face com a
concentração da renda e o poder absoluto do capital e das grandes corporações
na área de energia, guerra, alta tecnologia e assim por diante. Por isso ele
vai tomando uma série de faces de clivagem que mais e mais demonstram seus
problemas.
Vou tomar quatro destas faces que existem quase em parelhas,
uma a depender da outra. A primeira é expressa sistematicamente nos filmes como
algo do tipo “é meu trabalho”. Isso para se referir tanto ao orgulho e de um
plantador de frutas da Califórnia, quanto a um assassino pago para perseguir
migrantes ilegais destas ditas plantações. “É o meu trabalho” e naquele mundo
livre para viver, matar é um meio de vida. A face gêmea é de esperança frente
ao espanto destrutivo e “animal” do sistema: “uma segunda chance”. Quantas vezes
não a ouvimos em diálogos e até mesmo no argumento de um filme esta frase que
parece dizer que o sistema pode oferecer outra chance. Em todos os ciclos de
depressão econômica a segunda chance nunca aparece, mas se existe, certamente é
para os mercenários a serviço do poder absoluto.
As outras duas faces são filhas diretas do neoliberalismo
econômico: “cada um por si” e “a culpa é somente sua”. As duas faces de
clivagem no bloco do American Way of Life parte do princípio que nem Adam Smith
parecia acreditar: que o mercado seja perfeito. Teria oportunidades iguais para
todos e se a pessoa não as buscou é culpa puramente delas. Coisas do tipo você
tentou e não conseguiu, não precisa regulamentar práticas monopolistas e nem controlar
juros, nem qualquer outro artificio para tirar você da concorrência através de práticas
de sabotagem. O problema é que você não teve competência e espírito para se
estabelecer.
A segunda é o do tipo: a culpa é do seu pai que não criou um
patrimônio por herança. Quem mandou você não estudar o que deveria ter estudado?
Por qual motivo não trabalhou mais horas do que as longas jornadas da vida? É
esse o argumento do “a culpa é somente sua”.
E agora que o Obama ganhou que tal repetir uma frase que cai
bem: um outro mundo é possível. Ou a de Hemingway: o mundo é um bom lugar e
vale a pena lutar por ele.
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