Dos 265 papas listados pela história
oficial em quase dois mil anos, apenas quatro renunciaram: Bento IX (1045),
Gregório VI (1046), Celestino V (1294) e Gregório XII (1415). E sequer eles
foram precedentes comparáveis. Gregório XII, papa de Roma, foi forçado pelos
cardeais a abdicar, enquanto os antipapas concorrentes João XXIII de Pisa (que
não se confunda com o papa do mesmo título do século XX) e Bento XIII de
Advinhão eram depostos, para por fim ao Grande Cisma do Ocidente e reunificar a
Igreja. Bento IX renunciou para “vender” o cargo a Gregório VI que, por sua
vez, foi “renunciado” à força pela maioria de seus bispos, com apoio do imperador
Henrique III. Celestino V, um eremita respeitado como homem santo em Roma, foi
eleito papa contra a vontade ao “ameaçar com a ira divina” o colégio de
cardeais que se reunia havia dois anos sem chegar a um consenso. Em cinco meses
no cargo mostrou-se completamente incompetente. “Aconselhado” pelo cardeal
Benedetto Gaetani a abdicar, decretou o artigo do Código Canônico usado agora
por Bento XVI. Gaetani elegeu-se papa Bonifácio VIII e por recear a influência
do ex-papa, “mandou prender” o idoso Celestino, que morreu após dez meses de
prisão. Bonifácio ficou quase nove anos no trono, mas se desentendeu com Felipe
IV da França, quando este quis taxar a Igreja. Após se declarar superior aos
reis e excomungar Felipe, foi capturado por tropas francesas que o “intimaram”
a renunciar. Ao recusar, foi espancado e morreu três dias depois. Após a morte,
sofreu a humilhação de ser destinado ao oitavo círculo do Inferno de Dante Alighieri,
seu inimigo político, ao lado de Celestino V e Nicolau III.
Bento XVI
Sua renúncia evidenciou a incapacidade de
controlar o conluio de interesses empresariais, políticos e clericais que
ajudou a alimentar e hoje travam as tentativas de reforma tanto do Vaticano
quanto da Itália – a corrupção secreta que viceja à sombra de qualquer
autoritarismo. Provavelmente, será sucedido por um europeu igualmente
conservador e intransigente para com os pecados da massa, mas mais tolerante
para com os da Cúria, que manterá a Igreja no caminho firme, reto e seguro da
decadência.
(transcrito da revista Carta Capital)
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