“Como é possível esperar que a humanidade ouça conselhos,se nem sequer ouve as advertências.”
Jonathan
Swift
No último Carnaval, enquanto foliões, no Brasil inteiro,
entregavam-se às batalhas de confetes e serpentinas, aconteceu, no Espírito
Santo, uma cena emblemática dos anos em que vivemos. A aposentada Judith Kosken
,de setenta e nove anos , foi trancada ,pela
neta, dentro de sua casa e mantida, em cárcere privado, sem alimentos, até a
quarta-feira de cinzas. Vizinhos ouviram os gritos desesperados da velhinha,
avisaram à polícia e ela, por fim, foi libertada da prisão domiciliar. A neta
saíra com a namorada na sexta-feira para curtir o Carnaval em outra cidade. As
agruras de D. Judith não pararam por aí : atendida em um hospital, passou mais
dois dias morando no carro da polícia, pois os agentes, simplesmente, não
conseguiam encontrar uma instituição que a acolhesse. O fato pode parecer um
caso isolado, destes que periodicamente servem para alimentar o noticiário
morno dos jornais. Esconde no seu ventre, no entanto, um monstro que vem sendo
gestado nas últimas décadas e está pronto a coroar e espalhar brasa Brasil
afora.
No início do Século XX,
apenas 25% da população brasileira tinha mais de 60 anos. Nos primórdios do Século
XXI , 65 % dos homens e 78% das mulheres alcançaram este patamar. Em 2009 ,o
Brasil, que é um país jovem, tinha a sexta população de idosos do mundo, alguma
coisa em torno de 22 milhões de pessoas, ou seja: um em cada 13 brasileiros
será idoso em 2020 e ,em 2040, um terço da
população estará nesta faixa etária. A esperança de vida do brasileiro, hoje,
beira os 75 anos, em média; na década de
oitenta, era de 63 anos. Junte-se a este
quadro, uma diminuição abrupta da taxa
de fertilidade, que pelo andar da carruagem deverá levar ao decréscimo
progressivo da população a partir de
2062 e perceberemos que o futuro do Brasil é o passado. A grande bomba começa a
ficar com o estopim aceso e curto. O país não está minimamente preparado para
acolher a crescente população de idosos. Quem haverá de cuidar deles quando
vierem as limitações próprias dos anos ? Não temos geriatras suficientes; não
dispomos de cuidadores treinados no
volume que a demanda exige; não possuímos instituições que os acolham. O antigo
pacto de gerações, em que os pais cuidavam dos filhos e estes dos pais,
quebrou-se por inteiro: os filhos são poucos e a modernidade exige demais
deles. Nosso Sistema de Saúde também não está capacitado para atender as
doenças próprias da maturidade: as demências, as fraturas, os acidentes
vasculares cerebrais, o câncer que tende a aumentar nas faixas etárias mais
elevadas. Não bastasse isso, vivendo mais a população, o INSS deverá
desembolsar as aposentadorias por mais tempo e, por outro lado, nascendo poucos
brasileiros, a previdência arrecada
menos e o desequilíbrio da balança é inevitável. Nas gerações passadas, a família cuidava dos anciãos e os abrigos
eram deixados para os indigentes. Hoje, nem mel, nem cabaça !
As
angústias porque passou D. Judith no Carnaval são freqüentes em todo o Brasil e
tenderão a se agravar. Não é muito diferente do que vem acontecendo no resto do
mundo, só que nos países desenvolvidos as mudanças foram mais paulatinas e
houve mais tempo para adaptação à nova realidade. Um dado positivo
nesta nova cara da população brasileira é que os idosos estão muito mais
ativos, organizam-se, viajam, produzem e muitos e muitos são arrimo de família,
geralmente com renda média superior aos chefes de família mais jovens. O Brasil
precisa, no entanto, enfrentar rapidamente esta nova face mais enrugada que o
país vai tomando, sob pena de aprofundarem-se enormemente seus problemas
sociais que já não são poucos.
O escritor irlandês
e setecentista , Jonathan Swift (1667-1745)
escreveu uma sátira em 1729 : “Uma modesta proposta para preven ir que, na
Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e
para as tornar benéficas para a República”. Nela propõe, como solução da
pobreza infantil, que havendo provas de que a carne das crianças é tenra e gostosa, elas possam ser vendidas
assadas aos ricos, resolvendo assim o problema culinário dos mais abastados,
econômicos dos mais pobres e o impasse político da Nação que já não suporta
carregar tantos rebentos produzidos pelos mais desfavorecidos. Pois bem, se o
Brasil não deseja enfrentar o outro extremo da questão que é a proliferação dos
idosos e seus achaques, visto-me de Swift e trago também uma modesta proposta.
Chegando à idade avançada, quando começarem a trazer mais problemas que
soluções, os idosos poderiam ser levados a uma instituição e submetidos à
eutanásia. Sua carne, já pouco tenra, poderia ser tratada como carne de sol ou
de charque e depois, juntada à farinha e
produzida uma paçoca. Esta iguaria seria servida aos favelados e aos pobres
nordestinos vítimas da seca. Assim resolveríamos muitos impasses: primeiro,
diminuiríamos a população idosa e seu fardo à sociedade; depois, somaríamos o
nada na escala social ao nada na escala etária e desta soma poderia resultar
algum total; depois, unindo a carne dos velhos à farinha, havendo qualquer
indigestão , o governo poderia botar a culpa na farinha; além de tudo,
estaríamos contribuindo para melhorar a fome do Nordeste o que tem sido sempre
uma enorme preocupação para os estados do Sul e Sudeste. De minha parte, ofereço minha fuçura, daqui
mais uns poucos anos, a quem interessar possa, mesmo sabendo que a carne já é
de terceira, mas, quem sabe, misturada
com uma farinhazinha de mandioca , acredito que ainda dá um bom entala-gato.
J. Flávio Vieira
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